O dia em que a verdade ficou sem luz

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Eram precisamente 11h33 quando, na manhã do dia 28 de abril de 2025, de forma abrupta, todos ficámos sem eletricidade. Certamente, muitos dos que nos leem apenas se aperceberam mais tarde que não, não era um problema do carregador do computador ou do contador. Tratava-se, surpreendentemente, de uma quebra generalizada do abastecimento energético em Portugal. E, além da confirmação de um apagão que afetava também o território espanhol, pouco mais poderia ser encontrado nas redes sociais e nos sites de notícias.  Poucos minutos passaram até que a muitos de nós chegou uma mensagem, reencaminhada através do WhatsApp, que parecia ter a resposta aos anseios de informação. Começava com uma fonte aparentemente credível – a CNN Internacional. Tinha a forma de uma peça noticiosa e até vinha escrita em inglês. E, tal como uma notícia séria, respondia imediatamente, logo no primeiro parágrafo, às perguntas-chave do jornalismo: Quem? O quê? Onde? Quando? Como e Porquê? A partir desta “fonte”, percebia-se que o apagão resultava, afinal, de uma ação concertada de ciberataques com o alvo apontado às infraestruturas vitais europeias – rede elétrica, aeroportos, instituições financeiras e equipamentos de saúde. As autoridades da União Europeia já teriam encontrado o principal suspeito – a Rússia, e até a Presidente da Comissão Europeia já prestava declarações oficiais, ao falar-nos da necessidade de responder com união na defesa da nossa soberania.  Já no rescaldo deste evento, que durou 10 horas, num mini-relatório desenvolvido pelo Medialab Iscte e pela Comissão Nacional de Eleições, identificou-se que, nos dias seguintes ao apagão, outras teorias continuaram a proliferar: teria sido, afinal, um “teste de resiliência” promovido pela NATO, ou “diz que” teria sido uma operação de engenharia social para justificar uma escalada militar futura. As publicações dos Media tradicionais online que, de forma certamente bem-intencionada, mas imprudente, replicaram narrativas falsas sobre o incidente, chegaram a um número muito maior de pessoas (173 mil visualizações) do que aquelas que mais tarde acederam ao desmentido dessa desinformação (55 mil visualizações).  Este caso sem precedentes, e que a todos afetou, pode ser visto como uma experiência social única que nos permite tirar duas grandes conclusões.Não só Portugal não está imune a estes fenómenos, como a desinformação consegue proliferar mais rapidamente, sobrepondo-se à informação fidedigna.   Enfrentar ou fugir? A escolha numa era de desinformação A Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com o Instituto Universitário de Florença, através do Fundo Europeu para os Media e a Informação (EMIF, na sua sigla em inglês), tem vindo a financiar projetos pelo território europeu que nos permitem entender os padrões da criação e distribuição das narrativas falsas, assim como apoiar na mitigação dos seus efeitos e sensibilizar a população como um todo.  Diversas pesquisas apoiadas pelo EMIF têm vindo a evidenciar a existência de um campo desnivelado, em que, frequentemente, a desinformação pesa mais do que a informação fidedigna, e em que as práticas ofensivas de alguns utilizadores online pesam mais do que a sã tentativa de participação no debate público de outros. Neste campo cada vez mais inclinado, em que o algoritmo favorece a sugestão de conteúdos com grande carga emocional, polarizadores, baseados em opiniões fortes e muitas vezes infundadas, aumentam aqueles que se colocam perante um crescente dilema ético e moral na esfera digital: enfrentamos ou fugimos? Nessa linha de investigação, e apoiado através do EMIF, o projeto The Silencing Effect, inquiriu quatro mil utilizadores das redes sociais em França, Alemanha e Reino Unido. Das pessoas inquiridas, mais de metade já sofreu algum tipo de violência no contexto digital e são as mais jovens que mais ansiedade sentem e se condicionam ou autocensuram no momento de publicar. É também surpreendente a conclusão de que cerca de 30% das pessoas inquiridas equacionam sair das redes sociais – simplesmente apagando os seus perfis digitais. Existem, procurando mitigar esse risco, diversos esforços a nível europeu e nacional que pretendem assegurar um espaço digital mais equilibrado e saudável. A União Europeia, com o seu Regulamento sobre os Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA), está a trilhar um caminho difícil, mas extremamente importante, na salvaguarda dos direitos dos cidadãos europeus nas plataformas online.  Se é certo que a regulação é uma parte importante da solução, será, contudo, através de uma melhor literacia mediática que encontraremos a ferramenta mais eficaz no longo prazo, por significar o conjunto de competências que permitirá aos cidadãos aceder à informação de forma prudente, privilegiando o desenvolvimento de pensamento crítico para analisar realidades complexas.   Nesse tema da literacia mediática, o EMIF tem vindo a apoiar projetos que vão desde a sensibilização e capacitação de estudantes e comunidade educativa, a formatos diferentes que permitem chegar a outros públicos, como os mais velhos, pois este é, efetivamente, um desafio de todos os cidadãos.  Essa vigilância cidadã requer que nunca deixemos de perguntar: «E se a próxima notícia também for falsa?».  E quando estivermos perante uma nova situação inesperada e nos confrontarmos com mais uma mensagem reencaminhada por WhatsApp, podemos socorrer-nos de uma fórmula em quatro passos: (1) Antes de partilhar, espere! Leia com atenção o que lhe foi enviado e tente identificar se o tom é muito sensacionalista ou emocional;  (2) Retire a informação essencial, a data e os dados-chave e procure essa informação noutras fontes – meios de comunicação social fidedignos que conheça – que confirmem ou neguem a informação; (3) Consulte alguns verificadores de factos que conheça – por norma os fact-checkers estão atentos a novas narrativas de desinformação;  (4) Se não é confirmado por nenhuma fonte fidedigna, e se parece demasiado bom (ou mau) para ser verdade, provavelmente é, e precisa de verificação. Não partilhe até essa verificação acontecer!  Este artigo foi publicado na edição nº 30 da revista Líder, cujo tema é ‘Enfrentar’. Subscreva a Revista Líder aquiO conteúdo O dia em que a verdade ficou sem luz aparece primeiro em Revista Líder.