Recentemente, em meio aos atendimentos, um casal idoso me fez refletir profundamente sobre uma pergunta ainda comum: “Será que o sexo é só coisa de jovem?” A consulta seguiu com temas como convivência, empatia, respeito mútuo e escuta sensível. Mas a sexualidade na terceira idade continuou ecoando em mim como um assunto que ainda enfrenta muitos equívocos e silenciamentos.A sexualidade vai muito além do ato sexual. Envolve afeto, toque, desejo, autoestima e reconhecimento da própria identidade. Por muito tempo, prazer e intimidade foram tratados como exclusividade da juventude, como se o envelhecimento apagasse o direito de sentir e se conectar afetivamente. Mas a verdade é simples e potente: o desejo não tem prazo de validade.Sexualidade madura é mais livre e conscienteA sexualidade acompanha o ser humano ao longo da vida, ainda que se transforme com o tempo. Na maturidade, ela pode se tornar mais sensível, mais consciente e mais livre. Reconhecer, respeitar e valorizar essa dimensão é fundamental para um envelhecimento com qualidade de vida.Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sexualidade é “um aspecto central do ser humano ao longo da vida, que abrange o sexo, as identidades e papéis de gênero, a orientação sexual, o erotismo, o prazer, a intimidade e a reprodução”. Ou seja, não se limita ao corpo jovem – e muito menos ao desempenho. O desejo, o afeto e o prazer continuam presentes, ainda que se expressem de formas diferentes.Mudanças fisiológicas, hormonais e emocionais podem afetar como o corpo sente, responde e deseja. Mas isso não representa o fim da vida sexual – e, sim, uma nova forma de vivê-la. O vínculo afetivo, o toque, o carinho, os abraços e a intimidade ganham ainda mais valor. Muitos casais relatam melhora na qualidade darelação, com mais cumplicidade e menos cobranças por desempenho.O erotismo também envelhece – e se ressignificaO foco deixa de estar exclusivamente no ato sexual e passa a incluir outras formas de prazer: beijos, massagens, contato pele a pele, conversas íntimas e troca de afeto. O erotismo permanece – apenas se expressa de maneira mais ampla e integrada ao contexto afetivo e à vivência da maturidade.Diversos fatores influenciam a sexualidade na velhice. Entre os biológicos, destacam-se alterações hormonais (menopausa, andropausa), doenças crônicas (como diabetes e hipertensão), uso de medicamentos que afetam a libido e a resposta sexual, além de mudanças físicas, como ressecamento vaginal ou disfunção erétil. Questões reais, mas muitas vezes tratáveis, sobretudo com acolhimento profissional.Há também fatores psicológicos (autoimagem, luto, depressão, solidão) e sociais ou culturais (tabus, normas de gênero, religiosidade, falta de privacidade em instituições ou casas com filhos e cuidadores). A sexualidade na velhice é, portanto, multidimensional – atravessada por corpo, mente e contexto social.Falar sobre isso é promover dignidadeA formação médica ainda apresenta lacunas na abordagem da sexualidade do idoso, o que dificulta conversas abertas e acolhedoras. Mudar essa postura é urgente. Profissionais de saúde devem encorajar pacientes e famílias a tratar o tema como parte natural do cuidado integral. Afinal, a sexualidade, assimcomo a dor ou a pressão arterial, deveria ser pauta nos consultórios.Infelizmente, ainda é comum que médicos e cuidadores evitem o assunto – por despreparo ou por acreditarem que os mais velhos não se interessam mais por isso. Esse silêncio, no entanto, pode gerar sofrimento e até riscos à saúde, como infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que vêm crescendo entre idosos, especialmente após viuvez, separações ou novos relacionamentos.É fundamental incluir orientações sobre preservativos nas consultas, explicando que eles não servem apenas como método contraceptivo, mas também como proteção contra ISTs. Também vale indicar o uso de lubrificantes à base de água para prevenir desconfortos. Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp! WhatsApp ConclusãoPromover a saúde sexual na terceira idade é reconhecer que o desejo, o afeto e o prazer continuam vivos. Falar sobre sexualidade com naturalidade e respeito é cuidar do corpo, da autoestima, da identidade e dos vínculos afetivos. Profissionais de saúde têm papel fundamental ao acolher esse tema sem tabus, oferecendo escuta qualificada e orientações claras. Garantir esse espaço de diálogo é mais do que uma conduta clínica: é um compromisso com a dignidade, a segurança e a autonomia de quem continua vivendo – e redescobrindo o prazer – na longevidade.Dra. Julianne PessequilloCRM 160.834 // RQE 71.895Geriatria e Clínica Médica – Longevidade saudável