Lan house fez história no Brasil – veja o que (quase) ninguém lembra

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Em tempos de computadores caros, os estabelecimentos comerciais democratizaram a tecnologia, conectaram comunidades por meio da cultura participativa e inclusão digital Quem aqui vivenciou o final dos anos 90 e o auge dos anos 2000 provavelmente, quando queria acessar a Internet, corria direto para a lan house e pegava uma fila imensa para usar o computador. Eram horas preciosas na frente da tela, pois cada centavo valia. Hoje, os tempos das lan houses parecem distantes devido à onipresença dos smartphones, Internet móvel na palma da mão e PCs e notebooks pessoais. Ainda assim, para quem viveu a experiência, esses espaços representam muito mais que computadores enfileirados. São memórias marcantes de uma revolução silenciosa nas diferentes formas de como o brasileiro acessou e se apropriou da tecnologia para proporcionar avanços tanto tecnológicos quanto sociais. Em um clima de nostalgia, o TechTudo reuniu nesta matéria tópicos históricos e importantes para a consolidação e a queda das lan houses no Brasil. 🔎 Ranking atualizado: veja as 5 marcas de notebooks mais vendidas em 2025🔔 Canal do TechTudo no WhatsApp: acompanhe as principais notícias, tutoriais e reviewsAs competições dentro das lan houses foram importante para o surgimento do esporte eletrônicoDivulgação/Xtreme Games Lan House📝 Você já foi em uma lan house? Comente no Fórum TechTudo Apesar da queda na popularidade devido ao avanço da tecnologia, o impacto das lan houses foi indiscutível. Segundo pesquisas de audiência, mais de 30 milhões de brasileiros usaram lan houses como porta de entrada para o mundo digital. Para muitos, foi ali que criaram seu primeiro e-mail, acessaram as redes sociais da época ou jogaram pela primeira vez com a turma de amigos sem ver o tempo passar dentro do super monitor de turbo branco. O que era uma lan house e como surgiu no Brasil?A “Lan House ”é um estabelecimento comercial onde o cliente podia, mediante pagamento, utilizar um computador com acesso à Internet. Foram esses estabelecimentos comerciais que introduziram a mídia digital na sociedade e democratizaram a Internet para todos os cantos do mundo. O termo “Lan House” surgiu em meados de 1995 derivado da sigla da expressão inglesa: Local Area Network. No Brasil, a primeira lan house foi inaugurada no final dos anos 90, em 1998. O empresário Sunami Chum, brasileiro de ascendência coreana, instalou a primeira casa de jogos "on-line", a Monkey, na cidade de São Paulo. A rede se tornou modelo para várias outras redes espalhadas por todo o Brasil, atingindo o auge no ano de 2003 quando chegou a contar com mais de 60 lojas espalhadas por todo país. O grande apelo social na ampliação do público gamer contou com incentivos comerciais que impulsionaram a inserção do Brasil nos principais torneios mundiais em jogos como CS 1.6 e Need For Speed. Need for Speed fazia sucesso entre os jogadores mais jovensReprodução/IGÃO PLAYEntretanto, ao longo dos anos, o formato instalado passou por mudanças. A casa, que antes era focada no entretenimento e jogos, cedeu espaço ao acesso às informações pela rede para trabalho, estudos e relacionamentos. O MSN e Orkut formaram um ecossistema midiático inovador nos anos 2000, que proporcionou a democratização do acesso à Internet, assim como moldou as primeiras experiências de interação e construção de identidade online no Brasil por meio do acesso à Internet.Orkut era febre entre os jovens frequentadores de lan houseReprodução/Getty ImagesO sucesso do MSN Messenger permitiu que usuários sem conexão domiciliar trocassem mensagens em tempo real. Isso tornou o ambiente ideal para difundir a comunicação instantânea. Depois, as comunidades dentro do Orkut ganharam reconhecimento de sociabilidade digital, nos quais a criação de perfis e a participação em comunidades temáticas se tornaram atividades coletivas e cotidianas. Segundo estudos realizados no final dos anos 2010, 49% dos internautas acessaram a rede mundial em centros públicos pagos. As empresas brasileiras que se estabeleceram nesse período tinham um mercado dominado por concorrência limitada e tecnologia defasada em relação ao exterior. Era necessário ir até a lan house para cumprir a atividade necessária ou se divertir online. O que todo mundo fazia na lan house? Os dois jogos mais comuns e competitivos foram Counter-Strike (CS) e Tíbia. As partidas de CS eram intensas e organizadas entre amigos do bairro ou colegas de escola, criando um senso de competição local e comunitário. No Tíbia, a dinâmica era diferenciada: por ser um jogo online massivo, o tempo de jogo era precioso. Muitos frequentadores disputavam horários específicos para evitar servidores lotados, e garantir que seus personagens evoluíssem sem interferência. O comércio de "skins", itens e contas personalizadas era outra atividade do círculo social que começava a movimentar pequenos circuitos de troca e venda entre os frequentadores.Partidas de CS 1.6 era sucesso entre gamers na lan houseDivulgaçãoMuitos jovens e adultos utilizavam o espaço para fins práticos, como imprimir trabalhos escolares, pagar boletos, montar e enviar currículos ou até mesmo estudar para provas. Um exemplo comum era a prova teórica do Detran, que exigia acesso à Internet e era aplicada nos computadores disponíveis. Para a maior parte das famílias brasileiras que não tinham computador em casa, esse espaço era o único meio de acesso às tarefas exigidas pelo mundo digital: da vida escolar até o mercado de trabalho.A convivência mista serviu como ponto de encontro para diversão e também como centro de acesso digital. Foram locais fundamentais para uma geração cujo crescimento virtual cresceu em meio à transição da convergência analógica. Jovens aprendiam a navegar entre o lazer e a responsabilidade, entre um headshot no CS e um currículo salvo em disquete. A lan house não era apenas um lugar para jogar: era uma porta de entrada para a cidadania digital.O acesso à Internet permitia aos usuários navegarem e criarem contas nas redes sociais que estavam no auge dos anos 2000 como MSN, Orkut e Fotolog. Nelas, era possível mandar interações personalizadas no chat, mensagens de texto, recados públicos nos perfis dos amigos e até depoimentos que podiam ser "secretos" ou não, dependendo do nível de intimidade. Era o início de uma cultura digital pautada na curadoria de si mesmo e no desejo de reconhecimento por meio de interações escritas em tempo real. As plataformas ofereciam uma nova forma de se relacionar, construindo laços virtuais, que ultrapassavam as barreiras do digital, na própria lan house. O MSN permitia troca de emoticons animados, "nudge" (balanço da tela para chamar atenção) e status personalizados com letras de música. No Fotolog era permitido postar fotos diárias com legendas que revelavam estados de espírito, recados indiretos ou simples atualizações de vida. Chamar atenção fazia toda a tela do MSN Messenger tremerReprodução/TumblrEra no Orkut que se podia construir uma identidade própria longe da supervisão familiar: postar fotos divertidas, participar de comunidades polêmicas ou engraçadas, trocar depoimentos flertando com colegas que estavam online. Fazer tudo isso escondido dos pais dava um gosto de independência, em um espaço só dos jovens, onde a linguagem, os códigos e até os conflitos eram deles. Quem nunca quis postar um monte de besteiras, de forma divertida, sem saber que sua mãe poderia ler tudo? O uso dos programas de música Emule e LimeWare era considerado quase um ritual. Jovens organizavam “listas de download” para aproveitar ao máximo o tempo pago, gravavam tudo em pendrives ou CDs e depois compartilhavam entre si. A diversão misturada com o medo de burlar limitações econômicas, poder construir repertório musical e impressionar os colegas com “aquela música nova que ainda nem tocou na rádio”. Claro, tudo isso vinha com o risco constante de pegar vírus, mas isso fazia parte da aventura.Emule é um tipo de software que utiliza download de arquivos por envio P2PReprodução/TechTudoDentro das lan houses a imersão ganhava ainda mais força: ao lado dos amigos, longe de casa e com o tempo contado no relógio, tudo era mais intenso. Rir das mensagens do chat, rivalizar quem tem a melhor skin, disputar quem tinha mais scraps ou participar de comunidades como "Minha mãe não manda em mim" criava uma cumplicidade de um segredo coletivo vivido por trás das telas.Por que foram tão importantes?As lan houses foram o principal ponto de acesso dos internautas de baixa renda. Nas regiões populosas da Zona Sul de São Paulo e Centro do Rio de Janeiro, as casas de rede eram ferramentas poderosas de inclusão digital, sobretudo onde a Internet domiciliar era um privilégio. Elas também ofereciam suporte técnico e um espaço para estudo, trabalho e socialização para a população. Os jovens que tinham computador com banda larga em casa também usavam eventualmente com o intuito de jogar em comunidade com os amigos online.O acesso às tecnologias digitais deixou de ser restrito às elites econômicas e alcançou as camadas mais amplas da população. A cultura participativa e convergente foi crucial para o surgimento e expansão das lan houses, que eram pontos de inclusão digital em diversas periferias urbanas. Ao mesmo tempo, favoreceu a adoção em massa das redes sociais emergentes no país. Foram espaços de iniciação cultural, aprendizagem social e criação de identidades. Nelas, amizades virtuais ganhavam rostos reais, e as tardes de sábado se fixaram em memórias duradouras de uma geração que viu a Internet nascer em grupo, e não sozinha, no quarto de casa.A convivência diária entre jogadores fez com que surgissem grupos organizados que treinavam juntos e disputavam partidas contra outros coletivos, os clãs. Essas formações representavam bairros, escolas ou cidades, e competições informais dentro das próprias lan houses. Mesmo sem nome formalizado na época, nascia a semente dos eSports no Brasil: torneios com premiações simbólicas, rankings locais, rivalidades marcadas por camisetas personalizadas e horários disputados a fim de ter encontros imperdíveis.Torneios populares se originaram dentro da convivência nas lan housesFelipe Vinha/TechTudoOs jogadores compartilhavam conhecimento sobre as estratégias de jogo, atualizações de software, criação de servidores próprios e customização de mods e skins para jogar de forma personalizada. A vivência coletiva consolidou uma base sólida de jogadores experientes e apaixonados, muitos dos quais migraram posteriormente para as competições profissionais, streams ou produção de conteúdo gamer. Sem as lan houses, é difícil imaginar a estrutura atual dos esportes eletrônicos no país.Regras não escritas das lan houses Quem já frequentou uma lan house sabe que a fila para conseguir um computador livre era uma competição singular, marcada pela ansiedade da espera. Não havia senhas, nem chamadas, era pela disponibilidade da máquina. A oportunidade era alcançada por meio da perseverança e da observação atenta ao monitor do colega que estava prestes a concluir sua sessão. A dinâmica interna também era peculiar: cadeiras rígidas e fones de ouvido unilaterais, danificados de um lado. A casa de jogos se transformava em um caldeirão de emoções intensas, com gritos e xingamentos ecoando ao fundo, resultado das disputas acirradas de Counter-Strike.Jogatina era intensa entre a molecada jovemReprodução/ Google Maps LanPark Lan HouseA ida era disfarçada como uma "pesquisa para a escola". A justificativa era conveniente para os pais, que não compreendiam a representatividade da vida digital que acontecia em conjunto com os amigos. Na prática, a "pesquisa" envolvia horas de jogo ininterruptas, acompanhadas por uma dieta de uma coxinha com refrigerante: o combustível dos gamers. Apesar de estarem em menor quantidade atualmente, as lan houses permanecem na memória de quem vivenciou intensamente o período de transição digital.Por que desapareceram? Com a popularização da Internet banda larga, o papel das lan houses começou a se convergir no contexto da história da tecnologia no Brasil. Os estabelecimentos se transacionaram oferecendo serviços adicionais, e se tornaram verdadeiros centros de conveniência digital, semelhantes a cyber cafés. A evolução foi comparada à das lotéricas, que saltaram de simples pontos de aposta para centros de serviços bancários.A popularização de notebooks e desktops durante a década de 2010 foi favorecida pela redução dos preços de componentes como memória RAM, processadores e dispositivos de armazenamento. Enquanto empresas como Intel, Nvidia e AMD aceleravam inovações que tornavam o hardware mais eficiente e barato, os fabricantes asiáticos ampliaram a produção e diminuíram os preços. O computador deixou de ser um item de luxo e passou a ser uma ferramenta presente em boa parte dos lares brasileiros. Barateamento de notebooks aumentou a necessidade de ter um para si mesmoDesola Lanre-Ologun /UnsplashAo mesmo tempo, o progresso dos smartphones e ampliação da Internet móvel ocasionou o aumento da necessidade dos usuários de utilizar espaços coletivos para acesso à tecnologia. Aplicativos mobile, como WhatsApp, e navegadores modernos supriram maior parte das demandas anteriormente atendidas pelas lan houses, as quais envolviam comunicação, redes sociais e jogos desktop. Ou seja, a relevância da proposta das lan houses se perdeu graças à queda de preço dos PCs e celulares, e à chegada dos serviços da nuvem. O resultado foi o fechamento em massa desses estabelecimentos na segunda metade da década. O rigor da legislação também dificultou o mantimento dos estabelecimentos de rede. O Estatuto da Criança e do Adolescente no começo dos anos 2000 impôs restrições à presença de menores em locais públicos, atingindo diretamente o público-alvo principal. Além disso, leis municipais e estaduais exigiam alvarás específicos, infraestrutura adequada e monitoramento constante dos usuários, o que aumentava os custos e a burocracia para manter o funcionamento, principalmente nas áreas periféricas cuja estrutura era precária para cumprir todas as exigências legais.Estatuto da Criança e do Adolescente não permitia menores de idade em locais sem supervisão dos responsáveisReprodução/SejuscCom informações de Amazon, Gizmodo, Samsung e NIC (1), (2) e (3)Mais do TechTudoVeja também: Orkut vai voltar? Criador da rede revela detalhes para o TechTudoOrkut vai voltar? Criador da rede revela detalhes para o TechTudo