Por “conveniência ao serviço público”, universidades e institutos federais de ensino (IFs) deixaram de afastar, mesmo que temporariamente, professores e servidores punidos por condutas de conotação sexual.Levantamento feito pela coluna identificou nove casos, nos últimos 10 anos, em que servidores públicos dessas instituições de ensino, acusados de assédio sexual, foram penalizados inicialmente com uma suspensão, mas tiveram a punição convertida em multa em razão da falta de pessoal no quadro de funcionários das universidades e IFs.O cenário evidencia a dificuldade das instituições de ensino em punir funcionários públicos acusados de assédio sexual. Nesses casos, os docentes e servidores pagam uma multa, de acordo com o salário que ganham, e continuam frequentando o ambiente acadêmico – em muitas situações, convivendo nos mesmos espaços que suas vítimas.Este aspecto foi uma das questões levantadas pelo Metrópoles na reportagem O assédio sexual nos câmpus em 128 atos, divulgado nessa terça-feira (6/5). A coluna analisou dezenas de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) em universidades e IFs obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às instituições de ensino. Os documentos revelam que estudantes, professoras e funcionárias têm sido vítimas de constrangimentos, agressões e até estupros em câmpus de todo o Brasil. Acesse aqui o mapa interativo.Suspender ou aplicar uma punição com impacto direto no bolsoAs punições decorrentes dos PADs variam entre advertência, suspensão de até 90 dias (que pode ser convertida em multa), demissão e cassação da aposentadoria. De acordo com a Lei do Servidor (Lei 8.112/1990), a suspensão pode ser convertida em multa, total ou parcialmente, “quando houver conveniência para o serviço”. A multa decorre do desconto de 50% do salário da pessoa. O débito incide conforme o total de dias de punição.3 imagensFechar modal.1 de 32 de 33 de 3Isso aconteceu, por exemplo, com o professor Luciano José Gonçalves Moreira, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), do campus Ouro Preto. Ele foi punido após ser acusado de assédio sexual por nove estudantes.Em um dos casos denunciados, Luciano Moreira ficou atrás da jovem e perguntou se ela sabia guardar segredo, pois havia sonhado com a garota e temia que ela não entendesse o conteúdo do sonho. A outra aluna ele disse: “Queria você na minha estante” e “Queria que minha mulher tivesse o seu cabelo”.A instituição, amparada pela Advocacia-Geral da União (AGU), poupou o docente de uma demissão, por entender que a punição soaria “severa demais”, e decidiu aplicar-lhe uma suspensão de 90 dias, que foi convertida em multa. A punição de Luciano Moreira, publicada em novembro de 2021, ficou assim: 45 dias de suspensão e os outros 45 dias foram convertidos em multa.Em abril daquele mesmo ano, o Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ) suspendeu por 11 dias o professor de física Marco André de Almeida Pacheco, após suposto assédio contra uma adolescente de 14 anos. O caso aconteceu em 2019, no campus Volta RedondaSegundo a adolescente, Marco Pacheco teria passado por ela no hall da instituição de ensino, quando ela estava sozinha, e feito a seguinte abordagem: “Oi, gata. Quando vou pegar você?”. Em seguida, o docente a teria abraçado por trás e tocado na cintura dela. A garota foi encorajada por outras alunas a denunciá-lo.A defesa de Marco André sustentou que a acusação foi baseada em um mal-entendido superdimensionado. Para a comissão que avaliou o caso, o professor usou um termo com “ambiguidade semântica”, além de ter mantido contato físico com a adolescente. O comportamento dele, de acordo com colegiado, mereceu uma suspensão. A punição, no entanto, foi convertida em multa em publicação de ato da Reitoria.Como são calculados os dias de suspensão de um professor ou servidor punido em um PADO assédio sexual é um crime definido no Código Penal como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, valendo-se de condição de superioridade hierárquicaOs dias de afastamentos são computados conforme a calculadora de correição da Controladoria-Geral da União (CGU). Noventa dias é o máximo que um servidor pode receber no quesito suspensão.Acessível ao público, a ferramenta recebe o nome de “Calculadora de Penalidade Administrativa e Viabilidade de TAC”.A plataforma reproduz uma tabela com uma lista de infrações e deveres presentes no Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112). Entre os casos mais comuns para enquadrar as condutas de conotação sexual estão:Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública (Art. 117, IX);Manter conduta compatível com a moralidade administrativa (116, IX);Tratar com urbanidade as pessoas (Art. 116, XI);Incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição (Art. 132, V)A partir das infrações, existe uma régua com o parâmetro da dosimetria que aumenta o grau da infração, a partir de uma análise subjetiva de critérios que avaliam a gravidade, danos, agravantes e maus antecedentes.A palavra final para aplicação desse tipo de punição é da reitoria da instituição de ensino. Como última instância, o reitor tem em mãos dois pareceres que orientam sua decisão. O primeiro é o relatório final da comissão processante, formada por três servidores, que sugere a aplicação da pena. O outro, é o parecer da Procuradoria-Geral Federal, órgão, vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) que, presta consultoria e assessoramento jurídicos.Leia a reportagem completa dos nove casos em que as suspensões foram convertidas em multaServidor suspenso por “atos libidinosos” na universidade (Universidade Federal de Rondônia)Professor oferecia beijos em troca de dicas para provas (Universidade Federal de Sergipe)Professor é suspenso após convidar aluna para tomar cerveja (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)Professor para aluna: “Imagino tudo o que você faz com a letra F” (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais)A punição “severa demais” a professor acusado de assédio sexual por 9 alunas (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais)Professor para adolescente: “Oi, gata. Quando vou pegar você?” (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro)“Pau do Stefanelli”: professor fazia “brincadeiras” constrangedoras com estudantes (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo)Servidor rouba dados de estudante e faz abordagem agressiva (Universidade Federal de Santa Catarina)Aluna abandona mestrado após investida do orientador (Universidade Federal de Santa Catarina)Assista o documentário do Metrópoles sobre os casos de assédio sexual nas universidades e IFs