“A gente está sendo ameaçado: eu vou atrás de você e vou te achar. Como a gente vai sair para moradia, estão pedindo para a gente dar uma quantidade de dinheiro, R$ 100 mil, R$ 70 mil”, afirmou uma moradora da Favela do Moinho em relato que é objeto de um inquérito da Polícia Civil de São Paulo.Como mostrou o Metrópoles, integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), inclusive emissários de uma liderança da facção, têm cobrado parte do valor dos apartamentos entregues às famílias da favela pela Companhia de Desenvolvimento Educacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Leia também São Paulo Chefão do tráfico no Moinho quer transferência de presídio do PCC São Paulo Lula diz que ainda não cedeu Moinho porque PM pode “enxotar” moradores São Paulo Lula critica ausência de Tarcísio e ação policial na Favela do Moinho São Paulo Tarcísio cutuca Lula sobre Moinho: “Nosso objetivo não é fazer evento” Os traficantes e donos de diversos imóveis na região têm alegado aos seus inquilinos, que pagam até R$ 700 de aluguel, que suas saídas para a habitação social vão dar azo à descaracterização, pelo governo do estado, das casas onde moram.Por isso, estão ameaçando moradores para que paguem uma “multa” ou vendam, após alguns anos, seus apartamentos, e dividam o valor com os criminosos. Entre os donos dos imóveis, está a principal liderança do PCC na região, Leonardo Moja, conhecido como Leo do Moinho, preso em 2024.“Eu vou te achar”O Metrópoles identificou pelo menos quatro famílias vítimas das extorsões e ameaças. Quem concordou em conversar com a reportagem pediu para não ser identificado pelo medo de represálias. Alguns apenas confirmaram que estão sendo perseguidos, sem entrar em detalhes. “Já saí de lá e não quero problemas para mim. São muitas famílias, a gente com medo de falar”, diz um ex-morador que confirmou ter sido coagido.A reportagem também obteve acesso ao relato de uma ex-moradora do Moinho que chegou à Polícia Civil de São Paulo. Ela diz estar sendo perseguida pelos responsáveis pela cobrança de aluguéis.“A gente está sendo ameaçado: eu vou atrás de você e vou te achar. Isso não é só comigo, é com várias pessoas. Como a gente vai sair para moradia, estão pedindo para a gente dar uma quantidade de dinheiro, R$ 100 mil, R$ 70 mil. Muitas mães estão com medo. É a situação de não dormir à noite”, diz uma moradora.O caso virou inquérito na Polícia Civil e também chegou ao conhecimento do Grupo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que já ofereceu seis denúncias por tráfico e organização criminosa contra líderes e outros integrantes do PCC na favela do Moinho.Debandada na calada da noiteO Metrópoles apurou com fontes na favela do Moinho que emissários dos traficantes têm tirado fotos de cada casa que tem sido descaracterizada para a mudança do inquilino a um apartamento da CDHU.Em meio ao clima de medo do monitoramento, moradores têm inclusive recusado auxílio gratuito do governo para fazer suas mudanças de móveis para as habitações sociais e custeado o transporte com recursos próprios. Há quem tenha deixado suas casas do dia para a noite.Das 405 famílias que deixaram a região, 222 recusaram a mudança oferecida pela CDHU.Líder do PCC e acusado de homicídioEntre os donos de dezenas de imóveis na favela do Moinho, está Leonardo Moja, apontado como liderança da facção. Moradores têm sido ameaçados por intermediários do traficante. Outro homem acusado de matar um desafeto com seis tiros no Rio de Janeiro é dono de uma dezena de casas.O traficante mantém interlocutores e outros parentes na região. O Ministério Público de São Paulo afirma que a família de Leo Moja – que tem outros irmãos acusados de integrar o PCC – “se aproveitou da desorganização e ausência do estado” para cometer crimes e incitar “movimentos dentro da comunidade de subversão contra as ações policiais”.Leo do Moinho acumula penas de 8 anos e 7 meses por integrar o PCC e participar do tráfico de drogas na região, além de 16 anos e 9 meses por participação na morte de um usuário de drogas, que foi esfaqueado, desovado e queimado na favela do centro da capital. Neste caso, duas testemunhas do júri foram assassinadas a tiros em meio ao andamento do processo.Ele também foi denunciado no âmbito da Operação Salut et Dignitas, deflagrada pelo Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), em agosto de 2024, quando ele estava em liberdade condicional e voltou a ser preso.Controle do tráfico e monitoramento da políciaO MPSP afirma que Leo do Moinho coordena um quartel-general (QG) na favela do Moinho, de onde controla o tráfico na Cracolândia e inclusive monitorava sistemas de comunicação da polícia com a ajuda de uma milícia formada por guardas civis metropolitanos (GCMs).A investigação ainda revelou a atuação da facção em desmanches no centro de São Paulo. Um desses investigados, braço de Leo do Moinho, foi identificado pelo Metrópoles como um elo entre o PCC e a Máfia Chinesa na região central, em uma série de reportagens.Disputa políticaO governo federal anunciou em maio o financiamento conjunto com o governo do estado de São Paulo, um programa de moradias gratuitas para moradores da Favela do Moinho.O acordo entre as duas gestões prevê a destinação de R$ 180 mil por família em subsídio. O montante virá do governo federal para a compra das casas. Ao todo, serão investidos R$ 180 milhões: R$ 162 milhões por parte do governo federal e R$ 18 milhões pelo estado.Disputa políticaMesmo com a parceria para transferir as famílias à habitação social, os governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) têm travado uma disputa política em torno da questão da favela do Moinho.Quando visitou a região, Lula criticou a ausência do governador, que estava em outro evento de entrega de habitações sociais. “O governador foi convidado para vir aqui, se ele não veio porque tinha um compromisso em São Bernardo, ele foi convidado, porque todo lugar que eu vou eu convido o governador. Eu só quero que vocês saibam que agora vocês estão sob cuidados do governo federal”, cutucou Lula.No ABC, Tarcísio já havia alfinetado Lula. Embora o governador de São Paulo tenha dito que a parceria com o governo federal é bem-vinda, ressaltou que a União se preocupou com a precariedade habitacional dos moradores da Favela do Moinho, após o governo paulista atuar no local.“A gente não tem que pensar em protagonismo, a gente tem que pensar em resolver o problema. A gente fez o que ninguém teve coragem de fazer, entrar no Moinho e resolver a equação lá que não é só habitacional. É uma equação que envolve habitação mais assistência”, disse Tarcísio.