A indústria do vidro é uma importante fonte de emissões industriais de CO2 devido ao seu alto consumo energético. A Verallia, terceira maior produtora mundial de embalagens de vidro para alimentos e bebidas, almeja ser net zero (zero emissões líquidas de carbono) até 2040. Para chegar lá, a empresa definiu um roteiro claro de investimentos e adoção de tecnologias para os próximos anos.O caminho para a descarbonização da multinacional francesa passou recentemente por Campo Bom, no Rio Grande do Sul, onde a companhia inaugurou a ampliação de sua fábrica e de uma nova tecnologia: um forno de oxi-combustão equipado com a tecnologia HeatOx. A inovação reduz em até 20% as emissões de carbono em comparação com fornos convencionais.Na ocasião, estiveram presentes Patrice Lucas, CEO do Grupo Verallia, Quintin Testa, diretor-geral da Verallia América do Sul e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. A presença de autoridades públicas e executivos reforçou a importância do evento. Foram investidos 111 milhões de euros, equivalente a 700 milhões de reais, na nova fábrica. O investimento é o maior na história do município de Campo Bom, situado na região metropolitana de Porto Alegre.Verallia inaugura forno de oxi-combustão em Campo Bom (RS). Foto: Eduardo RochaAlém de reduzir as emissões e custos energéticos, o novo forno incorpora sistemas de produção de última geração, elevando a capacidade da unidade para 820 toneladas de vidro por dia e introduzindo três linhas de produção. Desta forma, a fábrica dobrou sua capacidade produtiva de 700 mil para 1,3 milhão de garrafas por dia e espera alcançar sua operação máxima já no próximo ano. Para apoiar essa expansão, a Verallia criou 108 novos postos de trabalho, incluindo 21 mulheres e 7 pessoas com deficiência. Somadas, as unidades Campo Bom 1 e Campo Bom 2 agora empregam 267 pessoas.“Este projeto reflete nossa ambição de investir em tecnologias sustentáveis, fortalecer nossa presença em regiões estratégicas e trabalhar lado a lado com comunidades e parceiros locais”, afirmou Patrice Lucas. Em coletiva de imprensa, o CEO global destacou que, quando os antigos fornos da empresa chegarem ao fim de sua vida útil, poderão ser substituídos por tecnologias mais eficientes e de menor impacto ambiental.Campo Bom está a 90 quilômetros de Bento Gonçalves, na serra gaúcha. A região é a maior produtora de vinhos e espumantes do Brasil. Segundo afirma Quintin Testa, diretor-geral da Verallia para a América Latina, há uma estratégia clara para reduzir distâncias. “Com o novo forno, a Verallia irá dobrar sua capacidade instalada no Rio Grande do Sul, reforçando nosso papel como parceiro estratégico da indústria brasileira de vinhos”, diz.Produzindo vidro com menos emissões de carbonoA produção de vidro exige um processo cuidadoso de aquecimento e resfriamento. Primeiro, o forno precisa atingir temperaturas muito altas para derreter completamente as matérias-primas e formar um vidro uniforme. Depois que o vidro é moldado, não pode ser resfriado de forma brusca -, pode gerar rachaduras ou fragilidade. Por isso, o mesmo passa por um resfriamento controlado, chamado de recozimento, que garante que as garrafas saiam resistentes e seguras para uso.O gasto energético da produção de vidro é sobretudo concentrado na fusão. O forno atinge cerca de 1.550 °C para fundir as matérias-primas, como areia, barrilha, calcário e outros componentes usados para colorir o vidro. É nesta etapa que está o trunfo da tecnologia implementada na nova fábrica de Campo Bom. Desenvolvido em parceria com a Air Liquide e a Air Industrie Transition, o forno utiliza a tecnologia de oxi-combustão HeatOx, que pré-aquece o oxigênio a 550°C e o gás natural a 450°C utilizando os gases de exaustão do forno. O pré-aquecimento é possível graças ao recuperador, um sistema capaz de captar o calor que seria jogado para atmosfera, na saída do gás do forno.A indústria do vidro é uma importante fonte de emissões industriais de CO2 devido ao seu alto consumo energético. Fábrica em Porto Ferreira (SP).Todo esse processo inédito no mundo melhora a eficiência térmica e reduz o consumo de oxigênio e combustível. Um sistema de “high boosting” complementa com energia elétrica, reduzindo o uso de combustíveis fósseis durante a fusão. Para se ter ideia, o gás necessário em um forno convencional é cerca de 93%, enquanto na nova versão cai para 75%. O incremento de energia elétrica, de fonte renovável, sai de 7% e passa para 25%.“A operação do forno de Campo Bom é um passo significativo na jornada da Verallia rumo à descarbonização de seus processos produtivos e à aceleração da inovação em nossos mercados”, disse o CEO do Grupo Verallia.Foto: VeralliaAo falar do forno tecnológico durante a cerimônia de inauguração, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, reforçou que os “componentes de sustentabilidade são especialmente relevantes” ao estado, que enfrentou, em 2024, a maior tragédia climática de sua história. As fortes chuvas afetaram 478 dos 497 municípios gaúchos, deixando 180 mortos e 25 desaparecidos. “A tecnologia demonstra compromisso com o meio ambiente e ajudam, nesse estado que foi muito machucado por eventos climáticos extremos, a demonstrar essa colaboração, essa contribuição importante para o meio ambiente – o que também somos gratos”, afirmou. Leia também: 1.Programa de reciclagem de vidro cresce mais de 205% em 5 anos 2.Programa recicla quase 3 milhões de garrafas de vidro O projeto foi desenvolvido em colaboração com autoridades locais e regionais. A empresa obteve apoio, por exemplo, do Fundopem, um programa que oferece incentivos fiscais às empresas que investem na instalação ou expansão de suas operações no estado.Vidro recicladoO vidro é infinitamente reciclável. Aumentar o uso de vidro reciclado na produção é um pilar-chave para reduzir as emissões de carbono e atingir a descarbonização. Isso porque o vidro reaproveitado requer menos energia para ser fundido e diminui o uso de matérias-primas virgens, cuja transformação libera dióxido de carbono. Na prática, a adição de apenas 10% a mais de cacos de vidro no processo de fabricação pode reduzir em até 5% as emissões de CO₂ do forno e diminuir o consumo de energia em aproximadamente 2,5%.O primeiro passo para tanto é obter uma coleta eficiente. É nesse ponto da história que entram os projetos de logística do vidro pós-consumo, como o Vidro Vira Vidro, programa que consiste em ações e parcerias para aumentar a reciclagem do vidro. Dentro dessa iniciativa, já foram distribuídos 850 coletores exclusivos para o vidro, denominados PEVs (Pontos de Entrega Voluntária), em 45 municípios de seis estados. Em parceria com os municípios, os equipamentos são instalados em vias públicas, o que facilita o descarte adequado por parte dos consumidores.Com a utilização de cacos na produção de novas embalagens já é possível reduzir o consumo de energia, extração de recursos naturais e a emissão de CO2. | Foto: PxHereOutras ações complementam essa estratégia de circularidade. Em Porto Alegre (RS), a parceria entre Verallia e ARCO, firmada em 2022, deu origem ao projeto #VemDeLong, que amplia a coleta de vidro em bares e restaurantes. Já com a startup Valora Resíduos, a empresa atua em São Paulo e Belo Horizonte, promovendo a educação ambiental e a coleta em condomínios residenciais, além de pontos comerciais.Programa de reciclagem já recuperou 500 toneladas de vidro em TrancosoOutra iniciativa de destaque é o Circuito do Vidro, desenvolvido em parceria com a Heineken, que apoia cooperativas de reciclagem do sul de Minas Gerais por meio da capacitação de trabalhadores, doação de equipamentos e caminhões para fortalecer a coleta de vidro na região. Leia também: 1.Programa recicla quase 500 toneladas de vidro em Trancoso 2.Reciclagem de vidro vira doação a Banco de Alimentos Somados, todos esses projetos de inovação representam cerca de 6,3% do total de caco de vidro utilizado nas produções das fábricas da Verallia no Brasil.Da garrafa ao vinhoTodos os esforços da Verallia refletem positivamente nos clientes, ajudando-os a diminuir a pegada de carbono associada às embalagens. Em Campo Bom, por exemplo, a fábrica da Verallia dedica-se à produção de garrafas voltadas ao mercado de vinhos, espumantes e sucos de uva, contando com 875 colaboradores que atendem cerca de 350 clientes.Entre esses clientes está a Salton, que mantém uma parceria de mais de 50 anos com a Verallia. A fabricante é responsável por quase 100% do fornecimento das garrafas utilizadas nos produtos da vinícola. Em seu portfólio, estão justamente espumantes e vinhos finos, destilados (como conhaque, vodka e gin) e uma crescente linha de produtos não alcoólicos à base de suco de uva.A Salton pretende incluir o escopo 3 em seu inventário de emissões a partir de 2026. Embora a produção envolva o consumo de energia em etapas como o cultivo das uvas, a fermentação e o transporte (já inclusas nos escopos 1 e 2), o impacto ambiental da garrafa de vidro é significativo e pode representar, para as vinícolas, uma das principais fontes de emissões de carbono em toda a cadeia de produção e distribuição.Foto: VeralliaDa porta para dentro, a Salton já tem feito sua lição de casa: em conjunto com a Universidade de Caxias do Sul, a empresa conseguiu estabelecer uma metodologia inédita para a elaboração do primeiro Inventário de Gases de Efeito Estufa do setor vitivinícola nacional. “Em termos de controle de emissões de gases de efeito estufa, a Salton é pioneira no setor com o seu inventário. Inclusive, estamos trabalhando na parte do escopo 3 agora”, conta Maurício Salton, diretor-presidente.Enquanto prepara-se, a Salton já tem investido na redução da quantidade de plástico, vidro e papelão nas embalagens. Um dos exemplos dessa iniciativa são as chamadas garrafas aliviadas, que são embalagens com menor quantidade de vidro na sua composição. Esse formato gera menos resíduo para o meio ambiente e reduz as emissões de CO2 no processo de fabricação. “Naturalmente, fomos incentivando dentro do nosso portfólio garrafas mais leves, o que tem reflexos econômicos, mas também reflexos ambientais importantes”, conta o executivo.Em 2024, a representatividade das garrafas aliviadas no portfólio da Salton foi de 21,33% e o plano é ter um aumento para 50% em cinco anos. “Além da menor geração de carbono, esse modelo impacta também em todas as etapas de transporte. Garrafas aliviadas diminuem em até 30% o peso de um caminhão que transporta mil garrafas”, detalha Maurício.Todas as unidades fabris da vinícola ainda atingiram uma meta importante: 100% da energia consumida em suas unidades, em 2024, veio de fontes renováveis, zerando as emissões no escopo 2. Outra ação de destaque da vinícola é o cultivo de 170 hectares de vinhedos próprios totalmente livres de herbicidas.Em meio à inauguração da fábrica de Campo Bom, a Salton abriu as portas de sua sede em Bento Gonçalves para um tour especial guiado por Alan Buzin. A experiência terminou em grande estilo, com um almoço harmonizado na Casa di Pasto Família Salton. Por lá, é possível degustar os rótulos premiados da vinícola e experimentar drinks autorais criados especialmente para o local. O empreendimento enoturístico está localizado no roteiro Caminhos de Pedra, uma estrada histórica no município com centenárias casas de pedra.Futuro da descarbonização de vidroCom 35 fábricas em 12 países, até 2040, a Verallia assumiu o compromisso de reduzir suas emissões de CO₂ dos escopos 1 e 2 em 90% e compensar os 10% restantes em comparação com o ano-base de 2019. Além da meta de longo prazo, a empresa visa a redução de suas emissões de carbono em 46% até 2030.Nesse movimento, a estratégia climática passa por muitos caminhos. No caso de Campo Bom, além do forno tecnológico, a nova fábrica também foi equipada com torres de resfriamento adiabáticas, tecnologia que reduz significativamente a perda de água por evaporação. Enquanto um sistema tradicional pode perder até 14,25 m³/h, as torres adiabáticas registram perda zero em dias frios e no máximo 8,9 m³/h nos dias mais quentes. Outras vantagens da inovação incluem eliminação do arraste de água, dispensa de tratamentos químicos e menor consumo de energia, resultando em um processo mais eficiente, limpo e sustentável.Além do forno tecnológico, a nova fábrica também foi equipada com torres de resfriamento adiabáticas. Foto: VeralliaOutra meta almejada globalmente é tornar todas as fábricas em “aterro zero”. O feito, aliás, já foi alcançado em Jacutinga, Minas Gerais. “Nada do que é consumido lá vai para o aterro sanitário. Tudo é reciclado ou reaproveitado”, afirma Gabriela Lutti, analista de Projetos CO2 e Reciclagem na Verallia.Além dessas ações, a Verallia também mira obter energia 100% renovável em todas as unidades até 2040. No Brasil e no Chile, essa meta já é realidade: ambas as operações utilizam energia renovável certificada, eliminando as emissões de escopo 2. “A Verallia é uma das primeiras fabricantes de embalagem do mundo a se comprometer com uma trajetória Net Zero até 2040. Então, é uma meta bem ambiciosa, que a gente está bem empolgado”, complementa Gabriela.Outro ponto estratégico é o aumento do uso de caco externo (vidro reciclado pós-consumo) nas produções globais, com a meta de alcançar aproximadamente 60% de conteúdo reciclado. A empresa também busca reduzir em 6% o peso das embalagens até 2030, em comparação a 2019, contribuindo para a economia de matérias-primas e menor impacto ambiental.Dentro do pilar de “cuidado com as pessoas”, a Verallia estabeleceu a meta de atingir 35% de mulheres em cargos de liderança até 2030 (atualmente 23,2% na América Latina) e alcançar 4,5% de pessoas com deficiência (PcD). Como exemplo de iniciativas concretas, destaca-se o treinamento de 825 horas em linguagem de sinais promovido na fábrica de Campo Bom, voltado à inclusão de funcionários com deficiência auditiva.Entre tantas vias para alcançar a descarbonização, um dos futuros possíveis já pode ser vislumbrado na fábrica da Verallia de Cognac, na França, que inaugurou o primeiro forno de vidro totalmente elétrico em 2024. A tecnologia reduz em 60% as emissões de dióxido de carbono, representando um grande avanço na descarbonização da fabricação de vidro. Com investimento de 57 milhões de euros, a fábrica é capaz de produzir 180 toneladas de vidro por dia, o que equivale a aproximadamente 300 mil garrafas. Por lá, a produção é principalmente utilizada para a fabricação de garrafas de conhaque.O maior problema dos fornos elétricos é a eficiência para fundir grandes quantidades de matéria-prima. Atualmente, a tecnologia é aplicada em fornos de produções menores. Um caminho do meio pode talvez ser a experiência de Saragoça com um forno híbrido, que utiliza 20% gás natural e 80% da energia renovável.“Isso é importante para nós como parte de nossos valores e crenças. Essas escolhas demonstram nossa visão clara: crescer de forma responsável, unindo competitividade e sustentabilidade. Reimaginar o vidro para um futuro sustentável não é apenas o nosso propósito, é uma prática diária que colocamos em ação nesta companhia”, afirma o diretor-geral da Verallia para a América Latina.Recentemente, a iniciativa Science Based Targets validou a trajetória Net Zero 2040 da Verallia, o que, na prática, significa que as metas de redução de emissões de CO₂ foram avaliadas e estão em conformidade com critérios científicos reconhecidos internacionalmente. As experiências acima comprovam que até um material milenar, como o vidro, pode ser reinventado para um mundo de baixo carbono.The post Verallia mira descarbonização, do forno ao vidro reciclado appeared first on CicloVivo.