A Suprema Corte dos Estados Unidos permitiu, nesta quinta-feira (6), que o governo de Donald Trump impeça os solicitantes de passaportes americanos de designarem o sexo que reflete sua identidade de gênero no documento.A medida faz parte da repressão do presidente republicano aos direitos dos americanos transgêneros.O tribunal acatou o pedido do Departamento de Justiça para suspender uma ordem judicial que havia bloqueado a política que exigia que os passaportes correspondessem apenas ao sexo atribuído à pessoa no nascimento, enquanto tramita uma ação coletiva que contesta a medida do governo.“Exibir o sexo biológico dos portadores de passaporte não viola os princípios da igualdade perante a lei mais do que exibir o país de nascimento – em ambos os casos, o governo está simplesmente atestando um fato histórico sem submeter ninguém a tratamento diferenciado”, afirmou o tribunal em uma breve explicação de sua decisão.A ordem não foi assinada, como é típico em decisões tomadas pelo tribunal em caráter de urgência.Os três juízes liberais da Suprema Corte discordaram publicamente da decisão. Leia mais: EUA restringem visto para mulheres trans em esportes femininos Erika Hilton recorre à ONU para denunciar visto americano com gênero errado Copa do Mundo 2026: Políticas anti-trans de Trump geram preocupação Em um voto dissidente por escrito, a juíza Ketanji Brown Jackson, acompanhada pelas juízas Sonia Sotomayor e Elena Kagan, afirmou que a Corte mais uma vez permitiu que uma política do governo Trump prosseguisse em caráter provisório “de uma maneira que permite que danos sejam infligidos à parte mais vulnerável”.“Ao impedir que americanos transgêneros obtenham passaportes que correspondam ao seu gênero, o governo está fazendo mais do que simplesmente declarar sua crença de que a identidade transgênero é ‘falsa’. A Política de Passaportes também convida ao escrutínio adicional, por vezes humilhante, que esses demandantes têm sofrido”, escreveu Jackson.A política do governo Trump reverte décadas de prática no Departamento de Estado dos EUA, que desde 1992 permitia que a designação de sexo no passaporte fosse diferente do sexo atribuído no nascimento mediante apresentação de documentação médica.Sob a presidência do democrata Joe Biden, o Departamento de Estado permitiu, em 2021, que os solicitantes de passaporte selecionassem o marcador de sexo masculino ou feminino sem a necessidade de documentação comprobatória, e adicionou uma terceira opção “X” para solicitantes não binários, intersexuais e com identidade de gênero não conforme.Em abril, a juíza distrital Julia Kobick, de Boston, concluiu que a política do governo Trump provavelmente discrimina com base no sexo e está enraizada em “preconceito irracional” contra americanos transgêneros, violando seus direitos de igualdade de proteção previstos na 5ª Emenda da Constituição dos EUA, além de infringir uma lei que rege as ações de agências federais.Erika Hilton à CNN: Trump não é dono dos EUA e nem da minha identidade | BASTIDORES CNNEm junho, a juíza bloqueou a aplicação da medida contra um grupo nacional de pessoas que solicitavam passaporte e que foram afetadas pela política.Desde que retornou à presidência em janeiro, Trump tem atacado os direitos das pessoas transgênero em uma série de decretos presidenciais, incluindo um que declara que o governo dos EUA reconhecerá apenas dois sexos, masculino e feminino.Trump classificou a identidade de gênero das pessoas transgênero como uma mentira.O governo solicitou repetidamente aos juízes este ano que interviessem para permitir a implementação de políticas de Trump que foram impedidas por tribunais inferiores.A Suprema Corte, que tem uma maioria conservadora de 6 a 3, tem se posicionado a favor do governo em quase todos os casos que foi chamada a analisar desde que Trump retornou à presidência em janeiro.Repressão aos direitos transEm maio, a Suprema Corte permitiu que o governo implementasse a proibição de Trump à entrada de pessoas transgênero nas Forças Armadas. O chefe do Pentágono, Pete Hegseth, posteriormente se referiu a pessoas transgênero como “caras de vestido”.Análise: Proibição de militares trans nos EUA reflete agenda conservadora de Trump | CNN 360ºEm agosto, o tribunal permitiu que o governo fizesse cortes drásticos nas verbas dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), incluindo pesquisas relacionadas à comunidade LGBT.Essas medidas fizeram parte de uma série de ações abrangentes do governo contra programas que promovem a diversidade ou a “ideologia de gênero”, às quais ele se opõe.Os demandantes no caso dos passaportes alegaram que ter marcadores de sexo em documentos oficiais que diferem de suas identidades de gênero os expõe a assédio e maus-tratos, incluindo acusações de apresentação de documentos de identidade falsos, inspeções de segurança adicionais e até mesmo detenção.Os demandantes afirmaram em um documento judicial que “buscam a mesma coisa que milhões de americanos consideram garantida: passaportes que lhes permitam viajar sem medo de serem identificados erroneamente, assediados ou sofrido violência”.O Departamento de Justiça afirmou ao Supremo Tribunal que a ordem de Kobick, que bloqueava a implementação da alteração na política de passaportes, era falha.“Os cidadãos comuns não podem obrigar o governo a usar designações de sexo imprecisas em documentos de identificação que não refletem o sexo biológico da pessoa – especialmente não em documentos de identificação que são propriedade do governo e um exercício do poder constitucional e legal do presidente de se comunicar com governos estrangeiros”, escreveram os advogados do Departamento de Justiça.Kobick recusou o pedido do governo para revogar sua liminar após a decisão histórica da Suprema Corte em junho, que confirmou a constitucionalidade de uma proibição, apoiada pelos republicanos, no Tennessee, ao atendimento médico de afirmação de gênero para menores transgêneros.Em setembro, o Tribunal de Apelações do 1º Circuito dos EUA, com sede em Boston, recusou-se a suspender a liminar concedida por Kobick enquanto o governo recorre da decisão.