O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta segunda-feira a fase de interrogatórios dos réus após concluir, na semana passada, as audiências com 52 testemunhas de acusação e defesas. A avaliação entre integrantes da Corte é que os depoimentos reforçaram o teor da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e ajudaram a jogar luz em detalhes do processo. Para esses magistrados, de forma global, as testemunhas levadas pelas defesas não levaram novos elementos.A “maratona” de depoimentos de testemunhas de defesa e de acusação contou, entre outras, com relatos dos ex-comandantes das Forças Armadas — vistos na Corte os mais contundentes —, a defesa de Jair Bolsonaro (PL) feita pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e debates acalorados, como o protagonizado pelo ex-ministro Aldo Rebelo.Leia tambémBolsonaro e Moraes ficam frente a frente pela primeira vez na trama golpistaEtapa de interrogatórios de réus tem início nesta segunda-feira; ex-presidente afirma que não vai ‘lacrar’ durante depoimentoNa primeira semana da maratona de audiências, foram ouvidos os ex-comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior. Ao confirmar reuniões no Palácio do Alvorada e discussões sobre a instauração de Estado de Sítio, de Defesa ou GLO no país após as eleições de 2022, o militar disse ter sido chamado pelo ex-presidente para discutir o documento, que chamou de “estudo”.No depoimento, Freire Gomes disse que os instrumentos estão previstos na Constituição e que, por isso, não lhe causou “espécie”. A versão apresentada foi questionada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, que considerou que a fala estava diferente do que o militar havia dito à Polícia Federal (PF) no ano passado. No fim da audiência, o ministro leu trechos do depoimento, que foram confirmados por Freire Gomes. Como mostrou O Globo, o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica foi visto como “esclarecedor” e “preciso” por ministros da Corte. Entre as declarações de Baptista Junior estão a confirmação de que presenciou o então comandante do Exército ameaçar o ex-presidente de prisão após uma reunião em 2022. A ordem de prisão foi negada por Freire Gomes na segunda-feira, quando o ex-chefe do Exército depôs ao STF na ação que trata sobre a trama golpista.— O general Freire Gomes é uma pessoa polida, educada. Logicamente, ele não falou essa parte com agressividade com o presidente da República, ele não faria isso. Mas é isso que ele falou. Com muita tranquilidade, com muita calma, mas colocou exatamente isso: “se o senhor tiver que fazer isso, vou acabar lhe prendendo” — disse Baptista Junior aos ministros do STF.Baptista Junior também afirmou ao STF que o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, colocou as tropas da força “à disposição” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).— Em uma dessas reuniões, eu tenho uma visão muito passiva do almirante. Eu lembro que o ministro Paulo Sérgio e eu conversávamos mais, debatíamos mais, tentávamos demover mais o presidente. Em uma dessas reuniões, chegou o ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente Bolsonaro — relatou, se referindo a uma reunião da qual teria participado.Uma das testemunhas indicadas pela defesa de Bolsonaro foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que corroborou com a principal linha de argumentação dos advogados e afirmou, por exemplo, que o ex-presidente “jamais mencionou qualquer tentativa” de golpe.— Nesse período que eu estive presente com o presidente nessa reta final, novembro, dezembro, nas visitas que eu fiz, de várias conversas, [Bolsonaro] jamais tocou nesse assunto, jamais mencionou qualquer tentativa de ruptura. Encontrei o presidente, que estava triste, resignado — afirmou.Tarcísio e Bolsonaro tiveram dois encontros após as eleições presidenciais de 2022, nas quais Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, um em novembro e outro em dezembro. É justamente neste período que o ex-presidente é acusado de planejar e liderar uma tentativa de golpe para impedir a posse do petista.Além de negar “qualquer tentativa de ruptura”, Tarcísio saiu em defesa do governo do antigo presidente. Afirmou que a administração do ex-presidente passou por “cinco grandes crises” e mesmo assim foi um governo de “muitas reformas”.— Foi um período, de 2019 a 2022, de muitas reformas, de enfrentamento de situações difíceis. O governo enfrentou pelo menos cinco graves crises, começando com a tragédia de Brumadinho, passando pela crise da Covid, uma grave crise hídrica, guerra da Ucrânia e todas elas procurando se sair da melhor maneira possível. Um país que terminou com superávit, um país que terminou gerando emprego, crescendo — disse.Momento de tensãoO episódio de maior tensão na série de audiências envolveu uma bronca dada pelo ministro Alexandre de Moraes no ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo. Em um determinado momento, Moraes afirmou que ele seria preso por desacato “se não se comportasse”. Rebelo foi indicado como testemunha de defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, um dos réus na ação penal que analisa uma suposta tentativa de golpe de Estado.A discussão começou quando Rebelo analisava uma possível fala de Garnier, que teria colocado suas tropas “à disposição” do ex-presidente Jair Bolsonaro. O ex-ministro afirmou que a língua portuguesa admite forças de expressão e que a fala não deveria ser tomada de forma literal.— É preciso levar em conta que, na língua portuguesa, nós conhecemos aquilo que se usa muitas vezes, que é a força da expressão. A força da expressão nunca pode ser tomada literalmente — afirmou, acrescentando: — Então, quando alguém diz “estou à disposição”, a expressão não deve ser lida literalmente.Moraes interrompeu e afirmou que, como ele não estava na reunião, não teria “condições de avaliar a língua portuguesa”.— O senhor estava na reunião quando o almirante Garnier falou essa expressão? Então, o senhor não tem condições de avaliar a língua portuguesa naquele momento. Atenha-se aos fatos.Quando recebeu novamente a palavra, Rebelo respondeu que não admitiria “censura”:— Em primeiro lugar, a minha apreciação da língua portuguesa é minha e eu não admito censura na minha apreciação sobre a língua portuguesa — respondeu Rebelo.O ministro do STF, então, citou a possibilidade de prisão. Rebelo afirmou que estava se “comportando” e Moraes insistiu:— Então, o senhor se comporte e responda à pergunta.Nova faseO fim dos depoimentos das testemunhas marca uma nova fase do processo da trama golpista. Agora, há expectativa pelo fato de Moraes ficar cara a cara com Bolsonaro durante a sessão. O delator da trama golpista, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, deve ficar sentado ao lado do ex-mandatário, já que os réus ficarão dispostos em ordem alfabética. O interrogatório será transmitido por Bolsonaro, em suas redes sociais. Na última semana, ele pediu para que apoiadores acompanhassem o depoimento ao vivo. É possível que os depoimentos se estendam em outras sessões durante a semana. Os depoentes poderão permanecer em silêncio. Na semana passada, Moraes rejeitou um pedido da defesa do ex-ministro Walter Braga Netto para adiar os interrogatórios. Moraes considerou que não há “justificativa legal” nem “razoabilidade” no pedido de Braga Netto para que os interrogatórios só ocorram após o depoimento das testemunhas de outros núcleos da investigação. Bolsonaro também apresentou ao STF um pedido de adiamento dos interrogatórios, com argumentos semelhantes aos de Braga Netto. Por outro lado, Moraes concordou em parte com um pedido dos advogados do ex-ministro e determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) informe se houve andamento em um procedimento administrativo aberto para acompanhar o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Caso tenha ocorrido movimentação, a íntegra do procedimento deve ser anexada na ação penal.Durante um evento do PL Mulher na última sexta-feira, em Brasília, Bolsonaro disse que não irá “lacrar” no depoimento.— Não vou lá para lacrar, para querer crescer, para querer desafiar quem quer que seja. Estarei lá com a verdade ao nosso lado. Não fugimos de qualquer chamamento, sabemos o que falar e temos uma coisa ao nosso lado, que o outro lado não tem. Temos a verdade do nosso lado — disse. The post Reuniões no Alvorada e minuta golpista: depoimentos das testemunhas na ação no STF appeared first on InfoMoney.