Escrevo sobre alterações climáticas. Se, nos dias que correm, um artigo sobre este tema tem quase sempre um tom catastrofista, aqui pretendo falar de uma das soluções mais eficazes para o problema. Uma solução que já foi colocada em prática e está a produzir resultados: os mercados de carbono.Há vários anos, décadas mesmo, que as emissões de gases com efeito de estufa da União Europeia e de Portugal têm vindo a cair, mesmo em período de crescimento económico. Tal não é um milagre, é o resultado de um conjunto de políticas que o continente põe em prática, incluindo a subsidiação das energias renováveis ou dos veículos elétricos. Mas não só. Um esforço europeu e do mundo A União Europeia foi o primeiro grande bloco a decidir colocar um preço sobre as emissões de carbono dos seus setores industriais, dando início a este mercado. Desde 2005 que todas as emissões industriais, incluindo a geração de energia – principal fonte de emissão à altura – estão sujeitas ao regime do Comércio Europeu de Licenças de Emissão, vulgo CELE. A ideia é simples: coloquemos um limite anual sobre o total de emissões permissíveis. Atribuamos licenças a cada instalação (existem diferentes modos de atribuição – desde a atribuição gratuita, de acordo com as emissões históricas, até à compra obrigatória em leilão). Permita-se, enfim, que as empresas ajustem os seus planos de produção de acordo com a capacidade de responder às exigências que o mercado lhes coloca. Se uma empresa necessitar de aumentar a sua produção e, consequentemente, as suas emissões, deverá comprar as licenças de emissão disponíveis no mercado. Fonte: Gráfico baseado em dados da ENTSO-E.Desta forma, a licença de emissão não utilizada passa a constituir um ativo financeiro. Essa financialização das emissões irá resultar num incentivo constante à eficiência energética e carbónica, à melhoria tecnológica e ao abandono de formas de energia intensivas em carbono. Não é coincidência, por isso, que as diferentes empresas energéticas em Portugal tenham decidido avançar o calendário para o fim da produção de eletricidade com recurso ao carvão. Com a maior competitividade dos recursos renováveis e o preço da licença de carbono a níveis de €70 por tonelada de CO2, a produção de eletricidade com recurso a carvão encerrou o seu capítulo da história do sistema energético português. Outro facto também menos conhecido é que a trajetória do limite global de emissões dos setores industriais incorporados no CELE já está estabelecida legalmente e tem como horizonte o valor zero em 2039. Não é um exagero – é mesmo isso: em 2040, os setores industriais afetados – refinaria, produção de eletricidade, papel e pasta de papel – terão de cobrir qualquer emissão ainda existente com licenças obtidas, muito provavelmente, com base em projetos de remoção de emissões a partir da atmosfera. Tal remoção poderá ter origem em projetos de florestação e reflorestação – ou outras tecnologias de remoção biológica, como o ‘biochar’ – mas será também proveniente da remoção tecnológica, através de inovações ainda hoje iminentemente experimentais, tais como a captura direta de dióxido de carbono do ar. Adicionalmente, o sistema CELE irá cobrir os setores dos transportes terrestres e marítimos, assim como as emissões de calor residencial já a partir de 2027 e está em estudo a cobertura, com um sistema semelhante, das emissões provenientes da agricultura e dos resíduos. A Europa não está sozinha A reputação do CELE e os resultados obtidos têm inspirado outras regiões. À cabeça, o maior mercado mundial de carbono é neste momento o mercado chinês. Embora, por circunstâncias locais, este mercado não tenha ainda um papel primordial na redução das emissões chinesas, o Governo do país já anunciou um conjunto de reformas do mercado de carbono e do sistema elétrico que auguram boas perspetivas. (Já agora e falando em boas notícias: este ano de 2025 é já considerado como o ano do pico de emissões chinesas, algo que aconteceu antes do previsto, justamente nos setores de produção de eletricidade. Nos últimos seis meses, a China instalou mais capacidade de produção solar do que toda a que já existe até hoje no resto do mundo). Fonte: CarbonBrief (2025) ‘Analysis: Record solar growthkeeps China’s CO2 falling” in first half of 2025’ disponível em https://www.carbonbrief.org/analysis-record-solar-growth-keeps-chinas-co2-falling-in-first-half-of-2025/Hoje, há atualmente mercados de carbono em desenvolvimento em quase todas as regiões mundiais. O Environmental Defense Fund (EDF) tem vindo a auxiliar tecnicamente o desenvolvimento dos mercados de emissão chinês e indiano: este último espera-se que possa vir a ser o terceiro maior nos próximos dez anos. No Brasil, o Governo colocou em letra de Lei um plano para regular o mercado de carbono nos próximos cinco anos. Mesmo nos Estados Unidos de Trump, a nível estadual, cerca de um terço das emissões totais do país estão cobertas por algum sistema de comércio de emissões. A ideia vingou e continua a prosperar: o Banco Mundial estima que, em 2030, cerca de 30% das emissões globais terão um custo associado à sua emissão. Os mercados de carbono prometem e podem mesmo ser uma parte significativa da resposta mundial às alterações climáticas. Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.O conteúdo Quando emitir CO2 tem um custo, o que pode acontecer? aparece primeiro em Revista Líder.