Uma equipe formada por astrônomos de sete países, liderada por brasileiros, observou pela primeira vez o processo de evolução de um sistema de anéis ao redor de um pequeno corpo do Sistema Solar. Utilizando a técnica de ocultação estelar, os pesquisadores revelaram que o centauro (2060) Chiron possui um sistema complexo composto por três anéis distintos, inseridos em um amplo disco de material.As descobertas, apresentadas no artigo “The rings of (2060) Chiron: Evidence of an evolving system” publicado na prestigiada revista The Astrophysical Journal Letters, mostram que as estruturas ao redor de Chiron não são permanentes e mudaram significativamente ao longo dos últimos anos, um forte indício de que o sistema está em plena evolução. A pesquisa foi liderada por Chrystian Luciano Pereira, pesquisador de pós-doutorado no Observatório Nacional (MCTI/ON), com financiamento de Pós-Doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), também afiliado ao Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA). O trabalho reuniu uma ampla colaboração internacional, envolvendo dezenas de pesquisadores e observatórios, com dados cruciais obtidos no Observatório do Pico dos Dias, operado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (OPD/LNA), em Minas Gerais.Um candidato de longa data Anéis ao redor de pequenos corpos eram desconhecidos até 2014, com a descoberta dos aneis ao redor do Centauro Chariklo, seguida pelo planeta-anão Haumea (2017) e pelo objeto Transnetuniano Quaoar (2023). Chiron, um objeto centauro com cerca de 200 km de diâmetro que orbita o Sol entre Saturno e Urano, sempre foi um forte candidato a possuir aneis. Isso porque ele é um objeto peculiar, que apesar de ser um asteroide, apresenta características cometárias, ejetando material de seu núcleo de tempos em tempos. Além disso, observações passadas já haviam sugerido a presença de algo a mais ao redor do corpo gelado.Da esquerda para a direita, Quaoar, Haumea e Chariklo, três corpos menores com anéis conhecidos até então. Crédito: A. Crispim / UTFPRTrabalhos publicados anteriormente já apontavam a possibilidade de Chiron possuir anéis, mas não havia consenso na comunidade científica. Observações dos anos 1990 propuseram a existência de jatos confinados. Dados de 2011 foram interpretados como anéis e como cascas de poeira por autores diferentes. Foi só com novos dados de 2023, analisados juntamente com dados de 2011, 2018 e 2022, que foi possível afirmar que as estruturas observadas, de fato, se caracterizam como aneis densos ao redor de Chiron. As novas observações, realizadas durante uma ocultação estelar em 10 de setembro de 2023, confirmaram as suspeitas de forma espetacular. “Quando Chiron passou em frente a uma estrela distante, a luz dela foi atenuada não apenas devido ao corpo principal, mas também por múltiplas estruturas ao seu redor. Conseguimos mapear esse sistema com um detalhe sem precedentes”, explica Pereira. Um sistema em evolução A análise dos dados revelou três aneis confinados e densos, denominados Chi1R, Chi2R e Chi3R, localizados a raios de 273 km, 325 km e 438 km do centro de Chiron. Além disso, foram detectados um disco de material mais difuso que se estende por centenas de quilômetros e uma nova estrutura tênue a quase 1.400 km de distância.O mais surpreendente é que, ao comparar os dados de 2023 com observações de anos anteriores, a equipe notou que o disco de material difuso provavelmente se formou na última década, possivelmente como resultado de uma grande ejeção de material que Chiron sofreu em 2021. Concepção artística mostrando três anéis bem definidos, o disco de poeira e um quarto anel em formação. Crédito: A. Crispim / UTFPR“Estamos vendo o resultado de um evento recente. O material ejetado por Chiron parece estar gradualmente se assentando no plano equatorial do objeto, sendo moldado por ressonâncias gravitacionais e colisões, formando os aneis que vemos hoje”, comentam os autores. “E como se tivéssemos encontrado o elo perdido, observando uma etapa intermediária da formação de um sistema de anéis.” Leia mais:Asteroide “mais valioso do espaço” pode ter surgido de vulcanismo metálicoBrasileiros ‘mergulham’ em buracos negros com um dos telescópios mais avançados do mundo“As Meteoríticas”: brasileiras conquistam o mundo com a ciência dos meteoritosTécnica da ocultação estelar e colaboração internacionalAs descobertas dos anéis em torno de Chiron, Chariklo, Haumea e Quaoar foram feitas utilizando a técnica da ocultação estelar, que consiste em medir a variação de brilho de uma estrela no momento em que um asteroide passa exatamente em frente a ela. É uma espécie de “micro-eclipse”, que permite medir com precisão o tamanho e a forma do asteroide, além de descobrir a presença de luas e anéis em torno dele. Para observar ocultações estelares, colaborações globais são necessárias, uma vez que o fenômeno é visível apenas em uma estreita faixa que pode atravessar diferentes localidades da Terra. Diagrama de uma ocultação estelar e o cone de sombra passando sobre a superfície da Terra. Cada um dos observadores (ilustrados como os pontos vermelhos) irão ver diferentes regiões da sombra do objeto ocultador, como ilustrado na figura no canto inferior direito. Fonte: Revista Brasileira de Astronomia, Volume 4, Número 16 No caso de Chiron, a descoberta só foi possıvel graças a uma campanha de observação coordenada em grande parte por Felipe Ribas, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, coautor do artigo, que envolveu 31 locais de observação na América do Sul. Os dados de maior qualidade, que permitiram resolver as estruturas detalhadamente, foram obtidos pelo telescópio de 1,6 metros do Observatório do Pico dos Dias (LNA/MCTI), em Brasópolis (MG). Felipe Braga Ribas (à esquerda) e Chrystian Pereira (à direita), que lideraram a equipe responsável pela descoberta. Créditos: Wanderclayt M./@ceuprofundoEste trabalho foi realizado como parte do projeto “Lucky Star”, liderado por Bruno Sicardy, do Observatório de Paris, na França, e foi viabilizado por uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. O estudo contou com a participação de pesquisadores de diversas instituições brasileiras, como o Observatório Nacional (ON), o Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Estadual Paulista (UNESP). Os resultados de Chiron não apenas o confirmam como o quarto pequeno corpo do Sistema Solar com um sistema de anéis, mas também abrem uma janela única para entendermos os processos dinâmicos que governam a origem e a evolução dessas estruturas fascinantes. O post Astrônomos brasileiros descobrem sistema de anéis em formação ao redor de asteroide apareceu primeiro em Olhar Digital.