O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), possíveis adversários nas eleições de 2026, anunciaram o edital de construção do túnel Santos-Guarujá, no litoral paulista, nesta quinta-feira, 27. O evento teve ainda gritos de “sem anistia” na plateia, coro em favor de Lula e alfinetadas de terceiros sobre a autoria do empreendimento e políticas de privatização de estatais.No centro do palco, Lula teve de um lado Tarcísio e de outro o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), cotado para a disputa ao governo do estado no próximo ano, e que foi citado como “quem desenhou esse projeto de engenharia”. Lula e Tarcísio trocaram cochichos ao longo de todo o evento. O republicano também interagiu mais de uma vez com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), e com o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos).Ao todo, cinco ministros estiveram presentes (Carlos Lupi, da Previdência; Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União; Márcio França, do Empreendedorismo, foram os demais), além dos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos) e da Assembleia Legislativa do Estado, André do Prado (PL).Nos discursos, a parceria entre o governo federal e estadual foi apontada como o retorno às relações republicanas no Brasil e a priorização do interesse coletivo sobre projetos individuais. Costa Filho, por exemplo, que é do mesmo partido de Tarcísio, disse que o edital era um recado do amor contra o ódio."Vocês tiveram a grandeza, neste momento, e mesmo com diferenças pontuais fizeram a construção de um entendimento em nome do estado de São Paulo e do Brasil. O povo brasileiro nunca precisou tanto de convergências", disse o ministro, acrescentando que Lula estará na B3 “batendo o martelo” junto com o governador.Rui Costa criticou mais diretamente a tentativa de golpe de Estado que teria sido liderada, de acordo com denúncia do Ministério Público, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)."Às vezes só valorizamos as coisas quando perdemos. Com todo esse processo que estamos acompanhando de tentativa de aniquilar, de encerrar a democracia do Brasil com tentativa de golpe, a gente se lembra de quando a democracia foi interrompida no nosso País e damos valor a ela".A plateia reagiu com gritos de “sem anistia”. O petista sorriu, enquanto Tarcísio manteve uma expressão neutra e coçou a orelha, demonstrando desconforto. Nesta semana, o governador paulista chamou a denúncia contra o padrinho político de “revanchismo” e disse que ela não fazia sentido.O projetoA travessia submersa será a primeira obra do tipo no Brasil e a maior da América Latina. Após impasse, o edital e a fiscalização da obra ficam a cargo do estado, enquanto os custos, de R$ 5,13 bilhões, serão divididos igualmente com o governo federal. A concessionária deve aportar ainda R$ 830 mil na obra e arcar com a manutenção.O leilão está previsto para 1º de agosto, dando prioridade a quem der o maior desconto sobre a contrapartida anual estimada em R$ 270 milhões. A empresa ou o consórcio que ganhar a licitação vai tocar a obra e operar o túnel por 30 anos, com autorização para cobrar pedágios a veículos leves e pesados. O valor ainda não está definido, mas deve custar pelo menos R$ 6,15 para carros e motos.O trecho de 1,5 quilômetros no total e 870 metros abaixo do canal ligará os bairros de Macuco, em Santos, a Vicente de Carvalho, no Guarujá. Serão três faixas de rolamento por sentido, sendo uma adaptável para receber o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Haverá ainda acesso a pedestres e ciclistas, com passagem livre de cobrança.Atualmente, quem precisa se deslocar entre as duas cidades demora cerca de uma hora, fora do horário de pico, para percorrer 45 quilômetros pela BR-101 ou 19 quilômetros pela Rodovia Cônego Domênico Rangoni, neste caso, com necessidade de pegar uma balsa para atravessar o estuário. O fluxo nas balsas é de 14 mil veículos por dia, em média, e picos de até 30 mil. O governo estima que o túnel reduzirá esse gasto para cerca de dois minutos.Além dos congestionamentos, a fila de espera das balsas e as condições climáticas influenciam no tempo gasto pelos motoristas, pedestres e ciclistas. A escolha do túnel submerso ocorre para evitar interferências no fluxo de cargas do Porto de Santos, cujos terminais de armazenamento e movimentação se encontram instalados ao longo do canal.Prometida há cem anos, esta é a maior obra do novo Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) do governo federal e exigiu meses de conversa entre Lula e Tarcísio, até que o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que o edital e o projeto do túnel seriam feitos pelo governo paulista, com fiscalização sob responsabilidade da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp).A origem do imbróglio é a denominação da obra. Quando proposta como contrapartida da privatização da Autoridade Portuária de Santos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ela era entendida como um acesso portuário, sujeito ao controle do Ministério de Portos e Aeroportos. Com a decisão do governo Lula de cancelar os planos de desestatização, o tribunal de contas passou a entender o empreendimento como uma rodovia intermunicipal.A obra demanda desapropriação de famílias nas duas cidades, a maioria do lado do Guarujá. Ao todo, 776 famílias devem deixar as suas moradias. Neste caso, prefeitura e governo estadual, por meio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), devem fazer obras de reurbanização para realojar essas pessoas.