A direita quer que as facções criminais, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, sejam consideradas organizações terroristas por lei; a esquerda não quer. O PT não quer.O argumento da direita é que as facções desafiam o monopólio da violência pelo Estado; dominam porções do território nacional, impondo as próprias regras e aterrorizando populações; não visam apenas ao lucro, mas pretendem subverter a ordem institucional; têm ramificações internacionais que ameaçam a segurança do hemisfério.O PT, por sua vez, afirma que não há “nota ideológica” nas ações das facções. Diz o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski:”Uma coisa é terrorismo, outra são facções criminosas. O terrorismo envolve sempre uma nota ideológica, uma atuação política, repercussão social e fatores ideológicos. Já as facções criminosas são constituídas por grupos que sistematicamente praticam crimes previstos no Código Penal. É muito fácil identificar o que é uma facção criminosa. Já o terrorismo envolve uma avaliação mais subjetiva.”De fato, é tão subjetiva, que o PT e o seus aliados conseguiram a proeza de tirar justamente a motivação político-ideológica, citada pelo ministro, de atos enquadrados como terroristas pela lei brasileira.A nossa legislação é uma jabuticaba que fala apenas em ações levadas a cabo por “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.A justificativa é que uma lei que incluísse motivação política poderia criminalizar ações de movimentos sociais — que são linhas auxiliares do partido, como o MST, notório por invasões de fazendas e com histórico de depredações de patrimônio privado e público.Aliás, para dar área de manobra aos puxadinhos do PT, a lei em vigor diz que ela “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.Voltado ao busílis do dia, o PT também se opõe à inclusão das facções criminosas na legislação antiterrorista por medo de Donald Trump. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, só faltou vestir branco para ser mais clara quanto a um dos receios petistas.Ela escreveu no X que “ao invés de somar forças no combate ao crime organizado, como propõe a PEC da Segurança enviada pelo presidente Lula ao Congresso, os governadores da direita, vocalizados por Ronaldo Caiado, investem na divisão política e querem colocar o Brasil no radar do intervencionismo militar de Donald Trump na América Latina”.O que ela não diz é que, se facções criminosas forem consideradas terroristas, a motivação político-ideológica teria de entrar na lei de algum jeito, com consequências previsíveis para atos protagonizados por movimentos sociais. Esse é o receio oculto.Não sei dizer se classificar facções criminosas como terroristas ajuda a combatê-las. Nutro minhas dúvidas. Indubitável é a urgência de os brasileiros terem, de fato, segurança pública digna desse nome.O ponto mais interessante, pelo menos para mim, é a dificuldade do PT com o conceito de terrorismo. Lembre-se de que, além da proteção dada à violência das suas linhas auxiliares na lei brasileira, o partido não considera que o palestino Hamas e o libanês Hezbollah sejam grupos terroristas, entre outros clubes de gente boa que barbarizam lá fora. Para o petismo, as Farc colombianas não o eram, igualmente.Todos são vistos como movimentos de resistência: anticolonial, por autodeterminação, contra a exploração capitalista, escolha você. Se é pelo bem da humanidade, o vale tudo é sem fronteiras.Essa recusa em reconhecer que grupos terroristas são terroristas não se resume a conveniências de circunstância. Tem causa genealógica: vários dos integrantes do PT são provenientes de grupos de esquerda engajados na luta armada contra a ditadura militar, que o regime dos generais classificava como terroristas.Note-se, por favor, que, ao contrário da mitologia martelada pelos petistas e adjacências, nenhuma dessas organizações lutava pela democracia. Os seus militantes queriam substituir a ditadura militar pela ditadura do proletariado, e a sua rotina consistia basicamente em promover atos terroristas (explosões, sequestros, execuções) para desafiar os generais. Ao que a caserna reagiu como o pior dos terrorismos, o de Estado.O comunista Carlos Marighella, da Ação Libertadora Nacional, era o cérebro da luta armada. Tido como o inimigo número 1 da ditadura militar brasileira, é romantizado como herói da resistência por ter sido covardemente assassinado por agentes da ditadura.Não que ele pregasse fazer coisa diferente com os seus inimigos. No seu Minimanual do Guerrilheiro Urbano, lançado clandestinamente em 1969, ele diz o seguinte sobre execuções:“Execução é matar um espião norte-americano, um agente da ditadura, um torturador da policia, ou uma personalidade fascista no governo que está envolvido em crimes e perseguições contra os patriotas, ou de um “dedo duro”, informante, agente policial, um provocador da policia.Aqueles que vão à polícia por sua própria vontade fazer denúncias e acusações, aqueles que suprem a polícia com pistas e informações e apontam a gente, também devem ser executados quando são pegos pela guerrilha.A execução é uma ação secreta na qual um número pequeno de pessoas da guerrilha se encontram envolvidos. Em muitos casos, a execução pode ser realizada por um franco-atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue-frio.”Carlos Marighella não tinha nenhum problema em usar a palavra “terrorismo” para definir o que pregava e fazia. Para ele, o terrorismo não era apenas obra exclusiva do inimigo. Achava legítimo que atos terroristas, definidos como tal, fossem praticados pela esquerda, uma vez que a verdade, a justiça e o bem estavam com ela. Leia-se o que Carlos Marighella escreveu no seu manual:“O terrorismo é uma ação, usualmente envolvendo a colocação de uma bomba ou uma bomba de fogo de grande poder destrutivo, o qual é capaz de influir perdas irreparáveis ao inimigo.O terrorismo requer que a guerrilha urbana tenha um conhecimento teórico e prático de como fazer explosivos.O ato do terrorismo, fora a facilidade aparente na qual se pode realizar, não é diferente dos outros atos da guerrilha urbana e ações na qual o triunfo depende do plano e da determinação da organização revolucionária. É uma ação que a guerrilha urbana deve executar com muita calma, decisão e sangue frio.Ainda que o terrorismo geralmente envolva uma explosão, há casos no qual pode ser realizado execução ou incêndio sistemático de instalações, propriedades e depósitos norte-americanos, fazendas etc. É essencial assinalar a importância dos incêndios e da construção de bombas incendiárias na técnica de terrorismo revolucionário. Outra coisa importante é o material que a guerrilha urbana pode persuadir o povo a expropriar em momentos de fome e escassez, resultados dos grandes interesses comerciais.O terrorismo é uma arma que o revolucionário não pode abandonar.”É isto, companheiros: o passado da esquerda brasileira não explica toda a dificuldade do PT em criminalizar o terrorismo com motivação política, seja no discurso ou na letra da lei, mas explica bastante.