Noruega em sete minutos: como se governa sem barulho

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A Noruega não é apenas um país; é uma ideia cristalina de ordem e luz, um fiorde espelhado onde a modernidade repousa sobre raízes vikings e onde o silêncio das montanhas geladas se relaciona com a memória de um povo que aprendeu a florescer no frio. Em Oslo, o mármore branco da Ópera ergue-se como uma proa virada para o mundo, enquanto em Tromsø as auroras boreais pintam o céu como se os deuses nórdicos ainda lá morassem.No Global Soft Power Index 2025, a Noruega ocupa o 9.º lugar, fruto de uma diplomacia exemplar, um sistema educativo invejável e um modelo de bem-estar que ainda é referência mundial. Já no Índice de Democracia da EIU, surge como a campeã global: 1.ª posição, 9,81 pontos em 10. Um Estado pequeno em número, mas gigante em coesão, liberdade e visão.Este é o décimo primeiro artigo da  rubrica da Líder, ‘O estado de uma nação em sete minutos’. Todas as quintas-feiras, traremos um retrato de um país, explorando sucintamente quatro dimensões: cultural, política, económica e social.CulturaA Noruega deu ao mundo Edvard Munch, cujo grito atravessou os séculos num eco existencial, num medo indizível que se cola às paredes dos museus e da alma. Na literatura, Ibsen desmontou as hipocrisias da sociedade burguesa com um bisturi de palavras, e Karl Ove Knausgård expõe a vida comum com a brutalidade de quem não teme a verdade. Sangra nas páginas e passa para a próxima com o dedo cheio de saliva.A música promulga-se da tradição aos sintetizadores: de Edvard Grieg, que transformou os fiordes em sinfonias, aos Röyksopp e AURORA, que reinventam a identidade sonora escandinava para as novas gerações.A televisão pública, NRK, produz séries que não têm medo de pensar devagar. E nas pequenas localidades do norte, onde o sol desaparece durante meses, organizam-se festivais literários como quem acende uma fogueira contra a escuridão.Mas talvez o maior feito cultural norueguês seja o equilíbrio entre o que era e o que será –  trolls e inteligência artificial, barcos de madeira e startups de impacto global.Mesmo nos debates mais acesos – sobre identidade, ecologia, imigração ou futuro da Europa – a cultura está lá, não como trincheira, mas como ponte. Talvez seja isso que torna a Noruega, mais do que um país, uma possibilidade. E onde a arte não precisa de justificar-se – basta-lhe existir. A cultura não é espetáculo; é prática vivida. E ali ela desce à terra, às escolas e aos cafés, onde se lê mais do que se fala, e onde o tempo parece dilatar-se para que cada ideia encontre o seu lugar.PolíticaA Noruega é uma monarquia constitucional onde o rei reina sem governar, e onde o primeiro-ministro governa sem se eternizar. Jonas Gahr Støre, do Partido Trabalhista, lidera um governo que procura equilibrar justiça social e crescimento económico, num país onde a dança democrática funciona com precisão escandinava, sem grandes escândalos, pouco circo e muita vocação.Com uma imprensa livre, instituições robustas e uma sociedade civil ativa, a Noruega é tudo o que uma democracia deve ser – não porque precise de o provar, mas porque o respira.E, no entanto, não se iludam com a serenidade da superfície: os debates sobre imigração, transição energética e polarização também aqui fazem parte da agenda. A tensão política em Oslo intensificou‑se em janeiro, quando o governo de coligação liderado pelo Partido Trabalhista fragmentou. O Partido do Centro retirou‑se do executivo após embates sobre a adoção de diretivas europeias em energia renovável, acusando o governo de comprometer a soberania nacional. Esse impasse precipitou a saída daquele partido e deixou o primeiro‑ministro Jonas Gahr Støre numa posição de governo minoritário até às eleições de setembro.A diferença está no tom: menos grito, mais argumento. A Noruega tem opinião, mas não tem messias. E isso, por si só, já a distingue de metade do mundo.EconomiaEm 2024, o PIB norueguês cresceu 2,3%, com o país a manter uma posição invejável: baixo desemprego, inflação controlada e uma moeda forte. A riqueza do petróleo é gerida com uma parcimónia quase calvinista através do Fundo de Pensões Governamental, o maior fundo soberano do planeta, com ativos que ultrapassam os 1,5 biliões de euros.Mas a Noruega não vive do passado fóssil – investe agressivamente em tecnologia verde, energia eólica offshore e soluções para o Ártico. Por exemplo, o país planeia expandir significativamente a energia eólica offshore até 2040. O primeiro-ministro Jonas Gahr Støre anunciou um objetivo ambicioso de 30 GW para quase duplicar a produção nacional, destinando parte considerável à exportação. O país não renega o petróleo que o enriqueceu, mas também não se ajoelha perante ele.A diferença entre riqueza e ganância mede-se em Oslo. Aqui, a prosperidade não é ostentação; é infraestrutura, educação, saúde. O dinheiro não serve para fazer poucos ricos – serve para manter muitos iguais.SociedadeCom pouco mais de cinco milhões de habitantes, a Noruega cultiva um ideal social raro: confiança. Os cidadãos confiam no Estado, nas instituições, uns nos outros. Isso permite uma fluidez social onde a meritocracia não é uma palavra bonita – é uma prática real.A igualdade de género é das mais avançadas do mundo. A licença parental pode ser partilhada. A escola é gratuita e inclusiva. Os hospitais funcionam. Os transportes também. E, ao contrário de tantos outros lugares, o sistema não parece prestes a implodir.Mas há tensões. A integração de imigrantes, sobretudo de origem não-europeia, nem sempre é bem-sucedida. O crescimento das redes de tráfico de droga em zonas urbanas levantou alarmes. E a solidão – silenciosa e gelada como os invernos – é um dos grandes problemas de saúde mental entre os jovens.O bem-estar nórdico também tem fissuras. Mas, ao contrário de muitos países, aqui ainda há tempo e vontade para as reparar.ConclusãoA Noruega é um país onde o tempo se move com outra cadência. Onde o sucesso não grita, mas constrói. Onde a liberdade é a regra, não a exceção. É uma democracia exemplar, sim – mas, mais do que isso, é uma nação que aprendeu a ser adulta.Num mundo onde tantos países oscilam entre populismo e apatia, a Noruega mantém-se fiel a um ideal de decência democrática. E prova que é possível ser rico sem ser injusto, livre sem ser caótico, pequeno sem ser irrelevante.Não tem exércitos a marchar, mas tem ideias que viajam. Não conquista pela força, mas pela influência. E não precisa de gritar, porque o mundo – mesmo quando não ouve – acaba sempre por escutar. O conteúdo Noruega em sete minutos: como se governa sem barulho aparece primeiro em Revista Líder.