É a prova definitiva por trás do roubo mais espetacular deste lado do milênio.Um tribunal francês divulgou na quinta-feira (6) um relatório criticando duramente a liderança do Louvre por priorizar compras chamativas e projetos de renovação em detrimento da manutenção da segurança de um dos maiores museus do mundo.O audacioso assalto em plena luz do dia — no qual quatro homens saíram com joias históricas de valor incalculável — foi um “sinal de alarme ensurdecedor”, disse Pierre Moscovici, presidente do Tribunal de Contas, que elaborou o relatório, a jornalistas na quinta-feira.Reforçando o conteúdo do documento, que havia sido encomendado antes do assalto de 19 de outubro, ele afirmou que a direção do museu priorizou projetos “visíveis e atraentes”, como a compra de obras de arte e a reformulação do layout do museu, em detrimento, notadamente, da segurança do Louvre.Desde o roubo, vieram à tona informações mostrando que as falhas de segurança já eram conhecidas há anos — incluindo um alerta de 2014 que afirmava que uma das principais senhas do museu era simplesmente “LOUVRE”. O novo relatório apenas se soma a uma série de falhas de segurança expostas pelo assalto.Então, o que deu errado?Atraso na resposta ao rouboEm apenas quatro minutos após chegarem ao muro externo do Louvre, os ladrões escalaram o prédio e arrombaram uma janela. Só então os alarmes internos foram acionados. Quatro minutos depois, após arrombarem uma vitrine reforçada e levarem nove peças de joias históricas, os ladrões já estavam fugindo.“As fragilidades na proteção do nosso perímetro são conhecidas e identificadas”, afirmou a diretora do Louvre, Laurence des Cars, a parlamentares após o assalto.Internamente, a situação também parece grave.Para as 465 galerias do museu, a equipe de segurança contava com apenas 432 câmeras de vigilância interna em 2024, segundo o relatório. Embora isso represente um aumento de quase 50% em relação ao número disponível em 2019, ainda deixou 61% das galerias sem qualquer cobertura de câmeras de segurança.O maior museu do mundo, o Louvre, ocupa cerca de 60.600 metros quadrados.Em comparação, o Instituto de Artes de Detroit tem uma área semelhante (incluindo um teatro e uma sala de concertos), mas conta com mais de 550 câmeras de vigilância, segundo o fabricante de câmeras Axis.Laurence des Cars declarou a senadores franceses que pretende dobrar o número de câmeras dentro da propriedade do Louvre, que ocupa 37 hectares, nos próximos anos.Em suas recomendações, o relatório do Tribunal de Contas destacou a necessidade de o Louvre “reforçar sua função de controle interno, que continua subdesenvolvida para uma instituição do porte do Louvre.” Leia Mais Exército israelense anuncia ataques a alvos do Hezbollah no Líbano Ex-presidente da Bolívia deixa prisão após quatro anos e meio Príncipe William diz que TFFF é "fundamental para estabilidade climática" Cibersegurança à prova de falhasAs falhas na segurança do Louvre não eram apenas físicas. No mundo virtual, o histórico do museu deixava muito a desejar.Um relatório de 2014 da agência francesa de segurança da informação (ANSSI), obtido pelo jornal francês Libération, afirmava que a senha do servidor que gerenciava a extensa rede de câmeras de segurança do museu era simplesmente “LOUVRE”. O acesso ao software administrado pela empresa de tecnologia de segurança Thales era protegido por uma senha igualmente “à prova de falhas”: “THALES” — segundo o Libération.Na auditoria de segurança, a ANSSI teria recomendado que o Louvre reforçasse sua cibersegurança e deixasse de usar softwares desatualizados que poderiam comprometer sua proteção.A ANSSI não negou o relatório à CNN, mas acrescentou que a auditoria “não pode ser considerada representativa do nível atual de segurança” dos sistemas de TI do Louvre.Joias chamativasO relatório destacou as prioridades orçamentárias do museu nos últimos anos, que registraram cerca de 27 milhões de euros (31,1 milhões de dólares) gastos em obras de manutenção entre 2018 e 2024, além de outros 60 milhões destinados à restauração do palácio do Louvre.Em contraste, nesse período o Louvre gastou o dobro desse valor em alterações no layout do museu e na aquisição de obras de arte.O museu investiu 105 milhões de euros em obras de arte nos seis anos até 2024, adquirindo 2.754 peças nesse período.Em 2021, o Louvre gastou cerca de 5 milhões de euros em duas obras do pintor francês do Rococó Jean-Honoré Fragonard. Em abril de 2025, o museu realizou uma compra de 2,2 milhões de euros de um tríptico “excepcional” de Fabergé.Muitas das aquisições do Louvre são envoltas em certo sigilo, especialmente no que diz respeito ao preço de compra. O relatório do Tribunal de Contas afirmou que o Louvre deveria prestar maior atenção ao valor das obras adquiridas e alertou especificamente o museu para não comprar obras de arte por um preço mais alto se elas tivessem sido vendidas em leilão por menos de dois anos antes.Mantendo a cabeça no lugarEm contraste com o foco em aquisições chamativas e vistosas, o contundente relatório aponta atrasos impressionantes nas obras da infraestrutura de segurança do Louvre. Revelou-se que as melhorias de segurança recomendadas em uma auditoria de 2015 só serão concluídas em 2032.O relatório analisou quase oito anos de operações do museu, abrangendo períodos sob a gestão de dois executivos.No momento da publicação, nenhum executivo (ou outro funcionário) havia sido demitido ou apresentado renúncia em decorrência do roubo.A oferta de renúncia de Laurence des Cars ao cargo de diretora do museu não foi aceita pela ministra da Cultura da França, Rachida Dati.Dati — conhecida por seu estilo combativo na política francesa — tem defendido vigorosamente o Louvre desde o constrangimento causado pelo assalto de 19 de outubro.“Será que as medidas de segurança do Museu do Louvre falharam? Não, não falharam. É um fato. As medidas de segurança do Museu do Louvre funcionaram”, disse ela a parlamentares em 21 de outubro.No dia seguinte, Macron solicitou uma aceleração das melhorias nas medidas de segurança do museu.Na semana seguinte, Dati suavizou seu tom, admitindo aos senadores franceses que, embora os sistemas de segurança instalados tenham funcionado e a equipe tenha seguido o protocolo “à risca”, o “roubo espetacular” foi, obviamente, um fracasso para o museu.“Falhas de segurança de fato ocorreram”, declarou ela.