Qual é a sua expectativa? Seria mais fácil resolver perturbações como a ansiedade se tudo se resumisse aos sinais corporais; se o corpo realmente não esquecesse e o cérebro estivesse lá, pronto para interpretar os sinais. Mas, como vimos, a interocepção não se limita às sensações que chegam do corpo. O cérebro está constantemente a fazer previsões sobre as sensações esperadas com base em experiências anteriores, acionando os ajustamentos necessários e verificando a compatibilidade entre as suas previsões e as sensações que lhe vão chegando. Se a previsão e os sinais coincidirem, então, nenhuma ação (ou sensação consciente) é exigida. Mas, se assim não for, é disparada uma mensagem de erro — sob a forma de um sentimento — que sinaliza a necessidade de proceder a uma adaptação e aprendizagem para atualizar a previsão para a vez seguinte. Geralmente, isto também não constitui um problema. Aprendemos a lição e seguimos em frente. Mas, como vimos, o sinal corporal que chega ao cérebro pode ser mais dramático do que a realidade, tal como a previsão. E quando os dois chocam, surge o problema: em qual devemos acreditar?As nossas previsões variam, pela simples razão de que cada um de nós dispõe de uma combinação única de tendências genéticas e experiências de vida que influenciam o significado dos sinais corporais. Dependendo das experiências anteriores, aquilo que o cérebro espera que aconteça e para o qual se prepara pode estar totalmente desalinhado com o que está realmente a acontecer. Alguém que foi vítima de bullying em criança pode sentir que o seu cérebro prepara o corpo para o pior quando, por exemplo, entra numa escola para uma reunião.Isto, por si só, pode não constituir um problema se a situação decorrer como previsto. A hipervigilância pode revelar-se uma boa estratégia caso o comportamento hostil persista. Mas, num mundo ideal, o corpo e o cérebro ajustariam rapidamente a previsão se surgissem evidências que a refutassem. A perturbação de stress pós-traumático é um exemplo extremo de situações em que este processo falha. Um estrondo repentino faz disparar o ritmo cardíaco de qualquer pessoa, mas o facto de as suas expectativas terem sido construídas numa rua segura e ladeada de árvores ou numa zona de guerra é determinante para que o choque inicial se transforme ou não num ataque de pânico. O cérebro que insiste em manter-se no passadoIdealmente, o nosso cérebro identificaria rapidamente o que é mais fiável, se a previsão, se o sinal em direto, antes de responder para resolver o problema. Mas nem sempre é assim que funciona. Como e por que razão é que este processo pode falhar é o tema das experiências de Ryan Smith conhecidas por provocar salivação nos participantes.Em experiências anteriores, Smith mediu a capacidade dos voluntários para detetarem os seus batimentos cardíacos quando estavam sentados calmamente. Numa das experiências, os voluntários foram informados de que podiam adivinhar; noutra, foram instruídos de que apenas deviam contar os batimentos cardíacos realmente sentidos. O objetivo de comparar estes dois valores era determinar quanto da sua consciência vinha do sinal corporal e quanto se baseava numa expectativa prévia. Depois, Smith pediu-lhes que sustivessem a respiração durante o máximo de tempo possível e repetissem as duas contagens — teoricamente, suster a respiração tornaria o sinal dos batimentos mais forte, intensificando o sinal ascendente sem alterar a previsão.Smith queria encontrar uma resposta para a seguinte questão: qual é a intensidade do sinal necessária para que o cérebro altere a sua previsão? E o que as diferenças de mudar de um para o outro significam sobre a vulnerabilidade de alguém poder vir a sofrer de uma doença mental?Verificou-se que as pessoas com perturbações de ansiedade, depressão, perturbações alimentares e dependências eram significativamente menos flexíveis. Tendiam a manter-se fiéis à previsão do cérebro sobre o que o seu coração estava a fazer, independentemente da mudança relatada pelo corpo. As pessoas saudáveis, por seu lado, mostraram-se muito melhores a ajustar as suas perceções e a confiar nas informações em tempo real, quando algo se alterava. Por outras palavras, pessoas saudáveis têm maior propensão para confiarem no seu corpo, enquanto pessoas com perturbações da saúde mental tendem a ficar cristalizadas nas lições do passado duramente aprendidas.As experiências com a respiração pretendem mostrar se isto também se aplica a outras sensações além do ritmo cardíaco. O estudo estava apenas a começar quando visitei o laboratório em Tulsa; ainda não havia voluntários inscritos, mas, quando ensaiei o teste, fiquei surpreendida com o quão teimoso e inflexível o meu próprio cérebro se revelou.Os altifalantes difundiam um som imediatamente antes de eu inspirar. Por vezes, o som era agudo, outras, grave. Algumas vezes, a minha respiração a seguir ao som era mais difícil, outras não. A minha tarefa consistia em dizer (a) se esperava uma respiração difícil depois de ouvir o som e (b) se realmente sentia que a respiração se tornava mais difícil. Dada a sensação desagradável que é sentir a respiração limitada, deveria ter sido fácil — e enquanto eu estava a realizar a experiência, pensava que sim. Depois de algumas respirações, deduzi que o som alto tendia a preceder uma respiração limitada. Mas quando os resultados chegaram, verifiquei que tinha sido enganada — não só pelos investigadores, como pelo meu próprio cérebro.Nas primeiras vezes, era verdade que o som alto precedia uma respiração limitada. Mas, passado algum tempo, os investigadores começaram a alterar o som sem me informarem, de modo que a combinação entre som e respiração se tornasse aleatória. Mas, no meu cérebro, não era assim que acontecia. Eu estava tão convencida disso que, em cerca de um terço das vezes, mesmo quando um som alto era seguido de uma respiração fácil, eu sentia que tinha de me esforçar para respirar. E como tinha aprendido a associar um som baixo a uma respiração fácil, em metade das vezes em que a um som baixo se seguiu uma respiração limitada, eu não senti nada.Como o estudo ainda está a decorrer, Smith não quis adiantar se isto indica que eu sou invulgarmente inflexível e propensa a antecipar catástrofes. Todavia, a longo prazo, a ideia é que este tipo de abordagem possa revelar por que razão algumas pessoas são mais vulneráveis a problemas de saúde mental do que outras. De acordo com as estimativas, 70 por cento dos adultos sofrem traumas graves ao longo da vida, mas apenas 6 por cento da população desenvolve perturbações de stress pós-traumático (PSPT). É possível que os que mais sofrem sejam aqueles que têm maior dificuldade em se adaptarem quando as evidências mudam. E uma vez que essa inflexibilidade para mudar as sensações interiores se manifesta não só nas perturbações relacionadas com a ansiedade, mas também nas perturbações alimentares, na depressão e na fadiga crónica, é possível que este tipo de experiência possa ser usado para encontrar a causa subjacente a muitas perturbações de saúde mental, e depois desenvolver intervenções específicas que ajudem a repor o equilíbrio entre o corpo e o cérebro.Não recuperar o equilíbrio pode conduzir, a longo prazo, a uma saúde débil tanto do corpo como da mente. Independentemente da causa inicial do problema, se ele se prolongar durante muito tempo, transforma-se numa previsão geral daquilo que é preciso para sobreviver e todo o sistema corpo-cérebro muda em conformidade. No caso da ansiedade, isto pode significar um endurecimento das artérias para lidar com as exigências constantes de uma pressão arterial elevada; no cérebro, pode conduzir a níveis mais baixos de conectividade em circuitos que, de outra forma, poderiam trazer tranquilidade. Nos estudos de Khalsa com o isoproterenol, por exemplo, os indivíduos sensíveis à adrenalina apresentavam um duplo golpe: hipersensibilidade às hormonas do stress e menor atividade do córtex pré-frontal, uma região do cérebro envolvida na interpretação dos sinais corporais e na decisão de acalmar a situação. A consequência é que o corpo e o cérebro trabalham em conjunto para manter um contexto pouco saudável. Lutar para manter o equilíbrio nestas circunstâncias pode ser esgotante.Quando a falta de equilíbrio abre caminho à depressãoSe esta situação não for tratada, pode provocar o colapso de todo o sistema mente-corpo e resultar em depressão, uma ideia avançada pelo neurocientista computacional Klaas Stephan e pelos seus colegas da Universidade de Zurique. Stephan e a sua equipa sugerem que, se um conflito entre a mente e o corpo não for resolvido após várias tentativas de ação ou aprendizagem, chega-se a um ponto em que investir mais energia e mais esforços começa a parecer inútil. Então, o sistema corpo-cérebro entra em modo poupança de energia, o que, para a pessoa envolvida, se traduz em fadiga e desânimo. Talvez ela tenha tentado controlar a ansiedade racionalizando que está em segurança, mas a sensação de medo não desaparece. Depois de múltiplas tentativas frustradas para resolver o problema, o cérebro começa a prever que o mundo é inerentemente imprevisível e que todas as tentativas de regular o corpo estão destinadas ao fracasso. Klaas e colegas argumentam que isto ajuda a explicar por que razão é que tantas questões de saúde — físicas e emocionais — conduzem à depressão e à fadiga. A esperança é que possamos intervir mais cedo quando conseguirmos compreender melhor este processo. O conteúdo Quando o corpo e o cérebro não falam a mesma língua aparece primeiro em Revista Líder.