“Bombardear Marte”: proposta de Elon Musk desafia limites da ciência e da lei

Wait 5 sec.

Na noite de terça-feira (26), com transmissão ao vivo em todas as plataformas do Olhar Digital, finalmente aconteceu o 10º voo de teste do mega foguete Starship, da SpaceX, após dois adiamentos – alcançando os objetivos pretendidos e proporcionando imagens espetaculares. A principal ambição de Elon Musk, dono da empresa, é que o veículo seja o responsável, futuramente, por transportar cargas e pessoas a Marte para colonizar o planeta.Originalmente, o lançamento deveria ter acontecido no domingo (24), mas foi suspenso cerca de 17 minutos antes da hora marcada para a decolagem devido a um problema não especificado nos sistemas de solo. Outro cancelamento aconteceu no dia seguinte, dessa vez em razão do mau tempo no local. Naquela ocasião, algo que chamou bastante a atenção na transmissão ao vivo da SpaceX, antes do anúncio do adiamento, foi a roupa que Musk usava: uma camiseta na qual estava escrito Nuke Mars. Elon Musk usando uma camiseta com a estampa dizendo “Nuke Mars”. Crédito: Reprodução/SpaceX XA frase, que se traduz em “Bombardear Marte”, logo virou assunto na internet. Ela faz referência a um plano antigo do bilionário de usar explosões atômicas para alterar o clima marciano. Segundo a NBC News, o executivo já fala nisso há pelo menos dez anos, como uma alternativa para vaporizar as calotas polares e aumentar a temperatura do planeta.No Programa Olhar Digital News, antes da live do lançamento bem sucedido desta terça, Marcelo Zurita, astrônomo e colunista do Olhar Digital, foi questionado pela apresentadora Marisa Silva sobre o assunto. “Nuke é uma expressão que significa bomba nuclear. Então, basicamente, ele está pedindo para a gente jogar bombas nucleares em Marte, porque é uma teoria de que isso vai vaporizar o gelo presente nas calotas polares, aquecer o planeta e facilitar o processo de terraformação do planeta”, explicou Zurita. “Só que isso é uma coisa muito controversa, porque os modelos mais aceitos indicam que a falta de atmosfera em Marte é uma consequência da falta de um campo magnético. Então, não adianta gerar uma atmosfera momentânea em Marte, porque a falta do campo magnético vai fazer o planeta perder essa atmosfera novamente e aí volta tudo a estar a zero”.Como Elon Musk pretende “bombardear” Marte?O plano envolveria dispositivos nucleares especiais que seriam detonados no espaço sobre as calotas polares marcianas, criando dois minúsculos ‘sóis’ pulsantes sobre as regiões. Como explicou Zurita, em tese, gerar grandes quantidades de calor sobre os polos poderia vaporizar e liberar dióxido de carbono (CO2) contido nas calotas polares de Marte, engrossando a atmosfera.Uma atmosfera mais espessa poderia reter o calor do Sol, que normalmente é absorvido pelo planeta e depois liberado como radiação infravermelha. Se esse calor fosse retido, poderia desencadear um efeito estufa em cascata, liberando ainda mais CO2 e aquecendo Marte até que a pressão da superfície fosse suficiente para permitir água líquida. Esse cenário, teoricamente, abriria caminho para plantas que produzem oxigênio e, em longo prazo, para a sobrevivência humana.Representação artística elaborada por Inteligência Artificial da detonação de bombas sobre as calotas polares de Marte, criando dois minúsculos ‘sóis’ pulsantes sobre as regiões. Crédito: Imagem gerada por IA/ChatGPTLeia mais:Marte e Lua? Veja os próximos passos da Starship após voo perfeitoRover da NASA vê algo como um capacete de batalha em MarteFoguetão de Elon Musk já tem cliente para lançar a MarteA tática funcionaria?Um estudo de 2018 publicado na revista Nature Astronomy contestou a viabilidade dessa ideia. Os pesquisadores concluíram que o planeta não possui CO₂ em quantidade suficiente para provocar um aquecimento relevante, mesmo que todo o gás fosse liberado na atmosfera. “A terraformação de Marte não é possível usando a tecnologia atual”, diz o artigo.Os autores também ressaltam que a água não poderia cumprir esse papel de aquecimento. Modelos anteriores já mostraram que o vapor d’água, sozinho, não sustentaria um efeito estufa estável. Sem a ajuda do CO₂, a água não permaneceria em estado gasoso por tempo suficiente para contribuir de forma significativa.Além de ineficaz, a proposta nuclear pode ser arriscada. Cientistas alertam que detonações desse tipo poderiam provocar um “inverno nuclear”, semelhante ao impacto de um asteroide. Nesse caso, poeira e partículas suspensas no ar bloqueariam parte da luz solar, resfriando ainda mais o planeta em vez de aquecê-lo. O climatologista Michael Mann, da Universidade Estadual da Pensilvânia, reforçou esse alerta em entrevista ao US News em 2015.Isso seria legalmente permitido?Em torno desse assunto, há ainda um ponto jurídico. O Tratado do Espaço Exterior, assinado em 1967 e ratificado por 115 países, inclusive os EUA, estabelece regras claras sobre o uso do espaço. Entre elas, está a proibição de armas nucleares fora da Terra, além de bases militares ou testes de armamentos em outros corpos celestes. Na época que o documento foi publicado, o objetivo era evitar que a corrida espacial se transformasse em um campo de batalha.Isso significa que a detonação de bombas nucleares em Marte, mesmo com objetivos científicos, estaria em desacordo com o direito internacional. Musk, como cidadão norte-americano, estaria sujeito às obrigações previstas nos EUA. Portanto, o plano esbarraria não apenas em limitações técnicas e riscos ambientais, mas também em barreiras legais.O CEO da SpaceX planeja estabelecer uma colônia humana em Marte. Crédito: SpaceXOutra questão em debate é se o tratado impediria a criação de colônias privadas em Marte. O documento afirma que o espaço e seus corpos celestes devem estar abertos ao uso de todas as nações, mas não trata diretamente de indivíduos ou empresas (tem até gente “vendendo terreno” em outros planetas e na Lua). Assim, não há clareza sobre a possibilidade de Musk ou qualquer outro empreendedor estabelecer uma presença privada no Planeta Vermelho.Apesar das críticas, a ideia de “bombardear Marte” continua sendo discutida em círculos científicos e entre entusiastas. Para alguns, trata-se de um exercício teórico interessante sobre os desafios da terraformação. Para outros, é apenas uma provocação de Musk para manter o tema da colonização de Marte em evidência.De qualquer forma, a proposta mostra como transformar Marte em um ambiente habitável envolve obstáculos gigantescos, que vão desde limitações físicas do planeta até dilemas ético-jurídicos significativos.O post “Bombardear Marte”: proposta de Elon Musk desafia limites da ciência e da lei apareceu primeiro em Olhar Digital.