Um artigo publicado no periódico científico Monthly Notices of Royal Astronomical Society relata algo raro descoberto por astrônomos na Via Láctea. A equipe, liderada pelo PhD em astrofísica Zenghua Zhang, professor da Universidade de Nanquim, na China, procurava por anãs marrons na galáxia, quando se deparou com um sistema estelar fora dos padrões.Anãs marrons são objetos celestes subestelares com massa entre planetas gigantes gasosos e estrelas, incapazes de sustentar a fusão nuclear do hidrogênio comum em seus núcleos, o que as impede de brilhar intensamente como estrelas. Inicialmente, a equipe pensou ter encontrado uma anã marrom orbitando uma estrela brilhante. Mais tarde, os cientistas perceberam que essa anã marrom era, na verdade, uma dupla. Pouco depois, descobriram que a estrela brilhante que a acompanhava também era um par. O resultado foi um sistema estelar quádruplo, que foi batizado de UPM J1040–3551 AB, ao qual o coautor Adam Burgasser, da Universidade da Califórnia, nos EUA, se referiu como “duplo-duplo” ao jornal The New York Times.Sistema estelar quádruplo UPM J1040–3551 AB observado pelo Telescópio de Levantamento Visível e Infravermelho para Astronomia (VISTA). Crédito: Zhang et al. 2025. MNRASSistema duplo-duplo é laboratório natural para estudo das anãs marronsDe acordo com o estudo, o sistema é composto por duas anãs marrons que orbitam em conjunto duas estrelas mais brilhantes que também giram uma em torno da outra. Essa configuração fornece um laboratório natural para os cientistas estudarem as propriedades das anãs marrons.Com atmosferas parecidas com as de planetas gigantes gasosos como Júpiter e Saturno, as anãs marrons são frias e pouco luminosas. Por isso, são geralmente estudadas quando orbitam estrelas mais brilhantes, que servem como referência para estimar idade, temperatura e composição dos corpos menores. Esse método ajuda a compreender a formação e evolução de estrelas e anãs marrons solitárias na galáxia.Para localizar o sistema, Zhang e sua equipe consultaram bancos de dados de duas missões espaciais já encerradas: o Explorador de levantamento infravermelho de campo amplo (WISE), aposentado pela NASA em agosto de 2024, e o satélite Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), desativado em janeiro deste ano. Comparação entre planetas (até cerca de 13 vezes a massa de Júpiter), anãs marrons de diferentes massas (entre 13 e 80 vezes a massa de Júpiter) e estrelas (massas acima de 80 vezes a massa de Júpiter). Crédito: NASA/ Caltech/ R. Hurt (IPAC) / DivulgaçãoEles encontraram o sistema a cerca de 82 anos-luz da Terra, com uma órbita mais de 1.600 vezes maior que a distância entre nosso planeta e o Sol. Espectros obtidos pelo telescópio SOAR (sigla para “Pesquisa Astrofísica do Sul”), no Chile, confirmaram que ambos os componentes eram pares de estrelas.O par mais brilhante é formado por duas anãs vermelhas, o tipo de estrela mais comum da galáxia, cada uma com 17% da massa do Sol. Juntas, elas têm brilho 100 mil vezes menor que a Estrela do Norte (Polaris) na luz visível. As anãs marrons, por sua vez, quase não emitem luz visível, têm tamanho similar ao de Júpiter e atmosfera com metano detectável. Estima-se que existam bilhões de anãs marrons semelhantes na Via Láctea, mas apenas cerca de 30 já foram identificadas orbitando estrelas mais luminosas.Em um primeiro momento, a equipe pensou que seria uma anã marrom orbitando uma anã vermelha, antes de descobrir que eram, na verdade, dois pares. Crédito: Observatório Europeu do SulLeia mais:Hubble descobre anã branca rara nascida de colisão entre duas estrelasO mistério das estrelas que desapareceramEstrelas ultramassivas esvaziam além do esperado até virarem buracos negrosDescoberta evidencia diversidade e complexidade da Via Láctea Observações futuras, possivelmente com o Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, permitirão imagens mais detalhadas e medições precisas das massas das anãs marrons, criando novas referências para estudos em outros sistemas. Próximos levantamentos, como os do Telescópio Espacial Euclid, da ESA, e do Observatório Vera C. Rubin, no Chile, devem expandir ainda mais o conhecimento sobre anãs marrons fracas na galáxia.Embora sistemas quádruplos não sejam inéditos, a descoberta é importante por mostrar que estrelas múltiplas podem sobreviver à formação estelar. Estrelas muito próximas tendem a se separar em alta velocidade, mas sistemas estáveis ajudam a entender os processos iniciais do nascimento de estrelas.Burgasser ressalta que estudos como este fornecem pistas importantes sobre como múltiplas estrelas e anãs marrons coexistem e evoluem na Via Láctea.O “duplo-duplo” recém-descoberto se tornou uma super-referência natural, permitindo estudar de forma mais confiável anãs marrons e suas interações com estrelas mais massivas e oferecendo uma visão inédita da diversidade e complexidade do nosso bairro cósmico.O post “Quarteto Fantástico” de estrelas é descoberto na Via Láctea apareceu primeiro em Olhar Digital.