Temos um espaço muito menor para errar, diz Funchal sobre trajetória da dívida pública

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O Brasil enfrenta um cenário fiscal cada vez mais pressionado, com endividamento crescente e menos espaço para aumento de gastos sem impacto na economia. Para Bruno Funchal, CEO do Bradesco Asset e ex-secretário do Tesouro Nacional, o momento exige cautela, já que o país não tem mais margem para erros como no passado."Em 2016, a dívida estava em torno de 50% a 60% do PIB. Agora, só tem 'pele e osso'. Então, não acho que a situação [fiscal] esteja pior, mas temos muito menos espaço para errar", afirma em entrevista exclusiva à EXAME após um evento realizado em parceria com a Saint Paul, escola de negócios adquirida pela EXAME em dezembro.Ao comentar sobre o patamar de estresse dos juros futuros hoje ser parecido com o visto durante a crise de 2016, o economista afirma que as ações do governo são menos intervencionistas, mas que o nível de dívida pública é muito maior.Ele diz que a combinação de um arcabouço fiscal menos restritivo, ciclo eleitoral e medidas expansionistas pode ampliar os riscos da trajetória da dívida pública."O mercado está precificando um cenário de risco elevado, e parte desse estresse é justificável, porque a trajetória da dívida preocupa. Mas não vejo uma situação descontrolada como no impeachment da Dilma [Rousseff, ex-presidente], porque há menos intervenção direta na economia", diz.Hoje, Brasil tem uma dívida pública de 76,1% do PIB, valor superior em mais de 15 pontos percentuais do PIB em relação aos seus pares emergentes, com médias de 60%. A expectativa do mercado é que o valor vai crescer no curto prazo e pode passar da casa de 80%."Nosso desafio é estabilizar o crescimento da dívida, mas o ritmo atual ainda é de aceleração", diz.Além disso, o CEO do Bradesco Asset ressalta que o mercado precifica esse risco ao exigir juros mais altos para financiar o governo."Se o Tesouro precisa emitir títulos pagando prêmios elevados, a dívida cresce ainda mais rápido. O problema não é só o gasto elevado, mas a credibilidade fiscal que determina quanto o governo precisa pagar para se financiar", afirma.Sobre as soluções para esse cenário, Funchal diz que o novo arcabouço poderia funcionar melhor se fosse mais rígido e sem exceções."O problema é que o arcabouço permite crescimento real das despesas de 2,5% ao ano, além de gastos fora da regra, o que dificulta sua efetividade", afirma. "Se quisermos estabilizar a dívida, precisaríamos de um superávit primário entre 1,5% e 2% do PIB."Para Funchal, o maior desafio fiscal do Brasil está no crescimento automático das despesas. Além da valorização em termos reais do salário mínimo, ele cita Previdência, saúde e educação como despesas que crescem acima da média, comprimindo gastos discricionários."O modelo precisa ser revisto, pois essas regras foram definidas há décadas e engessam completamente o orçamento atual", diz.O ex-secretário também destaca que, historicamente, o Brasil nunca conseguiu reduzir gastos de forma consistente."O máximo que conseguimos foi estancar por alguns períodos, mas cortes estruturais nunca ocorreram", afirma.Cenários para a economia de 2025Funchal afirma que há dois cenários principais para a economia brasileira em 2025. O primeiro envolve inflação acima da meta, crescimento moderado e um governo adotando medidas para estimular a atividade econômica. O segundo, mais restritivo, prevê inflação dentro da meta, mas com desaquecimento econômico."O nosso cenário é inflação um pouco mais alta, 6% este ano, com algum crescimento e um fiscal expansionista. Isso inclui medidas como a liberação de crédito do FGTS, crédito imobiliário e isenções no Imposto de Renda", afirma.Para o economista, é improvável que o governo adote uma postura mais rígida às vésperas de uma eleição."É muito difícil o governo se aproximar da eleição e não fazer nada. Você tem instrumentos na mão. O correto, olhando para o longo prazo, seria não intervir, mas do ponto de vista político, isso não acontece", diz.Eleições e impacto no mercadoA proximidade das eleições de 2026 também adiciona incertezas ao cenário econômico. Segundo Funchal, o mercado já precifica um ambiente eleitoral mais volátil."O ciclo político é claro: qualquer governo acelera gastos em ano eleitoral, independentemente de ser de direita ou esquerda", afirma.O comportamento do governo em relação ao ajuste fiscal será determinante para a trajetória da taxa de juros. "O Banco Central precisa de um sinal mais forte de compromisso fiscal para antecipar cortes na Selic. Mas, estruturalmente, não vemos isso acontecendo em ciclos eleitorais", avalia.No mercado financeiro, o momento favorece estratégias conservadoras. "Hoje, a renda fixa é dominante. Pós-fixados e crédito de high grade são as melhores opções, além de fundos globais e de inflação curta", diz Funchal.O peso do cenário internacionalAlém das incertezas internas, o Brasil também está exposto ao cenário global. O ex-secretário analisa o impacto das eleições nos Estados Unidos e possíveis movimentos do Federal Reserve (Fed). "Esperamos um Fed com juros mais controlados, talvez em leve queda, o que seria positivo para o Brasil", observa.Para ele, a política comercial de Donald Trump, pode aumentar riscos para os mercados emergentes. "O maior problema seria uma escalada de retaliações comerciais. Hoje, vemos ações pontuais, mas um ambiente mais protecionista poderia ter impactos inflacionários", avalia.Para o economista, a recente valorização do real reflete, em parte, o interesse de investidores estrangeiros em ativos brasileiros."O Brasil ficou barato frente a outros emergentes, e isso atrai fluxo de capital", afirma. Entretanto, ele pondera que boa parte desse movimento é especulativo e de curto prazo.