Em um cenário de juros altos e crescente complexidade no mercado de crédito brasileiro, Guilherme Legatê, gestor da Root Capital, e Marcelo Urbano, sócio-fundador da Vista Capital, discutiram os novos desafios da renda fixa no programa Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo. Os gestores apontaram para um ambiente cada vez mais sofisticado — e arriscado — em que empresas se alavancam sem freio, usam a contabilidade de forma questionável e apostam em estruturas como os FDICs (fundo de investimento em direitos creditórios) para driblar os canais tradicionais de financiamento.“O empresário brasileiro, quando sobra dinheiro, em vez de reduzir dívida, abre uma nova planta”, resume Urbano, destacando a mentalidade agressiva de reinvestimento entre muitos emissores. O excesso de Capex, mesmo em empresas já endividadas, tem levado gestores a exigir covenants mais rígidos. “Você precisa amarrar a operação do jeito que você quer. Se não travar a alavancagem, o combinado de desalavancar nunca se cumpre”, alerta Legatê.Leia mais: Microsoft (MSFT34): a gigante tech imune à volatidade americana, segundo a GenoaE também: Genoa: Inteligência artificial muda mercado e força gestores a reverem estratégiasContabilidade turvaEntre os principais pontos de atenção citados pelos especialistas está o uso criativo da contabilidade, especialmente após a adoção do IFRS 16. A norma exige que contratos de arrendamento sejam reconhecidos como dívida, o que altera a forma de calcular o Ebitda — inflando os lucros operacionais sem alterar o caixa real da empresa.“O Ebitda de uma empresa com muitas lojas subia de 20% para 30% do dia para a noite, sem mudar um real no fluxo de caixa”, critica Urbano. Segundo ele, esse descompasso gera uma falsa percepção de alavancagem menor, mascarando riscos relevantes. Além disso, práticas como a ativação de despesas de desenvolvimento em empresas de tecnologia contribuem para balanços “embelezados”. “O cara joga milhões em desenvolvimento e ativa tudo como se fosse um ativo. Aí vira um balanço bonito, mas sem lastro real”, diz Legatê.FDICs despertam preocupações Outro ponto central do debate foi a explosão dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs). Considerado um dos principais veículos de desintermediação bancária, esse instrumento tem ganhado força em meio à retração do crédito tradicional. Contudo, os gestores alertam para riscos ocultos.“Fazer FDIC bem feito é difícil para caramba”, afirma Legatê. “Tem casa nova fazendo dezenas de FDICs com estrutura mínima. Quem garante que estão acompanhando direito?” A governança, mesmo após avanços como a Resolução CVM 175, ainda é um calcanhar de Aquiles, sobretudo em estruturas onde a liquidez é praticamente nula. “Você tem fundo D+30 com 50% em FDIC? Isso é perigoso”, reforça Urbano. “Se houver uma onda de resgates, o fundo não consegue vender os ativos. E como não é marcado a mercado, dá uma falsa sensação de estabilidade”, diz.Cautela e transparênciaApesar dos riscos, Legatê e Urbano concordam que os FDICs são ferramentas valiosas quando bem utilizados. A chave está em elevar o padrão de análise e transparência, principalmente em um mercado onde a sofisticação vem acompanhada de incertezas. “Em 2020, cotas sênior pagavam CDI+3%, enquanto o mercado de crédito pagava CDI+3,5. Não fazia sentido. A marcação precisa melhorar”, critica Legatê.O recado final é direto: o investidor precisa ir além do Excel e adotar uma postura crítica diante de balanços arrumados demais, estruturas mal construídas e empresas que priorizam crescimento a qualquer custo. “A sofisticação do mercado exige maturidade à altura”, resume Urbano.The post Quando sobra dinheiro, empresa em vez de reduzir dívida, abre nova planta, diz gestor appeared first on InfoMoney.