Há pouco mais de uma semana, em um hotel de Fortaleza, durante a filiação que selou a sua volta ao PSDB depois de quase trinta anos, o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes fez uma série de cumprimentos enquanto discursava — nenhum, porém, tão efusivo quanto o elogio a André Fernandes (PL), que recebeu um aperto de mão e foi chamado de “jovem talento”. Estrela do bolsonarismo no Nordeste, o deputado federal de 27 anos surpreendeu em 2024 ao travar uma das disputas mais acirradas em capitais, quando perdeu para Evandro Leitão (PT) por 0,76 ponto percentual. No evento, havia outros nomes da direita cearense, como o pastor e deputado estadual Alcides Fernandes (PL), pai de André e pré-candidato ao Senado, e o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil), segundo colocado ao governo em 2022. No meio de novos aliados, Ciro disparou contra o governador Elmano de Freitas (PT) e disse que ia “tirar a máscara” do ex-governador e hoje ministro Camilo Santana (PT). Por fim, acenou com a hipótese de enfrentar o petismo em 2026 na disputa ao governo estadual. “Se o juízo mandasse em mim, nunca mais seria candidato. Mas o juízo é pouco aqui. Quem manda aqui é o coração”, disse, numa das declarações mais sinceras de sua carreira política.A aproximação com o bolsonarismo dá o tom na sétima mudança de partido de Ciro desde o início de sua carreira política. Marca também uma nova inflexão de um político guiado pela flutuação ideológica. Ele estreou na política em 1982, quando se elegeu deputado estadual pelo PDS, partido de seu pai, José Euclides Ferreira Gomes, então prefeito de Sobral. A legenda na qual debutou era herdeira da Arena, o grupo que deu sustentação à ditadura militar, que ainda estava em vigor. No ano seguinte, já trocou de lado, ao migrar para o PMDB, que fazia oposição ao regime. Sete anos depois, vestia a camisa da social-democracia ao filiar-se ao PSDB, pelo qual tornou-se o governador mais jovem do país, aos 33 anos, em 1991. Deixou a sigla em 1997, passou por “experiências socialistas” no PPS (herdeiro do PCB), depois no PSB, abraçou o trabalhismo brizolista no PDT e agora volta ao ninho tucano, somando oito partidos em 43 anos de vida política (veja o quadro).A saída do PDT não foi tranquila. O presidente nacional da legenda, Carlos Lupi, disse que ficou triste com o modo como se deu a despedida: um comunicado escrito, de três ou quatro linhas, enviado depois que o fato já havia sido noticiado. “Ele não me ligou. Eu não trabalho com mágoa, raiva, mas, depois de tantos anos de convivência, não trocar uma palavrinha?”, desabafou Lupi a VEJA. “Foi uma casa que o abrigou durante quinze anos, não foram quinze dias”, completou o dirigente, para quem Ciro tem “uma das maiores inteligências que já viu na vida, mas que é um homem de temperamento muito feroz”.Foi esse gênio que tornou a permanência no PDT “insustentável”, como descreveu o próprio Ciro. O rompimento começou na eleição de 2022, depois de divergências sobre a relação que o partido teria com o PT no Ceará: Ciro queria independência, enquanto outra ala defendia uma aproximação. Desse último grupo fazia parte o irmão mais novo, o senador Cid Gomes. O resultado foi um racha que culminou nos petistas lançando seu candidato ao governo, Elmano de Freitas, eleito em primeiro turno.AMIGOS - Camilo, Elmano e Cid: irmão de Ciro mantém apoio ao governo petista (Geraldo Magela/Agência Senado)A disputa partidária, então, tornou-se também familiar, com brigas em eventos públicos e na Justiça, que culminaram em Ciro e Cid caminhando para lados opostos. A desavença afeta os outros três irmãos: Lúcio, o mais velho, é diretor da Companhia das Docas do Ceará, cargo que teria assumido por indicação de Camilo. Lia, a caçula, é secretária das Mulheres do governo Elmano. Já Ivo, ex-prefeito de Sobral, reduto dos Gomes, migrou para o PSB, partido que é presidido no estado por Eudoro Santana, pai de Camilo. Se Ciro de fato concorrer ao governo em 2026, será o maior constrangimento da vida de Cid, segundo palavras do senador em maio, por ter que subir em palanque oposto ao do irmão. Questionado recentemente sobre a hipótese, Cid desconversou: “Você nunca vai me ver falando mal de adversário, muito menos do meu irmão”.O cenário não é tão difícil de acontecer porque Ciro é visto como a única candidatura capaz de tirar o petismo do poder. Além disso, a direita sonha com um candidato forte, que pode dar tração às candidaturas ao Senado, em especial à de Alcides Fernandes, cujo nome o próprio Ciro lançou durante o evento de sua volta ao PSDB. Em entrevista na terça 28, André Fernandes disse que uma provável aliança do bolsonarismo com Ciro foi autorizada pelo próprio Jair Bolsonaro e que todas as movimentações dele no estado, onde preside do PL, têm o aval do ex-presidente. “Eu levei essa ideia (de apoiar o Ciro) ao presidente Bolsonaro. Ele me ouviu, ele me entendeu e ele me mandou tocar”, relatou.NA BRONCA - Lupi critica a saída de ex-aliado do PDT: “Ele nem me ligou” (Lula Marques/Agência Brasil)Apesar da mágoa com antigos aliados, em especial o PT — ele foi ministro da Integração Nacional no primeiro mandato presidencial de Lula (2003 a 2006) —, nem tudo é ressentimento na reestreia política de Ciro. Na filiação, ele disse que a volta ao ninho tucano é uma chance de “recomeço”. É assim para o PSDB também, sigla que minguou nos últimos anos com a desfiliação ou aposentadoria de seus principais quadros. Para o presidente nacional da legenda, Marconi Perillo, a chegada do ex-pedetista vem em boa hora. “É um político histórico para o país, tem nome, tradição e serviços prestados ao país como ministro e governador de estado”, afirma. Na avaliação do cientista político e professor da ESPM Paulo Ramirez, a visibilidade que Ciro traz pode dar um respiro ao partido. “Apesar de uma série de erros estratégicos, Ciro é uma das raras figuras políticas brasileiras capazes de gerar comoção”, entende.Essa é uma preocupação necessária para os tucanos, que hoje só contam com treze deputados. Nas eleições do ano que vem, as regras para as legendas terem direito ao fundo eleitoral e à propaganda gratuita no rádio e na TV ficarão mais duras. As siglas precisarão eleger ao menos treze deputados ou ter 2,5% dos votos válidos para a Câmara — antes, eram onze parlamentares ou 2% dos votos. É essa regra, chamada de cláusula de desempenho, que vem restringindo o número de siglas e, por conseguinte, as possibilidades de troca-troca partidário. Desde que a reforma foi implementada, há oito anos, diminuiu o número de legendas com influência no Congresso. “O peso político de um partido que tem um deputado eleito não é o mesmo de outro que tem 99. Temos 29 partidos registrados, mas os que realmente influenciam o processo decisório são só nove”, diz o professor da FGV Carlos Pereira.CLÃ - Ivo, Lia, Lúcio, Ciro e Cid, com a mãe, Mazé Gomes: família de políticos (Wellington Macedo/.)Além do excesso de siglas, outro motivo para fluidez partidária é a falta de consistência doutrinária das legendas. “Elas não são agregações feitas por crenças, ideias de mundo partilhadas, mas de oportunidades de sobrevivência eleitoral”, analisa Pereira. Essas mudanças constantes causam confusão ao eleitor. Como não há ideologia clara, não há ganho para o político em abordar o cidadão dizendo a qual partido pertence, e a preferência é por exaltar a conexão com feitos individuais. “Temos um personalismo muito grande”, diz Ramirez. É essa a lógica que moveu Ciro todos esses anos por tantas siglas partidárias, que lhe deram espaço para disputar quatro eleições presidenciais, o maior número depois de Lula (seis). De volta à velha casa, já começa a mexer na arrumação, acenando à direita e atacando a esquerda, de olho em seu projeto para 2026.Com VejaO post Na sétima mudança de partido de Ciro Gomes, aproximação com o bolsonarismo dá o tom apareceu primeiro em Vitrine do Cariri.