A primeira declaração de líderes do Brics, em 2009, era um documento de 16 parágrafos e 977 palavras. Ali estava o essencial: defesa de uma nova ordem multipolar, mais representatividade às nações emergentes, combate ao protecionismo comercial, apoio à incipiente transição energética.Dezesseis reuniões depois, o comunicado final de líderes no Rio é um mastodonte prolixo e sem foco. São 126 parágrafos e 17.624 palavras que falam sobre praticamente tudo: terrorismo na Caxemira, comércio de diamantes, cooperação acadêmica. Até um fórum de jovens cientistas entrou na lista de assuntos. Leia Mais Brics pede renegociação de dívidas de países pobres dentro do G20 FMI, Banco Mundial: Brics pedem reforma urgente do legado de Bretton Woods Confiança na OMC exige equilíbrio justo, diz Lula durante Cúpula do Brics O Brics vive hoje a tragédia dos comuns: o livre acesso e a demanda irrestrita (um paragrafozinho a mais todos os anos) de um recurso finito condena estruturalmente o objeto (a declaração em si) e provoca seu esgotamento. Quantos mais temas, menos força.O que quer o Brics? Pelo que exatamente luta? O que realmente importa para o grupo? São questões cada vez mais difíceis de responder.É uma pena e é uma contradição. Justo no momento histórico em que o Brics ultrapassa o G7 em participação do PIB global.Desde a criação do grupo e contando apenas seus cinco primeiros países-membros, o que era uma derrota nessa competição por relevância econômica (Brics 26% x 34% G7) virou uma apertada vitória quando se mede a riqueza pela paridade do poder de compra (32% x 30%).Críticos dirão que o Brics nunca passou de um acrônimo sem coerência inventado pelo economista Jim O’Neill e transformou-se em um bloco antiocidental e autoritário. Nada disso é o ponto.Brasil, África do Sul, Índia e Indonésia são democracias vibrantes — apesar de todas as falhas — e que valorizam o diálogo fluido com o Ocidente ampliado.No Brics, Lula diz que comércio está ameaçado e soberania global em xeque | AGORA CNNE a ideia do Brics era justamente permitir que estrelas ascendentes da economia mundial — algumas das quais nunca entraram em voo de cruzeiro — tivessem mais coordenação e efetividade na defesa de suas bandeiras. Não deixar que o futuro seja rotulado ou resumido por um economista do Goldman Sachs.Participar ativamente do Brics permite ao Brasil fortalecer sua autonomia estratégica, diversificar parceiros e moldar novas arquiteturas globais de poder. Reforça nossa posição histórica de autonomia e pluralidade de alianças. Proporciona uma plataforma de cooperação Sul-Sul e interlocução privilegiada na busca por acesso a mercados na Ásia.O ponto não é “se” o Brics faz sentido para o Brasil, mas “como” tem se comportado e para onde ruma com a ampliação desorganizada de países.Na semana em que a revista britânica The Economist questionou a influência de Lula no exterior e o retratou como hostil ao Ocidente, a declaração de uma cúpula no Brasil quase acabou em impasse provocado pelo Irã.A defesa de uma reforma da ONU ficou a ponto de melar por causa do Egito e da Etiópia. A Rússia usa o grupo para condenar ataques contra seus civis enquanto sequestra crianças ucranianas. O Irã — de novo o Irã — assina uma declaração que repudia o financiamento ao terrorismo sendo o patrocinador-mor do Hamas e do Hezbollah.O Brics, cheio de contradições internas, terá dissensos cada vez mais problemáticos com a sua expansão. Falta foco. Menos é mais. Que se volte aos 16 parágrafos.Saiba como Trump tomou a decisão de atacar as instalações do Irã