A Justiça Federal em Brasília condenou o desembargador federal Evandro Reimão dos Reis, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), por litigância de má-fé, ao entender que ele usou uma ação popular, instrumento constitucional destinado à defesa do interesse coletivo, para fins pessoais, incluindo ataques à ex-mulher e pedidos de indenizações milionárias em benefício próprio.A sentença, assinada pela juíza Diana Maria Wanderlei da Silva, da 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, também determinou o pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, estimada em R$ 150 milhões, além das custas processuais. O valor total da penalidade, com juros e correção, supera R$ 1,5 milhão. Leia também Mirelle Pinheiro “Senhor do senhor das armas”, que armou o CV, volta a ser alvo da PF Mirelle Pinheiro Operação Torniquete: oficina do crime ligada ao CV é destruída no RJ Mirelle Pinheiro BMW, treinador do CV, recebeu foto de bandido segurando cérebro humano Mirelle Pinheiro PF: líderes do CV usam advogados para comandar crimes no Amazonas Ação popular com objetivos pessoaisSegundo o processo, Reimão apresentou ação popular contra diversos réus, entre eles sua ex-esposa, Verusca Maria Montenegro Mappes, e órgãos públicos como a União, o Ibama e o Incra, alegando suposta apropriação indevida de terras da União na Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, no Acre.Apesar do discurso de defesa do patrimônio público, a juíza destacou que o magistrado incluiu pedidos de indenização direta para si, no valor de R$ 11,9 milhões, a título de despesas processuais, além de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa, o que poderia somar mais R$ 30 milhões, totalizando R$ 41 milhões em benefício pessoal.A juíza observou ainda que a advogada responsável pela ação, Lua Reimão Teles e Lopes, é sobrinha do desembargador, o que agrava a irregularidade. “A ação popular não se presta à obtenção de vantagens particulares, tampouco a pleitos familiares”, escreveu.Vida pessoal e ataques à ex-mulherNos autos, Evandro Reimão anexou relatos sobre a vida privada e acusações contra a ex-mulher, incluindo a alegação de que ela teria colocado uma “substância desconhecida” em sua comida anos antes. O magistrado disse temer por sua integridade física e pela segurança do filho menor, pedindo medidas de proteção.A juíza Diana Wanderlei classificou o comportamento como “confusão entre vida pessoal e interesse público”, afirmando que o desembargador utilizou o processo para reabrir disputas familiares e instrumentalizar o Judiciário em causa própria.Tentativa de reabrir processo já julgadoA ação também mirava decisão judicial transitada no Acre, que havia reconhecido o direito de indenização a particulares por desapropriação indireta decorrente da criação da reserva extrativista.Segundo a magistrada, Reimão buscava, por via transversa, anular decisão válida e em fase recursal, alegando fraude fundiária e omissão de órgãos federais. A sentença classificou o pedido como “teratológico”, uma vez que pretendia obrigar o TRF-1 a suspender o julgamento de um recurso de outro processo, o que viola a hierarquia judicial.“Caso o autor tivesse documentos novos, deveria tê-los encaminhado ao Ministério Público Federal, e não propor nova ação para rediscutir sentença já em fase recursal”, pontuou Diana Wanderlei.Comportamento processual e má-féA magistrada destacou que o desembargador apresentou diversos incidentes infundados, arguições de suspeição contra juízes e até reclamações às corregedorias para intimidar magistrados que decidiram contra seus interesses.Segundo a decisão, ele também foi à imprensa para criticar colegas e o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que será analisado pelas instâncias correcionais competentes.Diante do “comportamento temerário e abusivo”, a juíza enquadrou o autor nos incisos V e VI do artigo 80 do Código de Processo Civil, que definem litigância de má-fé quando a parte age de modo temerário e provoca incidentes manifestamente infundados.Situação funcionalEvandro Reimão dos Reis foi nomeado desembargador do TRF-6 em 2022, pelo critério de antiguidade. Desde 2024, encontra-se afastado de suas funções por decisão do CNJ, em outro processo administrativo que apura desídia e conduta incompatível com o Código de Ética da Magistratura.A nova condenação não tem relação direta com o afastamento.Consequências e encaminhamentosAlém da multa de R$ 1,5 milhão, a sentença determinou que a conduta do magistrado seja encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho da Justiça Federal (CJF) para avaliação disciplinar.“Compete a tais instituições analisar se tais condutas seriam compatíveis com a ética e o decoro que se espera de um magistrado, em especial de um desembargador federal”, concluiu a juíza.Até o fechamento desta reportagem, a defesa de Evandro Reimão não havia se manifestado.