Megaoperação no Rio: o que se sabe e o que falta esclarecer

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A megaoperação policial que transformou os complexos do Alemão e da Penha em um dos episódios mais violentos da história recente do Rio de Janeiro, com mais de 120 mortos, ainda é cercada por questionamentos e pontos a serem esclarecidos. Enquanto as autoridades de segurança defendem a ação como o “maior baque” já sofrido pelo Comando Vermelho, familiares e entidades de direitos humanos clamam por transparência e responsabilização. O GLOBO reúne, com base nas declarações oficiais e nos relatos de moradores, o que já se sabe e o que ainda carece de esclarecimentos em cada ponto crucial do caso.Quem são os mortosO que se sabe: até a noite de quinta-feira, a polícia confirmava 121 mortos na megaoperação que, segundo saldo oficial, são 4 policiais e 117 suspeitos, tornando-a a operação mais letal da história. Os corpos periciados no Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto começaram a ser liberados para as famílias na manhã desta quinta-feira.O que falta esclarecer: A polícia ainda trabalha na confirmação da identidade de todos os 117 suspeitos, tendo solicitado acesso a bancos de dados de outros estados, já que alguns dos mortos seriam de fora do Rio. A vinculação dos mortos à cúpula da facção criminosa ou aos alvos diretos dos mandados de prisão não foi detalhada. O governador Cláudio Castro (PL) afirmou, antes da divulgação das identidades, que todos os mortos, exceto os policiais, seriam criminosos, pois o confronto se deu em área de mata.Leia tambémGoverno do Rio identifica 99 mortos em operação; 42 eram alvos de mandados de prisãoComo “relevante histórico criminal”, disse secretário, estão pessoas envolvidas com tráfico de drogas, roubo e assassinatoArmas ApreendidasO que se sabe: as forças de segurança apreenderam um volume recorde de armamentos em uma única ação: 118 armas de fogo, incluindo 91 fuzis, 26 pistolas e 1 revólver. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, considerou a ação uma “grande perda de armas” para o Comando Vermelho.O que falta esclarecer: não foi informado pelas autoridades se foram apreendidas armas com os corpos encontrados posteriormente na área de mata. As autoridades não detalharam quantas das 118 armas foram apreendidas durante os confrontos diretos e quantas estavam em áreas isoladas ou foram abandonadas após os tiroteios.Quem são os presos O que se sabe: a operação resultou na prisão de 113 pessoas, entre as quais há o registro da apreensão de dez menores. O principal alvo capturado foi o traficante Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão. Ele é considerado o braço direito de Edgard Alves de Andrade, o Doca — um dos chefes máximos do CV na região. O traficante possuía seis mandados de prisão expedidos pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) por crimes como tráfico de drogas, comércio de armas e confrontos com quadrilhas rivais. Também foi detido Nikolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro de Doca. Ele era responsável por gerenciar a contabilidade do tráfico, o abastecimento de armas e drogas, a comunicação interna e o pagamento dos “soldados” da facção.O que falta esclarecer: apesar da prisão de figuras importantes, ainda não há informações detalhadas sobre quantos dos demais presos — sendo dez menores apreendidos — possuíam posição de liderança ou função estratégica dentro da hierarquia do Comando Vermelho. Além disso, a polícia ainda não informou o nome dos presos e quantos já passaram por audiência de custódia. O principal alvo da operação, o traficante Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, chefe do tráfico no Alemão e na Penha, continua foragido. A polícia não informou o possível paradeiro dele após a ação nem se as prisões de Belão e Nikolas forneceram pistas concretas.As imagens das câmeras corporaisO que se sabe: O Secretário da Polícia Militar do Rio, Marcelo de Menezes, afirmou que as câmeras corporais podem não ter registrado toda a megaoperação devido à duração da bateria, de cerca de 12 horas. A movimentação das tropas começou na madrugada (por volta das 3h), e o cenário de intenso confronto impediu a substituição das baterias, o que teria levado à interrupção das gravações em determinado momento. Menezes garantiu que todas as premissas da ADPF das Favelas foram cumpridas e que as imagens captadas serão disponibilizadas aos órgãos de controle.O que falta esclarecer: ainda não está claro quantos policiais usavam câmeras corporais na operação. As autoridades não informaram quantas imagens foram gravadas e em que momento os registros foram interrompidos. Falta detalhamento sobre como será feita a análise e a divulgação dos vídeos captados pelas equipes aos órgãos de controle.A estratégia do ‘muro do Bope’ e a alta letalidadeO que se sabe: o planejamento da operação durou 60 dias e incluiu o chamado “muro do Bope”: outros batalhões subiram as favelas para “empurrar” os traficantes para a área de mata anexa, rota de fuga, onde encontraram um paredão de agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope). O Secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Santos, defendeu a estratégia, afirmando que o objetivo era preservar a vida dos moradores, levando o confronto para a área não edificada. Santos classificou a alta letalidade como “previsível, mas não desejada”, reiterando que a polícia tem “a base para dizer que os 115 mortos são criminosos”, pois seria improvável que inocentes estivessem na mata fechada.O que falta esclarecer: não há informações precisas sobre quantos dos 117 mortos foram encurralados especificamente nessa região de mata ou como a tática do “muro do Bope” influenciou o alto número de óbitos.Buscas e retirada dos corpos na mata por moradoresO que se sabe: familiares e parentes entraram na mata e retiraram mais de 70 corpos, levando-os para uma praça da Penha. As autoridades alegam não terem tido conhecimento da existência desses corpos e que, durante o confronto, era impossível realizar qualquer outra ação além de preservar a vida dos agentes. O Secretário de Polícia Civil do Rio, Carlos Oliveira, criticou a ação, lembrando que o protocolo exige a comunicação à corporação, o acionamento da Delegacia de Homicídios e a perícia de local antes da remoção, o que foi impossibilitado. A 22ª Delegacia de Polícia instaurou inquérito para apurar uma possível fraude processual na remoção dos corpos, uma vez que os agentes alegam que houve retirada de coletes e armamentos.O que falta esclarecer: não há informações precisas sobre o número total de corpos encontrados na mata e como será feita a identificação completa. A Defensoria Pública do Rio foi impedida de acessar a sala de perícia e necropsia no IML, gerando preocupação sobre a transparência e fiscalização dos procedimentos. Ainda não está definido quando as equipes policiais e peritos retornarão ao local para realizar os procedimentos formais, nem se haverá perícia independente para apurar as causas das mortes.A cúpula do Comando Vermelho e Doca da PenhaO que se sabe: a operação tinha como alvo integrantes do Comando Vermelho, com expedição de 180 mandados de busca e apreensão e 100 de prisão. Foram presos 113 suspeitos, incluindo 33 de outros estados, o que Curi considerou um grande golpe na facção. Entre os presos estão Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo (um dos chefes regionais do CV), e Nicolas Fernandes Soares (apontado como operador financeiro de um alto chefe). O principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, chefe do tráfico no Alemão e Penha e investigado por mais de 100 homicídios, segue foragido. O Disque Denúncia aumentou a recompensa por informações sobre ele para R$ 100 mil.O que falta esclarecer: não há detalhes sobre quantos dos mortos pertenciam, de fato, à cúpula da facção ou estavam entre os alvos dos mandados. O paradeiro de Doca da Penha, o traficante mais procurado da operação, não foi informado.Questionamentos dos parentes e ação da RAAVEO que se sabe: parentes na porta do IML relatam diversas denúncias, como a alegação de que pessoas teriam tentado se render, mas foram mortas mesmo assim. Há questionamentos sobre a ausência de perícia adequada nos locais das mortes e sobre corpos que teriam sido encontrados com sinais de facadas e mutilações (ainda não confirmado oficialmente). A Rede de Atenção a Pessoas Atingidas pela Violência de Estado (RAAVE) montou uma força-tarefa no IML, oferecendo apoio jurídico e psicológico e auxiliando as famílias a localizar parentes (mortos, presos ou desaparecidos) em parceria com a Defensoria Pública.O que falta esclarecer: as alegações de morte por rendição e a existência de corpos com sinais de mutilação ainda precisam ser investigadas e confirmadas ou refutadas pelas perícias oficiais. Os parentes acusam falta de apoio nas buscas por corpos desaparecidos na mata, que estariam sendo realizadas apenas por moradores.Reação política e ADPF das FavelasO que se sabe: o governador Cláudio Castro (PL) defendeu enfaticamente a operação, afirmando que “não temos medo de órgão de controle algum” e que o Estado não escondeu corpos. Castro anunciou que receberá o ministro Alexandre de Moraes, novo relator da ADPF 635 (a das Favelas), na próxima segunda-feira no CICC, e não no Palácio. O secretário Felipe Curi criticou duramente o governo federal e a narrativa de que traficantes seriam vítimas, defendendo que a polícia é o herói e desafiando agências internacionais a fazerem o trabalho que as polícias do Rio fazem.O que falta esclarecer: resta saber qual será o posicionamento e as medidas a serem tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes em relação à letalidade da megaoperação, sob a luz das regras estabelecidas na ADPF 635.  The post Megaoperação no Rio: o que se sabe e o que falta esclarecer appeared first on InfoMoney.