Cinquenta anos depois da morte do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, assassinado nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, em 1975, o Estado brasileiro celebrou a assinatura de um acordo de indenização à família do jornalista e, mais uma vez, pediu desculpas publicamente pela violência perpetrada.Firmado pela Advocacia-Geral da União (AGU) no âmbito de um processo judicial contra a União iniciado há menos de cinco meses pela família do jornalista, o acordo foi celebrado em ato realizado nesta quinta-feira (26) na sede do Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo, com a presença do ministro da AGU, Jorge Messias, e do filho de Vlado, Ivo Herzog e do diretor do Instituto Vladimir Herzog (IVH),Rogério Sotilli.O acordo prevê o pagamento de cerca de R$ 3 milhões à família de Vladimir Herzog, a título de danos morais, e inclui os valores retroativos da reparação econômica em prestação mensal e continuada paga à viúva do jornalista, Clarice Herzog, em razão de liminar anteriormente concedida pela Justiça Federal.“Estamos falando de uma mudança muito profunda de um Estado algoz, que perpetrou violência de Estado, reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Judiciário brasileiro, e que está vindo aqui pedir desculpa por toda a barbaridade, por toda a violência que perpetrou, reconhecer direitos”, ressaltou o ministro Jorge Messias. “E aqui também tem a renovação de um compromisso ético-político de todos nós, de manter acesa a luta permanente pela democracia.” Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp! WhatsApp Representando a família Herzog, o filho Ivo agradeceu à AGU pela “mudança de paradigma” no tratamento de processos judiciais no país. “Quando minha mãe teve que depor na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ela foi constrangida pela AGU”, contou. “A AGU levava a defesa do Estado ao limite, não tinha uma opinião humana sobre o processo. O grande ponto do que está acontecendo aqui é uma nova AGU, digna, respeitosa, humana, democrática, pertencente àquele Estado democrático que meu pai sonhou e pelo qual minha mãe e tantos outros lutaram”, disse Ivo.A Comissão Interamericana de Direitos Humanos chegou a condenar o Estado brasileiro, em 2018, por não ter investigado, julgado e punido os responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog, definido como um crime de lesa-humanidade. A sentença determinou ainda que o processo penal fosse reiniciado.“O processo de busca de justiça e de verdade da nossa família começou 50 anos atrás, quando imediatamente minha mãe repeliu a versão sobre a morte do meu pai que o Estado tentava impor naquele momento”, contou Ivo. A versão oficial, à época, atribuiu a morte do jornalista a suicídio.Ele lembrou que Clarice Herzog sempre rejeitou a ideia de pedir reparação econômica. “Sempre foi uma questão de processo, de responsabilidade do Estado e de investigação dos crimes cometidos”, afirmou, sobre os 50 anos de luta da viúva por justiça. Questões de saúde de Clarice, porém, levaram a família a iniciar o processo judicial, na perspectiva de oferecer a ela melhores cuidados.Em nome da família, Ivo Herzog expressou gratidão à AGU e a toda a equipe que atuou no caso. “Tradicionalmente os processos são longos e demorados. A gente não tinha este tempo. E a AGU, de maneira muito humana, muito digna e muito respeitosa, fazendo seu papel de defender o Estado, rapidamente propôs à família um acordo justo e equilibrado”, comentou.Também presente ao ato, o ex-ministro da Justiça e ex-coordenador da Comissão da Verdade José Carlos Dias, que à epoca presidia a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, celebrou a atuação da AGU no caso. “É o Estado vindo conversar com a sociedade civil, e dizendo: “Eu reconheço que nós temos o dever de cumprir esta responsabilidade´. É o reconhecimento do Estado, pedindo perdão pela violência praticada contra aquele homem”, afirmou.Reconhecimento que, nas palavras do ministro Jorge Messias, “é a renovação do compromisso ético-político de toda uma geração com a democracia” no País. “O que estamos fazendo é reconhecer a responsabilidade do Estado. Reconhecer direitos, realizar justiça e oferecer ao povo brasileiro a possibilidade de retomar a confiança no Estado porque durante muito tempo o Estado, inclusive a partir de atos de violência física, fez com que o cidadão deixasse de confiar.”O acordo com a família Herzog foi construído pela Coordenação Regional de Negociação da 1ª Região, em conjunto com a Procuradoria Nacional da União de Negociação da AGU (PNNE/PGU/AGU). A base legal utilizada do pacto foi, além da Constituição Federal, a Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o regime do anistiado político. O acordo será enviado pela AGU à Justiça Federal para homologação.Sobre HerzogO jornalista Vladimir Herzog é um dos símbolos da luta por memória, verdade e justiça no Brasil. Sua morte, forjada como suicídio nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, levou milhares de pessoas à Catedral da Sé para um culto ecumênico de sétimo de dia, em 31 de outubro de 1975. A cerimônia é considerada um dos marcos do movimento pela redemocratização.Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por não ter investigado, julgado e punido os responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog, definido como um crime de lesa-humanidade. A sentença determinou ainda que o processo penal fosse reiniciado. Conhecido pelos amigos como Vlado, o jornalista teve passagens por O Estado de S. Paulo, TV Excelsior, Rádio BBC, Opinião e TV Cultura. Leia também Netanyahu promete que Irã pagará por ataque com mísseis contra hospital AGU assinará acordo para indenizar família de Vladimir Herzog