Quando Eric Maxim Choupo-Moting empurrou a bola para o gol do Paris Saint-Germain em 8 de março de 2023, a ironia não passou despercebida pelos torcedores franceses.Choupo-Moting, um jogador relativamente comum mas abnegado, havia sido liberado de graça pelo PSG em 2020. E lá estava ele, marcando o segundo de três gols pelo Bayern de Munique que eliminaria Les Parisiens nas oitavas de final da Champions League. Seu companheiro Kingsley Coman, que também havia deixado o PSG sem custos, marcou o primeiro.O ataque do superclube francês com Lionel Messi, Neymar e Kylian Mbappé era, no papel, muito superior ao do adversário alemão. No entanto, em três horas e 13 minutos ao longo de duas partidas, o trio estrelado não conseguiu marcar um único gol. O time da Cidade Luz mais uma vez se apagou na competição que tentava desesperadamente vencer há anos.“A temporada para nós foi uma espécie de pesadelo. Queríamos nos apaixonar novamente pelo nosso clube, e que os jogadores respeitassem o escudo e a instituição”, diz o torcedor do PSG Raphaël Messina à CNN Sports. Leia Mais Saiba quem foi o único brasileiro campeão da Champions League como capitão PSG x Inter de Milão: diferença no valor dos elencos da final impressiona Marquinhos exalta "química incrível" do PSG em busca do título da Champions O clube francês e sua propriedade catari haviam se tornado tão conhecidos por seus grandes gastos e talentos superestrelados quanto por qualquer coisa que acontecesse em campo.“Acho que o dinheiro foi uma das primeiras condições para eles (os jogadores) virem e assinarem com o PSG, com certeza”, explica Messina.“É difícil culpá-los porque é assim que o presidente (do clube, Nasser Al-Khelaifi) ou outras pessoas ao redor deles vendem a experiência de estar em Paris e no PSG… É uma cidade incrível. Se você tem dinheiro, pode se divertir muito.”Essa diversão, infelizmente, não havia se estendido à maioria dos torcedores do clube. A única participação anterior do time em uma final da Champions League foi em 2020, com portões fechados devido à pandemia de Covid, quando perdeu por 1 a 0 para o Bayern de Munique.Mas, com Les Parisiens se preparando para enfrentar a Inter de Milão na final da Champions League neste sábado (31), é seguro dizer que eles estão se divertindo agora.Dedo de Luis Enrique na mudançaA salvação veio quatro meses após aquele momento difícil na Baviera na forma de um homem que, até então, era amplamente desprezado em Paris.Luis Enrique havia sido o treinador do Barcelona em 2017 quando o time catalão fez história na Champions League ao reverter um 4 a 0 e vencer o PSG por 6 a 5 no agregado, um dos maiores jogos – e uma das piores humilhações – na história da competição.“Tínhamos uma espécie de má lembrança deste homem”, admite o torcedor do PSG Hugo Coll em entrevista à CNN Sports.Mesmo assim, torcedores como Coll e Messina, membros do clube de torcedores do PSG em Londres, estavam dispostos a confiar em Enrique, desde que a direção do clube também o fizesse.“Ficamos felizes com o nome de peso, com Luis Enrique, mas realmente queríamos que o clube desse a ele poder total e tempo para fazer o que ele queria”, explica Coll, que havia visto quatro treinadores serem demitidos em pouco mais de cinco anos.Menos de seis semanas após sua nomeação, Enrique já estava imprimindo suas filosofias no clube. Com Messi e Sergio Ramos já tendo partido para o Inter Miami e Sevilla, respectivamente, Neymar foi vendido para o Al-Hilal da Arábia Saudita.Um ano depois, após uma temporada promissora na Champions League ter sido interrompida pelo Borussia Dortmund nas semifinais, a última superestrela do clube, Mbappé, partiu para se juntar ao Real Madrid.Luis Enrique insistiu que o time melhoraria na ausência do atacante francês. Muitos zombaram da sugestão de que perder o artilheiro da Ligue 1 nas últimas seis temporadas poderia melhorar o time. Mas alguns viram isso como um sinal de que o clube finalmente poderia alcançar alguma estabilidade.Kylian Mbappé deixou o PSG no meio de 2024 • Jean Catuffe/Getty Images“Assim que percebemos que ele estava se livrando dos Neymars, dos Messis, dos Mbappés – e houve algumas ações que ele fez, por exemplo, colocou Dembélé no banco após mau comportamento – nós pensamos: ‘Finalmente, há um treinador que pode fazer o que quer'”, diz Coll.O técnico Luis Enrique provou que estava certoOs 27 gols de Mbappé na liga na temporada passada foram substituídos por três jogadores que já estavam no clube – Dembélé, Bradley Barcola e Gonçalo Ramos, que marcaram 21, 14 e 10 gols, respectivamente.Somando a eles a mágica de Khvicha Kvaratskhelia e a agilidade de Désiré Doué, existe a sensação de que, pela primeira vez em muito tempo, o PSG não depende de um número muito pequeno de superestrelas que podem ter se sentido maiores que o clube.Na verdade, com uma das médias de idade mais baixas em toda a Champions, o Paris Saint-Germain nesta temporada se tornou um time conhecido por seu núcleo jovem, trabalhador e carismático de jogadores. Vitinha, Nuno Mendes, João Neves, Barcola e Doué têm recebido elogios.“A coisa que muda do passado é que (agora) eu penso em um time, não penso em um jogador. É um time que aprendemos a amar”, diz Coll.“É por isso que eu amo e nós amamos o PSG nesta temporada. Nos lembra um pouco… não do futebol antigo, mas, você sabe, um grande coletivo. Eles querem lutar pela camisa”, concorda Messina.Mudança de prioridades no PSGO elefante na sala com o PSG, é claro, é sua propriedade. O clube é controlado pela Qatar Sports Investments (QSI), um fundo de investimento apoiado pelo governo do Qatar.Nas últimas três décadas, o Qatar construiu sua visibilidade e perfil no Ocidente através de vários empreendimentos esportivos, incluindo a Copa do Mundo de 2022, o Qatar Tennis Open e a compra do PSG em 2011. Críticos condenaram as ações da QSI como nada mais do que uma tentativa de fazer “sportswashing” do histórico problemático de direitos humanos do país.Al-Khelaifi repetidamente rejeitou tais acusações e disse que a QSI opera simplesmente para lucrar com seus investimentos.“Somos um fundo de investimento. Compramos o clube por 70 milhões de euros. Desde então, recebemos ofertas na casa dos bilhões. Esta é a marca que construímos como um investimento real, nas equipes masculina e feminina. As pessoas criticam porque é um fundo soberano”, disse ele à BBC Sport em 2022.Nasser Al-Khelaifi durante apresentação de Messi no PSG • Aurelien Meunier – PSG/PSG via Getty Images“E quanto a outras formas de propriedade, a aquisição do esporte por private equity visa o bem social? E quanto aos clubes altamente alavancados por indivíduos privados, isso é bom? O Barcelona é um clube de propriedade dos torcedores com 1,5 bilhão de euros em dívidas, isso funciona?”Nesse sentido, apesar de não alcançar o objetivo declarado de Al-Khelaifi de vencer Champions em cinco temporadas após a aquisição, pode-se realmente dizer que o projeto da QSI com o PSG fracassou?“Eles definitivamente alcançaram seu objetivo de construir uma marca. O PSG de 15 anos atrás e o PSG atual são completamente diferentes. Acho que eles foram muito bem-sucedidos neste aspecto de marketing. Vejo pessoas na rua usando roupas do PSG e elas nem se importam com o clube, é apenas o que gostam de vestir. As pessoas conhecem o PSG em todo o mundo”, declarou Coll.“O aspecto esportivo de contratar Messi, por exemplo, acho que não foi o certo. Mas pensar que Messi jogou pelo PSG, isso te dá algo mais”, acrescenta.No entanto, existe a sensação de que esta fase do projeto chegou ao fim, que o PSG não vai ficar mais famoso. O que o clube precisa agora é ser querido, não apenas por torcedores como Coll e Messina que finalmente encontraram um grupo de jogadores com quem podem se identificar, mas por aqueles no cenário mais amplo do futebol.Uma maneira pela qual o clube começou a alcançar isso, segundo o especialista em futebol francês Jonathan Johnson, é finalmente começar a apoiar-se mais em seu contingente francês.“Certamente, para outras torcidas na França, eles estão um pouco mais simpáticos. Acho que o fato de o time estar começando a ser composto por um número bastante alto de talentos domésticos, algo que nem sempre foi o caso sob a propriedade do Qatar, é algo que ajuda um pouco sua popularidade dentro da França”, disse ele à CNN Sports.Com o futebol francês já em turbulência financeira e enfrentando outra potencial crise após as negociações sobre os direitos de TV da Ligue 1 fracassarem novamente em abril, até mesmo alguns torcedores do rival ferrenho do PSG, o Olympique de Marseille, começaram a apoiar Les Parisiens.“Obviamente, os torcedores do Marseille não vão se tornar torcedores do PSG da noite para o dia. Mas torcedores bastante proeminentes e de alto perfil do Marseille manifestaram seu apoio público, desejando ver o PSG ter sucesso (na Champions) pelo bem dos jovens (jogadores) e do futebol francês”, diz Johnson.Mas a admiração e o respeito dos torcedores de outros times franceses sempre será, no máximo, relutante. Como o clube pode melhorar sua imagem ao redor do mundo, onde os torcedores internacionais estão menos preocupados com rivalidades locais?Bem, a questão sobre o futebol, que talvez seja uma das razões pelas quais ele se mostrou tão atraente para nações que tentam exercer soft power, é que existe uma maneira garantida de melhorar sua reputação: vencer.Hora da verdadeVencer é tão importante, diz Johnson, que a imagem melhorada do PSG poderia estar sob ameaça caso perca em Munique.“É um momento crítico em termos dessas mudanças de atitude em relação ao PSG porque acredito que se o PSG conseguir ter sucesso, então essa mudança de percepção tem mais chances de permanecer do que se o PSG fracassar contra a Inter”, ele explica.Se o PSG vencer, no entanto, este jovem time entraria para a história como o primeiro a trazer a Champions para Paris, e apenas o segundo a trazê-la para a França, após o triunfo do Marseille em 1993.“Estou bastante confiante no time e me atrevo a sonhar que podemos ganhar este troféu. “Eu e Hugo, nós vimos muito, choramos muito, nos divertimos muito. E agora podemos potencialmente celebrar algo juntos”, diz Messina.Se o PSG fizer história e vencer a Inter, a transformação de estrelas mimadas para um coletivo admirável terá o desfecho que os proprietários do clube vêm sonhando, e provavelmente haverá ainda mais torcedores se juntando a Coll e Messina na próxima temporada.