Um dos fiscais presos em escândalo bilionário na Secretaria de Fazenda de São Paulo esconde valores em um paraíso fiscal, segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP).O dono dos recursos é Marcelo de Almeida Gouveia, auditor fiscal suspeito de participar de um esquema de propinas em operações de transferências de crédito de ICMS, afirma o Grupo Especial de Repressão a Delitos Econômicos (Gedec), do MPSP. Ele é apontado como responsável por auxiliar o também auditor Artur Gomes da Silva Neto, que foi preso sob suspeita de ser o principal operador do esquema.Material encontrado durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão em endereço ligado a Marcelo mostra que ele possui recursos em Guernsey, no Reino Unido. “Com efeito, Guernsey é conhecido paraíso fiscal, tipicamente utilizado por agentes públicos corruptos para a lavagem de dinheiro”, afirma despacho do MPSP.A instituição financeira citada é a Dominion Capital Strategies. O documento diz que há investimentos na empresa, que fica no Reino Unido, de bens custodiados nos Estados Unidos. No entanto, não é citado o valor.CriptomoedasA informação consta de manifestação da Promotoria sobre eventual liberdade provisória do auditor, que também cita valores em criptomoedas autocustodiadas, isto é, uma carteira que não ficaria em nenhuma instituição financeira.“Verificou-se que o auditor fiscal não apenas possui dinheiro escondido em paraíso fiscal, mas também em criptomoedas auto custodiadas (“electrum”), tipicamente usadas para a lavagem de dinheiro”, diz a manifestação da Promotoria.A existência de criptomoedas é um dos motivos citados para argumentar que Marcelo deve continuar preso –isso, segundo os promotores, impediria que ele sumisse com os valores. Segundo o MPSP, o auditor tem um montante de R$ 1,9 milhão. O suspeito, durante a operação, se negou a passar as chaves de acesso aos ativos.“O próprio investigado ressalta o fato de que tais criptoativos não podem ser bloqueados ou transferidos por ordem judicial. Ao ressaltar tal fato, Marcelo faz praticamente uma admissão de culpa. Afinal de contas, dentre as inúmeras caraterísticas de uma criptomoeda auto custodiada, por que frisar a impossibilidade de serem bloqueadas por ordem judicial sem a sua senha?”, diz a Promotoria.A questão da chave para as criptomoedas foi citada pela própria defesa de Marcelo, que reclamou que um promotor teria exigido as chaves para acesso aos ativos. A defesa do auditor ainda afirmou que “deixou-se de consignar que a totalidade dos ativos e bens do peticionário, inclusive os criptoativos, sempre foi regularmente declarada à Secretaria da Receita Federal do Brasil” e que o documento do MPSP tem “alegação de que teriam sido localizados ‘milhões de reais em criptomoedas’, sem haver, contudo, qualquer elemento documental que corrobore tal afirmação”.Em endereço ligado a Marcelo, foram encontrados R$ 330 mil em dinheiro, além de U$ 10 mil. Os maiores valores, sustenta a investigação, estariam em criptomoedas.Milhões em criptoNo inquérito, os promotores também citaram fortuna em criptomoedas relacionadas ao fiscal Artur, suspeito de liderar o esquema. A investigação afirma, ao pedir prisão preventiva dele, que a medida impediria que o suspeito “venha a fugir ou mesmo se desfaça de bens e/ou dinheiro, impedindo o efetivo ressarcimento ao erário, já que se trata de esquema milionário com notícia, inclusive, da existência de criptomoedas, a evidenciar clara intenção de mascarar ativos e obstar a devolução dos valores”. Leia também São Paulo Justiça libera dono da Ultrafarma de pagar fiança de R$ 25 milhões São Paulo Caso Ultrafarma: planilha revela salário do empresário Sidney Oliveira São Paulo Ex-presidente da CBF defende dono da Ultrafarma em escândalo fiscal São Paulo Governo demite fiscal investigado em esquema com Ultrafarma e FastShop No caso dele, o MPSP citou um aumento “absurdo” no patrimônio da mãe de Artur, Kimio Mizukami da Silva, que passou de R$ 411 mil para R$ 2 bilhões, e que viria “em grande parte, da compra de criptomoedas”, que teriam sido adquiridas por meio de valores advindos da distribuição de lucros da empresa Smart Tax Consultoria.De acordo com documentos do inquérito, a empresa destinou parte da distribuição de lucros para a compra de 287 bitcoins (BTC) ao valor unitário de R$ 87.260,68, somando R$ 25,04 milhões. Além disso, a empresa também teria 1.774 unidades da criptomoeda Ether (ETH) , avaliadas em R$ 15,01 milhões. Hoje, essa quantidade criptomoedas valeria cerca de R$ 200 milhões.Entenda o esquemaO auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto teria recebido mais de R$ 1 bilhão em propina, desde 2021, para manipular processos administrativos e adiantar créditos de ICMS-ST para empresas como a Ultrafarma e a Fast Shop.A Smart Tax, empresa em nome da mãe do fiscal, Kimio Mizukami da Silva, teve um aumento patrimonial “absurdo”, de acordo com a representação do Ministério Público.Segundo a investigação, a empresa teve uma evolução patrimonial de R$ 411 mil para R$ 2 bilhões de 2023 a 2025.O crédito recebido pelas empresas ainda foi vendido para outras empresas, como a Rede Nos, dona das lojas de conveniência Oxxo, e a Kalunga.O MPSP apura se essas empresas tinham conhecimento de que os créditos que compraram foram obtidos de forma irregular.Os diretores das empresas foram detidos no dia 12/8 e ficaram presos até sexta-feira (15/8) em prisão temporária.Nesta semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) revogou um decreto de julho de 2023 que simplificado o ressarcimento de ICMS.A medida pode ter facilitado o esquema, já que reduziu o número de servidores envolvidos nas operações.