Do Mensalão ao plano de golpe: o que mudou no STF para julgar Bolsonaro

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O STF (Supremo Tribunal Federal) se prepara para mais um julgamento histórico. Assim como o julgamento do Mensalão, em que políticos e autoridades eram réus na Corte, o julgamento que será iniciado em 2 de setembro joga luz para um personagem ainda mais relevante: um ex-presidente da República acusado de tentativa de golpe de Estado.Embora os dois casos apresentem relevância histórica, eles se enquadram em contextos e composições diferentes para julgar os réus. Seja pela previsão de tempo de tramitação deles — sete anos no Mensalão e menos de um ano no plano de golpe —, como também ao colegiado que realizará o julgamento.A CNN conversou com especialistas e detalha as principais mudanças no Supremo em relação aos dois processos.Nos dois casos, o professor Álvaro Jorge, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito Rio, cita que a análise pelo STF de ações criminais é inédita em comparação com as cortes constitucionais de outros países. O que se caracteriza como um modelo próprio do Brasil. Leia Mais: Como estão os preparativos para o julgamento de Jair Bolsonaro? Moraes aponta iminência de julgamento ao reforçar policiamento em Bolsonaro Aliados: Bolsonaro está "indignado" com pedido de agentes da PF em sua casa O advogado criminalista Berlinque Cantelmo complementa a avaliação ao lembrar que o Mensalão inaugurou no Supremo a condução de um processo criminal desde a fase de instrução até o julgamento final, resultando na condenação. O tribunal atuou como juízo natural.No entanto, Cantelmo diz que a situação da ação penal da tentativa de golpe é diferente. Segundo ele, o processo advém de inquéritos já instaurados e amadurecidos em fases investigativas anteriores. De forma que o Supremo apenas recebeu a denúncia e julgará as condutas dos réus.“A diferença estrutural entre os dois casos impacta a percepção pública: no Mensalão, a Corte foi vista como uma instância excepcional e concentradora, enquanto no caso presente reforça-se sua posição como guardiã ordinária da ordem constitucional”, ressalta o advogado Berlinque Cantelmo.O que esperar do julgamento de Jair Bolsonaro? | LIVE CNNPlenário x TurmasEntre os dois julgamentos, houve uma mudança relevante no regimento do Supremo que levou as análises de casos penais para os colegiados de Turmas, formadas por cinco ministros.No Mensalão, o julgamento ocorreu no plenário, com os 11 ministros que compõem a Corte. Agora, a ação envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) será analisada na Primeira Turma.Enquanto o julgamento do Mensalão levou quatro meses e 53 sessões, o caso do plano de golpe está previsto para ser analisado em cinco dias divididos em oito sessões.“Quando os ministros julgaram o Mensalão, todo o tribunal estava concentrado apenas nessa matéria, como se fosse um monopólio do tema pela Corte”, diz Álvaro Jorge, da FGV Direito Rio.Berlinque Cantelmo cita que a mudança para as turmas possibilitou dar mais celeridade ao trâmite processual. “No Mensalão, o julgamento se estendeu por quase uma década, enquanto agora as denúncias são recebidas e analisadas em questão de meses. Essa aceleração também decorre da digitalização processual.”Crimes em julgamentoMesmo sendo casos penais, a relação de crimes dos dois processos é diferente.No Mensalão, os mais de 40 denunciados responderam por crimes como: corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas, gestão fraudulenta, peculato e falsidade ideológica.No quadro atual, no núcleo 1 que envolve oito réus, a maioria dos réus responde por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.Segundo Cantelmo, a comparação entre os dois processos também pode ser vista pela evolução interpretativa da Corte. “No Mensalão, destacou-se a adoção da teoria do domínio do fato para responsabilizar dirigentes partidários que, ainda que não tivessem executado materialmente os atos ilícitos, exerciam poder de comando sobre o esquema. Tratava-se de um julgamento voltado ao combate à corrupção sistêmica”, diz.“Já na trama golpista, o enfoque recai sobre crimes tipificados pela Lei 14.197/2021, relativos à proteção do Estado Democrático de Direito, sinalizando um deslocamento do eixo de proteção da moralidade administrativa para a própria preservação do regime constitucional”, completa.Independe do crime analisado, o professor Álvaro Jorge comenta que o limite do Supremo sempre será a lei, com base nas provas que podem evidenciar os atos que os réus são acusados.“É importante a gente lembrar sempre que normas jurídicas comportam, evidentemente, interpretação. O que difere dizer que, se eu não concordo com a interpretação, necessariamente o juiz vai estar agindo de forma política. Acho que esse é um equívoco”, ressalta o professor da FGV.Quaest: Cresce percepção de que Bolsonaro participou de plano de golpe | CNN NOVO DIANovos ministros e comunicação do TribunalA composição do Supremo em relação ao Mensalão e aos ministros que vão analisar o caso da tentativa de golpe também mudou.Dos ministros que analisaram o caso de corrupção, apenas dois estarão presentes para julgar o ex-presidente: Luiz Fux e Cármen Lúcia. Enquanto Flávio Dino, Cristiano Zanin e o relator Alexandre de Moraes são mais novos na Corte.O professor Álvaro Jorge entende que o STF está preparado para julgar casos criminais e sabe considerar as consequências de suas decisões.“O Supremo tem procurado se comunicar melhor com a sociedade nessas questões criminais. De forma inédita, no início do julgamento da trama golpista, o ministro Alexandre de Moraes usou vídeos com imagens do 8 de janeiro, algo que não se tem precedente na história do Supremo”, exemplifica o professor.Por sua vez, o advogado Cantelmo pontua que “se no Mensalão o STF foi alçado à condição de guardião da moralidade pública e do combate à corrupção, no julgamento da trama golpista assume um papel ainda mais decisivo: o de fiador da continuidade democrática”.