Como o Raimundos quis provar sua seriedade em “Lavô Tá Novo”

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Quando foi lançado ao estrelato em 1994, o Raimundos representava a promessa de uma nova era do rock nacional. A combinação de hardcore com forró, o ouvido apurado para melodias e as letras engraçadas de Rodolfo Abrantes caíram no gosto do povo. Além disso, a banda era um caso de sucesso para os investimentos de grandes gravadoras em selos voltados para o mercado alternativo.Raimundos era o futuro. Entretanto, eles queriam provar que não era só piada de quinta série. Tinha substância por trás. Essa é a história de “Lavô Tá Novo”.Banguela RecordsNo começo dos anos 1990, as bandas de rock que reinaram na década anterior estavam em baixa. Ainda assim, seus integrantes tinham poder dentro das gravadoras — e alguns o usaram para incentivar uma nova geração. O Banguela Records foi criado a partir de uma proposta do jornalista gaúcho Carlos Eduardo Miranda, que carregava consigo uma mala cheia de fitas demo. Era um selo alternativo sob a alçada de uma major, dedicado a lançar bandas underground. O Titãs comprou a ideia e arrumou acordo de subsidiária da Warner. “Raimundos” (1994) foi o primeiro álbum lançado pelo Banguela Records. Ao vender mais de 100 mil cópias, deu a impressão de que tudo estava bem e a próxima geração do rock estava pronta para assumir. Entretanto, nenhuma das outras bandas assinadas conseguiu chegar ao nível de sucesso do quarteto brasiliense. Apesar de lançar clássicos como “Samba Esquema Noise”, do Mundo Livre S.A., além das estreias do Little Quail, Maskavo Roots e Graforréia Xilarmônica, a Banguela se viu numa situação de não ter dinheiro. E isso desagradou o Raimundos na hora de fazer o segundo álbum. A banda precisou ser “promovida”, por assim dizer. O guitarrista Digão resumiu a história em entrevista à Superinteressante:“Gravamos com baixo orçamento e vendemos 100 mil cópias. Depois, o Banguela gastou mais do que podia com outras bandas e nos propuseram um segundo disco com orçamento menor. A gente queria um produtor gringo. Aí apareceu a WEA (Warner-Elektra-Atlantic).” Raimundos foram transferidos para o selo principal da gravadora. O Banguela, por sua vez, fechou suas portas em 1995, em meio a problemas de gestão e uma relação estremecida entre Titãs e Warner. O baterista Charles Gavin explicou à Folha de S.Paulo em entrevista naquele mesmo ano:“O Banguela não deveria interferir nos negócios dos Titãs com a Warner. Mas sempre interferiu. Chegou num ponto em que realmente abalou nossa relação com a gravadora. O maior erro foi querer ajudar todo mundo. Depois de dois anos, a gente tinha mais de 50 bandas no selo. A Warner deu um toque preciso: ‘Vocês têm mais gente que nós. Estão loucos’. Mas a Warner não distribuiu bem, nem deu a atenção necessária para as bandas do selo. Depois de ser arrastado para uma troca de acusações com a Warner, a gente resolveu botar o Banguela para dormir.”Diferentes do restoAgora o problema era outro. O mercado aprendeu a lição errada do sucesso do Raimundos e começou a empurrar bandas cômicas. O Mamonas Assassinas tomou conta do país de um jeito avassalador através de suas canções escrachadas. A visão geral da indústria era: o rock nessa nova década seria assim.Isso ia contra os desejos do Raimundos. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Rodolfo reclamou de quem comparava Raimundos e Mamonas, mesmo reconhecendo o mérito do sucesso da banda paulista. Ele falou:“Não gosto quando comparam a gente. Não tem nada a ver. A gente quer fazer um som legal, tocar uma porrada, fazer uma zoeira, não fazer o público rir.”Para seu segundo álbum, o Raimundos queria expandir em cima das ideias da estreia e também soar bem mais pesado. O bom humor ainda estaria lá, mas não seria o foco. O escolhido para auxiliar nesse aspecto foi Mark Dearnley, engenheiro de som que trabalhou em alguns dos álbuns mais bem-sucedidos do AC/DC. O grupo australiano era um excelente caso de quem era capaz de aliar letras cheias de duplo sentido a uma sonoridade mais forte sem ser taxado de “rock cômico”.Apesar desse desejo de fazer algo que refletisse uma variedade musical maior e expandisse a percepção do público sobre a banda, o Raimundos entrou no estúdio com Dearnley com muita coisa ainda para compor. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Rodolfo contou:“Dois meses antes, quando paramos de fazer shows para nos dedicar às gravações, tínhamos cinco ou seis músicas prontas. Aí a gente acordou e viu: ‘Temos que fazer um disco’. Mas não foi difícil. As outras músicas foram saindo.”Curiosamente, uma das maneiras que a banda encontrou para se distanciar um pouco dessa fama foi apoiar-se na obra dos outros. Rodolfo conseguiu realizar seu sonho de trabalhar com seu ídolo, Zenilton, regravando duas canções do cantor de forró: “O Pão da Minha Prima” e “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)”.A participação de Zenilton no álbum não ficou resumida a suas canções. Ele e a banda deram uma roupagem forró-core para a canção popular “Esporrei na Manivela”, cuja letra aborda importunação sexual em transporte público.Havia espaço não apenas para ídolos. O amigo de infância de Rodolfo e líder do Little Quail, Gabriel Thomaz, ajudou a compor um dos maiores hits do álbum, “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”. O músico, futuro Autoramas, foi recrutado justamente por sua capacidade de compor canções mais melódicas. A letra descreve um encontro estapafúrdio com Madonna, a graça vindo da incomunicabilidade entre os dois em meio ao eu-lírico tentando dar em cima da cantora.Tragédia e cinismo da indústriaQuando chegou a hora de selecionar a primeira música de trabalho, o Raimundos fez questão de “Eu Quero Ver o Oco”. O tom da faixa era, propositalmente, muito distinto do principal hit da estreia, “Selim”. Rodolfo, Digão, Canisso e Fred queriam afirmar seu cacife como músicos hardcore.Em entrevista ao Canal RIFF transcrita por IgorMiranda.com.br, o baixista Canisso contou a origem da composição. Ele também aproveitou para explicar o significado do título:“Quando a gente fez a pré-produção do disco, ainda no Brasil, a gente tava ensaiando para alguma outra coisa, nem era pra gravar. Eu cheguei e o Digão estava fazendo esse riff. Ele tinha obsessão por esse riff e estava me deixando louco. E eu falei ‘Eu quero é ver o o-co’. Era uma expressão que o Liminha gostava de usar, tipo ‘F*da-se, eu quero é ver o oco, mermão’.”Para a capa, foram atrás de Seu Josias, o segurança do estúdio Be Bop, onde o Raimundos havia gravado sua estreia. Ofereceram cerca de R$500 para tirar uma foto dele e usar como símbolo do trabalho.“Lavô Tá Novo” saiu no dia 4 de novembro de 1995. Apesar de temores iniciais do tom menos escrachado resultar em vendas baixas, o álbum acabou passando de 400 mil cópias. Superou a estreia em todas as métricas. Mas as circunstâncias desse sucesso merecem ser analisadas.“Eu Quero Ver o Oco” saiu como single em outubro de 1995, seguida por “O Pão da Minha Prima” no mês de dezembro. Claramente, a gravadora quis enfatizar a veia humorística da banda após o primeiro compacto. E eles logo se viriam ocupando um vácuo trágico.Em março de 1996, todos os integrantes do Mamonas Assassinas morreram em um acidente aéreo na Serra da Cantareira, em São Paulo. O grupo naquele momento surfava um nível de sucesso enorme, com mais de três milhões de cópias vendidas de seu álbum de estreia.“Esporrei na Manivela” foi lançada como single naquele mesmo mês. O timing foi providencial. Virou hit. “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)” se tornou a música de trabalho seguinte em maio. Estourou também. “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)” fechou o ciclo de compactos no mesmo ano.Apesar da tentativa do Raimundos de mostrar ser algo além de uma banda escrachada, a indústria mesmo assim os posicionou desse jeito — talvez para suprir o que viam como demanda do público após a morte do Mamonas Assassinas. Isso pesou demais, a ponto de seu álbum seguinte, o ainda mais pesado e sério “Lapadas do Povo” (1997), estabelecer-se como uma reação drástica.https://open.spotify.com/intl-pt/album/7l5adEpdeFHKUIJDnXhmSSRaimundos — “Lavô Tá Novo”Lançado em 3 de novembro de 1995 pela Warner MusicProduzido por Mark DearnleyFaixas:Tora ToraEu Quero Ver o OcoOpa! Peraí, CacetaO Pão da Minha PrimaPitando no KombãoBestinhaEsporrei na ManivelaTá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)Sereia da PedreiraI Saw You Saying (That You Say That You Saw)Cabeça de BodeHerbocinéticaMúsicos:Rodolfo (voz, guitarra, triângulo)Digão (guitarra, backing vocals)Canisso (baixo, backing vocals)Fred (bateria)Músicos adicionais:Betinho (percussão na faixa 8)Bruno (percussão na faixa 8)Gabriel Thomaz (violão e voz em 10)Gibi (scratch na faixa 11)Guilherme Bonolo (percussão e voz na faixa 8)Hugo Hori (metais na faixa 3)Marcelo (metais na faixa 3)Rubão (voz da introdução na faixa 3)Tiquinho (metais na faixa 3)X (rap na faixa 11)Zenilton (sanfona na faixa 7; vocais nas faixas 7 e 8)Quer receber novidades sobre música direto em seu WhatsApp? Clique aqui!Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.O post Como o Raimundos quis provar sua seriedade em “Lavô Tá Novo” apareceu primeiro em Igor Miranda.