Para os investidores da Tesla, o envolvimento de Elon Musk com Donald Trump foi um desastre em duas fases — uma em câmera lenta, e a outra num avanço vertiginoso. Durante os 130 dias em que Musk esteve à frente do DOGE (um programa do governo Trump), uma cruzada cuja agressividade obstinada praticamente definiu o espírito da administração nos primeiros meses, o chefe da Tesla enfureceu clientes europeus ao apoiar políticos de extrema-direita. Com isso, as vendas caíram em países como Alemanha e França, enquanto a forte concorrência na China reduziu sua participação de mercado. Musk, em vez de lidar com os crescentes problemas da Tesla, intensificou sua ausência, dedicando-se a demitir departamentos e reduzir pessoal diretamente da Casa Branca. Nesse meio-tempo, as ações e os lucros da Tesla despencaram.Por pior que tenha sido esse episódio para a Tesla, ele ao menos oferecia uma possível vantagem. “Mesmo antes do DOGE, Musk já estava envolvido demais com muitos projetos — SpaceX, Neuralink, X e outras iniciativas. Depois, ele ainda resolveu mergulhar em mais um,” diz Eric Talley, professor de direito e negócios na Universidade Columbia. “Mas estar na Casa Branca era também uma espécie de apólice de seguro para a Tesla… estar próximo do centro das decisões era uma vantagem potencial enorme.”Leia tambémTrump rejeita reatar com Musk e consequências de ‘guerra’ preocupam republicanosAutoridades do governo disseram que Trump demonstrou pouco interesse em falar com Musk, mesmo depois de o bilionário sinalizar que estaria aberto a acalmar a discussãoAgora, diz Talley, Musk transformou sozinho essa “apólice de seguro” em uma responsabilidade — a ameaça de que o governo possa penalizar a Tesla, ou no melhor cenário, simplesmente ignorá-la. Quando Musk deixou o DOGE em 30 de maio, com toda a pompa da despedida no Salão Oval, os acionistas da Tesla ainda tinham pouco o que comemorar, já que o CEO não estava abandonando suas inúmeras responsabilidades para se concentrar novamente no fabricante em dificuldades. Depois, veio a explosão da briga entre Musk e Trump, em 5 de junho, desencadeada pela crítica feroz de Musk ao principal projeto orçamentário do presidente. Isso colocou a Tesla, da noite para o dia, em uma situação de risco — não apenas por suas finanças debilitadas, mas também pela série de insultos direcionados ao seu antigo aliado político, que podem provocar retaliações de Trump e ameaçam a permanência de Musk como líder, peça-chave na valoração bilionária da empresa.“O que mudou nas últimas 24 horas,” diz Talley, “é que Musk não apenas abriu mão da apólice de seguro de ser um CEO próximo ao governo. Ele contratou uma antiapólice. Qualquer momento pode explodir em escândalo nas redes sociais, colocando a Tesla na linha de fogo.” Ele observa que os concorrentes da Tesla enfrentam os mesmos obstáculos — como o fim dos subsídios a veículos elétricos propostos no chamado “Grande Projeto Magnífico” —, mas que o desgaste por provocar o presidente “é um alvo que os concorrentes não têm.”De fato, no dia em que tudo explodiu, as ações da Tesla despencaram 14,3%, eliminando US$ 153 bilhões em valor de mercado — a maior perda em um único dia na história da empresa. Embora no dia seguinte tenha recuperado cerca de um terço das perdas, o papel ainda está 40% abaixo do pico alcançado em meados de dezembro.O comportamento escandaloso de Musk normalmente o tiraria do cargo de CEOCharles Elson, diretor fundador do Centro de Governança Corporativa Weinberg, da Universidade de Delaware, e um dos maiores especialistas em regras e ética de conselhos administrativos, disse à Fortune que, em qualquer outra empresa aberta, Musk já teria sido demitido — e isso teria ocorrido bem antes dessa nova tempestade. “Se ele se chamasse Joe da Silva, já teria sido mandado embora em um piscar de olhos,” afirma Elson. “O dano reputacional que ele causou ao afastar tantos clientes por entrar na política com o DOGE é enorme. Foi um desastre. Nenhum outro conselho teria deixado um CEO se envolver desse jeito. Não há tempo para ser CEO assim!”O que mantém Musk no cargo é seu controle de ferro sobre o conselho, afirma Elson. Ele aponta que Musk detém 30% das ações e que sua influência vai além disso, devido à lealdade conquistada, em parte, por meio da concessão de opções generosas que tornaram vários diretores muito ricos. Elson avalia que seria extremamente difícil para acionistas insatisfeitos vencerem ações judiciais contra os diretores que poderiam tentar forçar a saída de Musk. “O caminho para ganhar esse tipo de ação contra conselheiros é tortuoso e cheio de obstáculos,” diz. “A reincorporação da Tesla do estado de Delaware para o Texas tornou tudo ainda mais difícil. Foi uma corrida para o fundo do poço — e eles chegaram lá.” Para Elson, Musk não pode ser forçado a sair — e não sairá, a menos que queira. “E não há nada que ninguém possa fazer a respeito.”Ainda assim, a participação acionária de Musk, que é a fonte de seu poder, e sua ligação com a Tesla no futuro, estão sendo testadas por decisões históricas nos tribunais de Delaware. No ano passado, decisões judiciais anularam o pacote de ações de US$ 56 bilhões concedido a Musk pelo conselho em 2018, que representa dois terços de sua participação. A Tesla agora recorre para tentar restabelecer essa compensação. Se a Suprema Corte de Delaware mantiver a anulação, a Tesla certamente buscará reintegrar esse pagamento — mas essa via agora traz riscos muito maiores.Segundo Talley, o conselho, sob a lei do Texas, poderia tentar restaurar o pacote unilateralmente ou submetê-lo a uma votação dos acionistas. Ele acredita que essa última opção agora parece mais atraente para os diretores, considerando a possível reação negativa por premiar Musk de forma tão generosa enquanto a Tesla enfrenta dificuldades — em grande parte causadas por suas próprias ações. “Talvez o conselho prefira contar com uma rejeição,” acrescenta. Uma negativa abriria outro cenário preocupante: “Se houver uma votação e ela for contra, você tem um problema de sucessão. E você não quer que um CEO se vingue da empresa,” algo que a personalidade imprevisível de Musk poderia motivar. Também não está claro como Musk reagirá se a Suprema Corte de Delaware decidir contra ele — o resultado seria o mesmo: ele passaria a deter uma parte muito menor da Tesla, e sua motivação para reconstruir a principal fonte de sua fortuna diminuiria consideravelmente.Apesar da queda, a Tesla ainda se apoia fortemente na “mágica” de MuskA Tesla mantém um valuation gigantesco graças ao status icônico de Musk e às promessas de que entregará uma tecnologia de direção autônoma que transformará a empresa de fabricante de automóveis em uma gigante de tecnologia altamente lucrativa. Como escrevi após os resultados do primeiro trimestre, a Tesla na verdade perdeu dinheiro vendendo carros e baterias, e só conseguiu lucro com a venda de créditos regulatórios. Seus lucros “reais”, provenientes das operações principais de carros e baterias nos últimos quatro trimestres, somaram apenas US$ 3,5 bilhões — contra US$ 12 bilhões em 2022. Com um P/L de 30, três vezes a média do setor automotivo, a Tesla valeria, com base nos fundamentos, cerca de US$ 100 bilhões. Mas, mesmo após a queda recente, seu valor de mercado é de US$ 960 bilhões. Assim, mais de US$ 800 bilhões são fruto do que chamo de “prêmio da mágica de Musk” — gerado por suas promessas de inovações épicas.Se Musk saísse, boa parte dessa mágica também desapareceria. E talvez já esteja desaparecendo. Para os acionistas da Tesla, a situação é ruim de qualquer forma. Se Musk sai e um novo líder assume, o “halo” do gênio não protege mais as ações. Se ele fica, continua arrumando brigas que mancham a marca e divide seu tempo entre meia dúzia de empreitadas que ele pode achar mais emocionantes. Como diz Elson: “Qualquer outro teria sido demitido depois disso, mas ele acha que não pode ser. Ele tem essa aura que o faz se sentir intocável. É um status de culto que parece protegê-lo e faz as pessoas acharem normal ele não agir de forma convencional.” Mas Elson alerta: à medida que o comportamento de Musk se torna cada vez mais escandaloso, o peso que ele impõe à Tesla — agora e no que os investidores já percebem como um futuro inevitável — está se tornando insustentável. Acabamos de ver um exemplo chocante de quão rápido isso pode acontecer — e de como o mito pode se desfazer em um instante.Essa reportagem foi publicada originalmente em Fortune.com2025 Fortune Media IP LimitedThe post O que a briga de Elon Musk e Donald Trump significa para a Tesla? appeared first on InfoMoney.