A terceira edição da Leadership Summit Cabo Verde confirmou-se como um dos momentos altos do calendário nacional de reflexão sobre o presente e o futuro da liderança naquele país. Num tempo de desinformação viral, guerra cibernética e erosão institucional, a palavra-chave foi dita sem rodeios: confiança.Ao longo de várias intervenções — no palco do TechPark, mas também nas conversas nos bastidores — ficou claro que a confiança não é um conceito abstrato: é um ativo estratégico, que decide o destino de governos, empresas e comunidades.Liderança humanizada: escutar, aprender, agirLuís Leite, administrador executivo da Garantia Seguros, abriu o painel com uma defesa vibrante da liderança com propósito. Para o especialista, um líder confiável tem de reunir quatro qualidades essenciais:Gosto genuíno pelas pessoas; compromisso ético e sentido de justiça; capacidade de aprender e adaptar-se; propósito sustentável no centro das decisões.«Quando gostamos das pessoas, ouvimos, respeitamos, colocamo-nos no lugar delas. Isso é liderança humanizada. E é isso que constrói confiança — não é o ‘powerpoint’, é a atitude», afirmou, num tom direto e sem floreados.Cibersegurança: onde a liderança enfrenta o risco em estado puroBruno Castro, CEO da VisionWare, não fugiu ao tema quente: a maturidade da cibersegurança em Cabo Verde. «Essa é a pergunta de um milhão de dólares», disse, para depois traçar um diagnóstico pragmático: há caminho feito, mas ainda há um défice estrutural grave — na formação, na legislação, na resposta a incidentes.«A soberania digital do país depende disto. Precisamos de talento nacional, de instituições robustas e de uma cultura de ciberdefesa», frisou. No entanto, há sinais de esperança: a VisionWare opera há mais de 15 anos em Cabo Verde e fornece, a partir do TechPark, serviços de cibersegurança para o mundo.Com uma equipa de 40 pessoas, Bruno Castro explicou que a chave para a retenção de talento é simples: «Oferecemos aqui as mesmas condições que oferecemos em Portugal. Seguro de saúde, bom salário, respeito. E ninguém saiu.»Mas não se ficou pela apologia do talento. Lembrou que sem legislação eficaz e aplicação firme da lei, Cabo Verde pode tornar-se um canal para ataques globais. «É preciso ir atrás de quem executa cibercrime a partir do país. Isso ainda não acontece com força», alertou.Governança: entre a agilidade e a responsabilidadeJoão Safara, administrador do ISQ, trouxe para o debate a questão da governança organizacional, sublinhando que não há um modelo universal. «Uma startup não pode ter a mesma estrutura de uma empresa cotada em bolsa», disse. Mas o fio condutor é sempre o mesmo: confiança com accountability.«Um bom modelo de governance tem de ser leve, mas com responsabilidade. Transparente, mas adaptável. É isso que dá às organizações a liberdade de crescer com credibilidade», explicou.Ao mesmo tempo, alertou para os perigos da confiança cega. «Um líder narcisista, com capacidade de manipulação, pode corroer uma empresa por dentro. Já vimos isto em escândalos internacionais. A manipulação pode parecer liderança, mas é controlo puro.»Num país pequeno, com redes de influência densas, Safara foi claro: «O equilíbrio entre transparência, vigilância e confiança é uma questão de sobrevivência institucional.»Rentabilidade vs. sustentabilidade: a armadilha do lucro fácilCarlos Graça, sócio da BTOC Cabo Verde, virou o foco para a economia real. «Uma empresa com lucro pode estar à beira do colapso, se não tiver fluxo de caixa. É aí que morrem as startups. A ilusão do lucro mata mais do que o prejuízo.»A BTOC está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e lançou a iniciativa Empresa Excelência para premiar boas práticas e contrariar o discurso derrotista. «Ouvimos sempre que o problema é o crédito. Mas os financiadores dizem: temos dinheiro, queremos emprestar. Só precisamos de projetos bem estruturados.»Para Carlos Graça, o verdadeiro desafio está na cultura empresarial: planear com rigor, gerir com transparência e resistir à pressa do sucesso imediato.TechPark: hub digital ou sonho por concretizar?O evento decorreu no moderno Parque Tecnológico da Praia, palco simbólico de uma ambição nacional: fazer de Cabo Verde um hub digital africano, competitivo e seguro. Há talento, há empresas internacionais a operar a partir do arquipélago — mas também há fragilidades claras.Sem estabilidade jurídica, sem estruturas públicas eficazes e sem visão de longo prazo, o risco é transformar o TechPark num showroom sem motor.Com a moderação da jornalista Margarida Fontes, no final, uma ideia unificou todas as intervenções: não há liderança sem confiança. Mas essa confiança precisa de se traduzir em atos — no salário justo, na decisão ética, na proteção digital, na governança responsável.A Leadership Summit Cabo Verde não trouxe respostas prontas. Mas lançou perguntas urgentes, num país que quer ser moderno, seguro e competitivo — mas onde ainda falta estruturar o essencial.Porque, no digital como na política, sem confiança não há futuro.O conteúdo Leadership Summit Cabo Verde: confiança, liderança estratégica e o futuro digital em debate aparece primeiro em Revista Líder.