Educação: indígenas viram professores em programa nacional

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Uma educação que valoriza raízes, cantos e saberes tradicionais, sem deixar de apontar para o futuro em um novo território. Essa educação foi a demanda que mobilizou a comunidade indígena Warao na Região Metropolitana de Belém, no Pará. O esforço, articulado pelo Conselho Warao Ojiduna (CWO) – uma das primeiras organizações formadas em contexto de deslocamento forçado no Brasil – resultou na inclusão de seis alfabetizadores no Programa Brasil Alfabetizado, iniciativa pioneira no país.O caminho foi aberto pelo documento “Karata Inamina Isia – Premissas para elaboração de um Plano de Educação Indígena Warao”, produzido pelo CWO com apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Baseado em escutas feitas em comunidades de Belém e Ananindeua, o plano consolidou as principais demandas do povo e possibilitou a contratação inédita.No Pará, o Brasil Alfabetizado é executado pela Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e oferece aulas em três línguas – Warao, espanhol e português – a 90 jovens, adultos e idosos em Outeiro, Tapanã e Ananindeua. Para Wannice Bandeira, gestora do programa no Estado, a ação coloca o Pará em evidência. “É uma iniciativa única no Brasil, que alia inclusão, oportunidade de renda e dignidade”, afirma. Ela acrescenta que está em andamento um termo de cooperação com a Uepa para a criação de materiais próprios de alfabetização, construídos junto aos professores indígenas.O programa faz parte de uma das 12 ações do Pacto pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos (EJA), política nacional que busca reduzir a taxa de analfabetismo, hoje em 5,4% da população acima de 15 anos.Foto: DivulgaçãoDesafios e futuroMesmo com avanços, barreiras persistem. Dados do CWO mostram que, em novembro de 2024, cerca de 180 crianças e jovens e outros 90 adultos Warao estavam matriculados nas redes municipais de Belém, Ananindeua e Benevides. A falta de uma abordagem diferenciada segue como obstáculo. “Apesar de termos direito, não temos acesso a uma educação diferenciada, que valorize nossa cultura”, diz Josefina Jimenez, integrante do CWO e uma das alfabetizadoras contratadas.Ela vê o atual programa como parte de um projeto maior. “Queremos que os jovens de hoje possam chegar à universidade e, no futuro, apoiar outros irmãos Warao. E sempre ensinando nossa cultura e costumes, porque por nada no mundo deixaremos nossa cultura”, declara.As aulas trilíngues aproximam alfabetizadores e estudantes, unindo conhecimento formal e tradições, e reforçam a ideia de que aprender pode ser também um exercício de pertencimento cultural.Foto: DivulgaçãoCaminho de lutaA chegada dos Warao a Belém começou em 2017, impulsionada pela crise na Venezuela. Desde então, lideranças têm pressionado o poder público por direitos básicos. Em 2018, o projeto Kuarika Naruki, feito em parceria com a Semec, Seduc, Seaster e Uepa, não chegou a ser implementado, mas trouxe contribuições importantes para a pauta da educação indígena.Nos anos seguintes, a mobilização se intensificou. Em 2022, nasceu o Conselho Warao Ojiduna, fruto do projeto “Povos das Águas: Waraotuma Kokotuka Saba”, do IEB, com apoio do ACNUR. Em junho de 2024, o Conselho lançou o Obonoya Kotai Saba (Plano de Ação do CWO), que inclui o Protocolo de Saúde Warao e o Plano de Educação.Entre as reivindicações centrais do documento está a criação de uma escola indígena própria, com transporte escolar e merenda diferenciada, preparada por cozinheiras Warao. A proposta também prevê um currículo que incorpore saberes tradicionais: história, cantos e bailes ancestrais, ciências da natureza, artesanato e práticas corporais próprias. Leia também: 1.Quando a educação e a renda chegam, a liberdade floresce 2.Educação ambiental deve ser tema interdisciplinar na escola 3.Crianças plantam mudas após serem alfabetizadas em SP Para Clémentine Maréchal, antropóloga e analista socioambiental do IEB, o avanço precisa se tornar política pública. “Este é um primeiro passo fundamental rumo à educação diferenciada para o povo Warao. A contratação de alfabetizadores Warao para atuar em suas próprias comunidades, usando seus idiomas (warao, espanhol e português) e seus métodos, é um grande avanço”, avalia.Ela reforça, no entanto, que o desafio é torná-lo contínuo. “Esta iniciativa abre precedente para os Warao pleitearem a contratação formal de professores pelo governo. Além disso, proporciona aos alfabetizadores uma oportunidade de desenvolver metodologias próprias de ensino e estruturar uma proposta de educação diferenciada, acumulando experiência para seguir lutando pelas demandas do Plano de Ação, como a criação de uma Escola Indígena Warao”, conclui.The post Educação: indígenas viram professores em programa nacional appeared first on CicloVivo.