A variação entre sentir-se ótimo e sentir-se exausto é algo a que os psicólogos chamam «vitalidade subjetiva». Surpreendentemente, dada a sua importância para uma vida boa, saudável e plena, a ciência médica ocidental tem dedicado pouco tempo a tentar compreender o que isto realmente significa. Enquanto as tradições orientais foram construídas em torno da ideia da energia como a chave da saúde («chi» na medicina chinesa ou «prana» na ciência indiana do ayurveda, por exemplo), a medicina ocidental afastou-se desta visão pelo facto de essa força invisível não poder ser medida, e concentrou-se em coisas como ossos partidos, infeções e tumores, que podem ser vistos, medidos e, se necessário, removidos cirurgicamente.Embora esta abordagem tenha levado a uma enorme melhoria da esperança de vida, ela tem as suas limitações. Por um lado, conduziu-nos a uma situação em que sabemos muito sobre o que é estar doente, mas pouco sobre o que significa ser saudável. Por isso, muitas pessoas passam os anos adicionais que a medicina moderna acrescentou às nossas vidas atrás de doenças relacionadas com a idade, em vez de desfrutarem de uma reforma saudável e cheia de energia, como Bob Arnot. Em termos estatísticos, a probabilidade de contrariar esta tendência é reduzida; de acordo com uma estimativa global recente, vivemos, em média, nove anos a mais do que os nossos anos mais saudáveis.Esta visão da saúde não agradou a Doug Wallace. Nos anos 70, quando ainda era um jovem investigador em Yale, Wallace não pôde deixar de observar que, enquanto a física fazia grandes avanços na compreensão da forma como a energia e a matéria interagem para fazer funcionar o mundo, as ciências biológicas continuavam a agir como se a energia não tivesse nada que ver com a saúde. «Eu não conseguia entender por que razão só se falava de estrutura e anatomia nas ciências médicas e ninguém parecia querer debruçar-se sobre o que significa estar vivo, aquilo que nos torna seres animados», recordou, em 2018.Wallace ilustra o seu ponto de vista com um exemplo muito claro. Imagine dois corpos humanos deitados lado a lado: um vivo e outro morto. Ambos são anatomicamente perfeitos e nenhum apresenta qualquer indício de doença; a única diferença é que um corpo tem energia a fluir através das suas células e o outro não. Wallace acredita que ter vida não é apenas ter as partes certas do corpo ligadas umas às outras na ordem correta; mas sim que essas partes estejam animadas pelo fluxo de energia. «A vida é a interação entre estrutura e energia», argumentou, num artigo publicado em 2018. E nós, para a compreendermos verdadeiramente, precisamos de algo que se assemelhe mais a uma ciência do chi.Longe de ser um propagador de pseudociência, Wallace é um geneticista respeitado que canalizou o seu fascínio pela energia para a compreensão das mitocôndrias — as estruturas celulares conhecidas por serem as fábricas de energia da célula, devido ao seu papel na libertação da maior parte da energia de que precisamos a partir dos alimentos que ingerimos. Numa altura em que a biologia estava obcecada com o que a estrutura do ADN recém-descoberto significava para a saúde e para as doenças, Wallace seguiu o seu próprio caminho e tornou-se pioneiro no estudo da medicina mitocondrial, analisando a forma como problemas na produção de energia nas mitocôndrias afetam a saúde.Este caminho envolvia o ADN, mas não o ADN presente no núcleo das nossas células (que herdamos, em partes iguais, da nossa mãe e do nosso pai).Wallace estava interessado no conjunto de ADN encontrado nas mitocôndrias. Como vimos no capítulo 1, até há alguns milhares de milhões de anos, as mitocôndrias eram bactérias que viviam livremente. Quando passaram a viver em permanência no seu hospedeiro, transferiram a maior parte do seu ADN, mas mantiveram trinta e sete genes dos cerca de mil originais, muitos dos quais estão diretamente envolvidos na libertação de energia a partir dos alimentos na presença de oxigénio.Wallace queria saber se as mutações neste pequeno conjunto de ADN estavam relacionadas com a saúde e a doença. Considerou que, se a energia é tão importante para manter os humanos vivos, como ele supunha, faria sentido que eventuais problemas com a sua libertação desempenhassem um papel nas doenças e na fadiga que frequentemente as acompanha. De facto, tendo descoberto que herdamos as mitocôndrias apenas da nossa mãe, Wallace identificou várias mutações no ADN mitocondrial que causam doenças hereditárias raras transmitidas apenas pela linha materna. Muitas destas doenças manifestam-se como problemas no cérebro e no sistema nervoso, where as necessidades energéticas são mais elevadas e a ausência de mitocôndrias saudáveis é, por isso, mais sentida.No início da década de 2010, Martin Picard, um jovem investigador que trabalhava no laboratório de Wallace, ficou fascinado com a ligação entre as mitocôndrias e a mente. Estudar pessoas com doenças mitocondriais, afirmou, «representou uma oportunidade única de nos questionarmos sobre o que acontece na mente e no corpo humano quando as mitocôndrias não conseguem fornecer energia suficiente. A resposta é que as pessoas não se sentem bem».Isto é relevante para a interoceção por três razões essenciais. Primeiro, se nos sentimos exaustos quando as mitocôndrias estão com problemas, isso sugere que existe um sinal interocetivo específico que assinala uma falta de energia literal nas nossas células. Segundo, a investigação sugere que existem várias razões para o mau funcionamento das mitocôndrias, muitas delas associadas ao estilo de vida, ao envelhecimento e à alteração do humor. E isto conduz-nos à terceira e mais importante razão: se conseguirmos descobrir como interpretar o sinal de alerta do corpo e encontrar uma forma de resolver o problema, talvez possamos explorar mais as nossas reservas de energia e viver melhor as nossas vidas.Seguindo o exemplo de Wallace, Picard não conseguia compreender por que razão ainda ninguém tinha relacionado a energia, a saúde e a mente. Por isso, fundou também uma nova disciplina científica: a psicobiologia mitocondrial, e criou um laboratório na Universidade de Columbia para explorar a forma como a genética, o stress, a alimentação, o exercício, o repouso e o envelhecimento afetam as mitocôndrias e a mente. Estudando células isoladas no laboratório e pessoas em câmaras metabólicas herméticas, o seu objetivo era descobrir a ligação entre as células e os sentimentos, e perceber de que forma pequenos ajustes num dos elementos podiam melhorar a saúde do outro. «Se conseguirmos relacionar esta substância imaterial da vida à biologia molecular das mitocôndrias e à transformação da energia, acredito que teremos descoberto algo muito importante», afirma Picard. Este artigo foi publicado a partir de um excerto original do livro ‘O Sentido Interior’ da autora Caroline Williams, com o consentimento da mesma.O conteúdo A energia que nos torna humanos aparece primeiro em Revista Líder.