O tema da igualdade entre homens e mulheres no trabalho tem estado em destaque, mas há áreas mais discrepantes do que outras. O incremento de mulheres nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) não é apenas necessário, é crucial, por ser uma das áreas mais desiguais, e este é um dos objetivos que faz parte da Estratégia Digital Nacional por parte do Governo.No setor espacial, as mulheres já têm vindo a brilhar, mas a representatividade está longe de ser justa. A nível internacional, a Agência Espacial Europeia – que celebrou 50 anos de existência em maio – estabeleceu como objetivo aumentar para 40% a contratação de mulheres, valor que neste momento se encontra em 28,6%, e onde apenas um em cada seis gestores é mulher.Teresa Ferreira é um exemplo de liderança feminina no setor espacial. É Diretora no Departamento de Espaço na GMV Portugal – uma empresa tecnológica ligada ao Espaço, Defesa e Segurança, e Aeronáutica, bem como à Cibersegurança e Sistemas Inteligentes de Transportes – com responsabilidade de direção da área de Navegação por Satélite. Licenciada em Telecomunicações pelo Instituto Superior Técnico, tem mais de 20 anos de experiência no setor de Espaço.À Líder, Teresa revela como trilhou o seu caminho, a experiência enquanto mulher na área e o que esperar do setor espacial português e europeu nos próximos tempos.Pode contar-nos como começou o seu percurso na área espacial e o que a levou a seguir esta carreira?Curiosamente, o meu percurso neste setor começou quase por acaso. Sou formada em telecomunicações e iniciei a minha atividade na área espacial trabalhando no processamento de sinais GNSS (Sistema Global de Navegação por Satélite, uma rede de satélites que fornece sinais para determinar a localização, velocidade e tempo de dispositivos na Terra com alta precisão), na altura no âmbito da primeira geração do sistema Galileo. Hoje, a GMV lidera o segmento de controlo do sistema, e já estamos a trabalhar nos sinais da segunda geração.Sou movida por desafios, e o Espaço é, sem dúvida, uma área em constante evolução. A transformação tecnológica e de negócio é permanente, o que faz com que o processo de aprendizagem nunca pare — e isso entusiasma-me profundamente. Saber que o nosso trabalho tem impacto direto na vida das pessoas, seja na mobilidade, nas comunicações, na sustentabilidade ambiental ou na gestão do território, é altamente gratificante. Mas, acima de tudo, o que mais valorizo é fazer parte de uma equipa extraordinária — dinâmica, talentosa e motivada, que se dedica diariamente aos grandes desafios tecnológicos do futuro. Para além da importância de garantir igualdade de oportunidades, que vantagens traz existirem mais mulheres no Espaço (e nas áreas STEM, no geral)?O setor espacial continua a ser, em grande parte, dominado por homens, dado que muitas das funções estão ligadas a áreas técnicas como engenharia eletrotécnica, aeroespacial, informática, mecânica ou ciência de dados — tradicionalmente com maior representação masculina. Ainda assim, tem havido uma evolução muito positiva nas últimas décadas, e as equipas de trabalho são hoje muito mais mistas nas bases. Contudo, essa diversidade ainda não se reflete de forma expressiva nos cargos de liderança, onde encontrar uma mulher continua a ser, infelizmente, algo raro.É essencial começarmos desde cedo — através da educação e sensibilização, especialmente junto das camadas mais jovens. Portugal (e a Europa) enfrenta uma escassez de profissionais nestas áreas e continua a ser um desafio recrutar determinados perfis. Alargar a base de talento é, por isso, uma prioridade estratégica.Para além disso, equipas diversas tendem a ser mais criativas, versáteis e eficazes na resolução de problemas complexos — uma mais-valia num setor tão dinâmico como o Espaço. Acresce que a falta de recursos humanos qualificados é uma realidade e nesse contexto, atrair mais mulheres representa uma resposta concreta e necessária à crescente procura de talento. Qual é o papel de Portugal no contexto espacial europeu e como pode a presença feminina fortalecê-lo?Portugal tem vindo a afirmar-se no setor espacial europeu, graças à sua participação na ESA (Agência Espacial Europeia) e à criação de uma estratégia nacional, destacando-se a fundação da Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space) e a elaboração de uma lei espacial. Este percurso tem permitido aumentar a maturidade tecnológica nacional, consolidar um ecossistema competitivo e reter talento qualificado.A GMV, uma das maiores empregadoras europeias na área espacial, tem contribuído ativamente com soluções que vão da navegação por satélite à gestão de emergências, passando pela sustentabilidade ambiental e apoio à decisão com base em dados espaciais.A presença feminina pode desempenhar um papel essencial neste caminho de afirmação. Ao atrair e valorizar mais mulheres no setor, não só se alarga a base de talento, como se fomenta uma cultura de diversidade que potencia a criatividade, a inovação e o impacto social das soluções desenvolvidas.Uma indústria mais inclusiva é também uma indústria mais forte, com maior capacidade de resposta aos desafios do futuro.Quais têm sido os avanços recentes conquistados pela Agência Espacial Europeia? Têm sido competição para os ‘gigantes do espaço’?A Agência Espacial Europeia tem consolidado o seu papel como um ator espacial global. Nos últimos anos, destacou-se com avanços como o desenvolvimento da nova geração do Galileo, o lançamento da sonda HERA para estudar um sistema binário de asteróides e a missão ARIEL para a caracterização da atmosfera de exoplanetas, exemplos com contribuição da GMV em Portugal.A ESA aposta fortemente na colaboração entre os seus Estados-Membros, promovendo inovação tecnológica e projetos com impacto científico e industrial. Embora o modelo europeu seja diferente dos chamados “gigantes espaciais” como os EUA ou a China, a ESA tem sido uma parceira de excelência e um pilar fundamental na consolidação da Europa como líder em várias áreas do setor espacial, assim como a impulsionadora do sector espacial em Portugal.Este ano realiza-se o Concelho Ministerial da ESA onde os Estados Membros definirão os investimentos para o próximo triénio, e para o qual Portugal será chamado a reforçar cabalmente a sua posição para aumentar a competitividade do ecossistema nacional, de forma a endereçar os grandes desafios que se avizinham a nível Europeu e mundial nas áreas da segurança e espaço. Há alguma mulher no setor espacial — nacional ou internacional — que a inspire particularmente?Quando se pensa no setor espacial, é inevitável recordar figuras históricas como Valentina Tereshkova ou Sally Ride, as primeiras mulheres russas e americanas no Espaço. A NASA tem feito um trabalho notável ao dar visibilidade a outras mulheres pioneiras como Mary Jackson, Katherine Johnson e Dorothy Vaughan — as ‘computadoras humanas’ — ou Margaret Hamilton, que liderou o desenvolvimento de software para a missão Apollo 11 e cunhou o termo Software Engineering.Mas os exemplos que mais me inspiram são os que tenho mais próximos: as mulheres com quem trabalho e com quem partilho experiências ao longo da minha vida profissional. São estas trocas de impressões e colaborações que me motivam e me fazem crescer. Que tipo de políticas podem favorecer um Espaço para as Mulheres em vez de apenas Mulheres no Espaço? A GMV tem iniciativas internas para incentivar mais mulheres a entrar na área tecnológica e aeroespacial?Na GMV acreditamos que as políticas devem focar-se na construção de culturas organizacionais inclusivas e sustentáveis. Temos várias iniciativas internas e externas alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Destaca-se o programa BeStem, que dá visibilidade a mulheres da GMV com percursos inspiradores nas áreas tecnológicas. Estas profissionais participam em atividades com escolas e universidades, partilhando as suas histórias e motivando jovens, especialmente raparigas, a seguir carreiras STEM.Além disso, promovemos programas de mentoria, horários flexíveis, sessões de formação, e colaboramos com entidades como a Ciência Viva e o ESERO, organizando palestras e workshops em escolas portuguesas.Criar um Espaço para as Mulheres significa garantir que o talento feminino entra, permanece, cresce e lidera — tornando o setor mais justo, diverso e inovador. Que conselhos deixaria a uma menina que sonha em trabalhar com/no Espaço?Estudar, questionar e aventurar-se — esse é o ponto de partida. Não existem setores inacessíveis, e as oportunidades são reais e crescentes. Se houver interesse por matemática e física, recomendaria uma formação em Engenharia, uma área com elevada empregabilidade e múltiplas especializações com ligação ao Espaço.Mas é importante lembrar que o setor espacial é profundamente multidisciplinar: envolve não só tecnologia e engenharias, mas também ciências básicas, saúde, ambiente, direito e muito mais. Há lugar para muitos perfis — o mais importante é manter a curiosidade acesa e acreditar que o Espaço também pode ser o teu lugar.O conteúdo No setor espacial há que «garantir que o talento feminino entra, permanece, cresce e lidera», defende Teresa Ferreira aparece primeiro em Revista Líder.