Uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) acerca dos Acordos de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre a Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec) e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) afirma que a entidade foi utilizada como “fachada” para que um grupo empresarial de serviços odontológicos pudesse ter acesso a dados cadastrais de aposentados e pensionistas.A Ambec é uma das entidades investigadas pela farra do INSS revelada pelo Metrópoles. O grupo suspeito de ter se aproveitado dos dados dos segurados por meio da entidade é o Prevident Assistência Odontológica. A empresa nega as acusações (leia mais ao final da reportagem).O uso da entidade como uma “fachada” para obter dados de aposentados sem autorização foi um dos motivos usados pela CGU para abrir uma Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) contra a Ambec, cujos documentos foram enviados à CPMI do INSS, que também investiga o caso.A CGU afirma que a Prevident já teve como presidente pessoas que também ocuparam cargos na Ambec, e aponta para indícios de relação entre as instituições, “com possível sobreposição entre as gestões de ambas as entidades, tornando as estruturas indistintas”.Embora não esteja em seu nome, a Ambec está ligada ao empresário Maurício Camisotti, preso no último dia 12 de setembro pela Polícia Federal (PF) por suspeita de envolvimento na “farra do INSS”, revelada pelo Metrópoles.Um dos indícios que levaram à conclusão da Controladoria sobre possíveis irregularidades envolvendo a associação foi o uso de um e-mail institucional vinculado à Prevident Assistência Odontológica. Tal endereço de e-mail, segundo a CGU, foi empregado para dar início às tratativas do ACT da Ambec com o INSS, apesar de a entidade ter seu próprio endereço eletrônico.Outro e-mail da Prevident, vinculado a um analista comercial, também foi usado para enviar informações ao INSS em 13 janeiro de 2021, com o timbre do grupo empresarial.No mesmo dia, esse mesmo funcionário chegou a enviar uma “extensa lista de documentos relativos à Ambec”, explicando que estava usando o e-mail da Prevident porque aqueles encaminhados por meio do endereço da associação estariam “retornando”.O uso do e-mail vinculado à Prevident seguiu ocorrendo em outras oportunidades citadas pela CGU. Segundo a apuração, e-mails da empresa eram usados inclusive durante a manifestação do próprio INSS para envio de documentos oficiais, a exemplo de um ofício encaminhado pela autarquia ao presidente da Ambec, em julho de 2021.“O vínculo entre Ambec e Prevident era tão evidente que os e-mails foram encaminhados tanto para a Ambec quanto para Prevident até meados de 2021, sendo o último, de 23/07/2021, para tratar de assuntos relativos às tratativas de ACT”, afirma a CGU.Os emails “trocados” seguiram aparecendo em outras esferas ao longo da investigação da Controladoria, como na Receita Federal. Dessa vez, foi usado um endereço eletrônico vinculado à empresa Brazil Dental.De acordo com a CGU, o e-mail institucional da Ambec registrado na Receita era pertencente à empresa Brazil Dental, cujos presidentes também tiveram postos na associação e tem ligação com um filho de Maurício Camisotti.“Dirigentes laranjas”O suposto uso de laranjas no quadro de dirigentes da associação também chamou a atenção da Controladoria. Segundo o documento, houve uma alteração estatutária em 10 de março de 2022, em que todos os dirigentes deixaram os quadros, e entraram três novas pessoas no lugar.Toda a documentação referentes à troca foi juntada ao processo do ACT no INSS em julho daquele ano por Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS’, e apontado como um dos principais operadores do esquema de descontos. Assim como Camisotti, ele também foi preso pela PF em 12 de setembro.4 imagensFechar modal.1 de 4Reprodução/redes sociais2 de 4VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto3 de 4VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto4 de 4ReproduçãoNo referido ofício, Antunes se apresenta como procurador da Ambec e junta, entre outros documentos, uma procuração assinada pela nova presidente, Maria Aparecida Vieira, datada do dia 9 de março de 2022, ou seja, um dia antes de sua eleição como presidente da Ambec.Dessa forma, conclui a CGU, sua eleição teria sido “meramente formal”, revelando a “precariedade legal de uma entidade que, àquela altura, já arrecadava mais de 25 milhões de reais por mês em descontos associativos realizados sobre aposentadorias e pensões de segurados do INSS”.Segundo investigações da CGU e da PF na operação Sem Desconto, que apura as fraudes nas aposentadorias, a Ambec começou a fazer os descontos nas folhas em 2021 e foi uma das que mais cresceu durante o período de descontos. Até março de 2024, a entidade arrecadou cerca de R$ 178 milhões por meio do mecanismo.Da mesma forma, a PF cita que a associação chegou a enviar R$ 11 milhões para a Prospect, uma das empresas do Careca do INSS.Mesmo com os valores altos, tanto arrecadados como transacionados com pessoa suspeita na “farra do INSS”, a CGU afirma que a presidente da entidade eleita em 2022 possui uma condição socioeconômica “modesta, tem apenas ensino fundamental completo e nunca integrou quadro diretivo de qualquer entidade, associação ou empresa anteriormente”.Com mostrou o Metrópoles, Maria Aparecida afirmou à polícia, em uma representação criminal, que para participar do corpo diretório da associação foi prometido a ela “o pagamento mensal de um salário mínimo por seis meses” e que, depois, “passaria, de fato, a gerir a associação”.Segundo ela, “isso não aconteceu, sendo certo que recebeu o valor prometido por cerca de nove meses, sendo o último em janeiro/2023”. A Ambec negou ilegalidades.Mais adiante no mesmo processo do ACT, o Careca do INSS voltou a utilizar sua procuração, mas desta vez ele se manifestou como procurador da entidade em nome de outra dirigente que havia sido nomeada como nova diretora, mas sem informar o INSS -o que está em “desacordo” com os normativos dos ACTs, segundo a CGU.“Mais uma vez, ao se analisar o histórico profissional e as condições socioeconômicas dos novos membros da diretoria, constata-se uma discrepância significativa em relação ao poder econômico da diretoria anterior, composta por empresários de grandes empresas do setor de saúde”, diz a Controladoria.Além disso, a nova dirigente também possuía vínculo trabalhista com a Prevident, onde trabalhou de 2004 a 2023 como auxiliar de limpeza da Prodent Assistência Médica Odontológica, que pertence a Maurício Camisotti, desde 2006. A partir de 2020, passou a trabalhar na Prevident na mesma função.“Dessa maneira, tendo em vista a conduta da entidade de forma a tentar ‘escamotear’ suas ligações com grupos empresariais da área da saúde, com a troca da diretoria por ‘laranjas’, verifica-se que a conduta da entidade vai de confronto com os normativos que regem a relação com Administração Pública, tanto no que tange à atividade como organização social como como pessoa jurídica”, conclui a CGU.DefesaEm nota enviada à coluna, a Ambec afirma que, “para a adequada disponibilização dos produtos e serviços aos seus associados”, possuía relação comercial com a empresa Prevident Assistência Odontológica, operadora odontológica.Com relação à Maria Aparecida, a entidade informou que ela foi nomeada como dirigente da associação, haja vista o preenchimento dos requisitos previstos em seu Estatuto. Também diz que a Ambec possuía “relação comercial” com a empresa Prospect, do Careca do INSS.“Os serviços prestados pela referida empresa referem-se à correspondência bancária, ou seja, à captação e filiação de novos associados. Neste ponto, impõe-se esclarecer que a associação ou seus colaboradores não prospectam e não praticam a atividade de afiliação ostensiva, ficando a cargo de empresas privadas de representação comercial. “, afirma a associação por meio de seu advogado, Daniel Bialski.A Prevident, por sua vez, “nega com veemência a insinuação de que teria se utilizado da AMBEC como empresa de fachada para acessar descontos associativos e dados cadastrais de segurados do INSS, ou mesmo a hipótese de que tenha sido constituída somente para operacionalizar práticas espúrias junto ao INSS”.Em nota, a empresa diz que é “séria e idônea”, tendo sido constituída para intermediar a prestação de serviços de odontologia preventiva e assistencial não apenas para servidores públicos ativos, inativos e pensionista, mas também para empresas e pessoas físicas.“A Ambec foi apenas uma dentre essas centenas de parceiros comerciais e as atividades da Prevident prosseguem naturalmente mesmo após o encerramento do contrato com a associação, realizado em maio deste ano”, disse a empresa em nota.Por fim, ressaltou que a Prevident é auditada por terceiros e “sempre ostentou excelente avaliação no Programa de Qualificação de Operadoras, fruto de sua competência na execução dos serviços efetivamente prestados”.A coluna também entrou em contato com a defesa de Maurício Camisotti, que afirmou ser proprietário da Benfix, “empresa que atuou exclusivamente na prestação de serviços administrativos e tecnológicos para entidades associativas”.“Sua empresa não teve envolvimento no controle ou na captação de associados — responsabilidade de outras companhias de correspondentes bancários contratadas diretamente pelas associações”, disse.A defesa de Camisotti ainda enfatizou que ele não obteve “qualquer vantagem indevida” e que seus advogados demonstrarão com “provas a lisura de sua atuação”.