A aposentadoria já não representa mais o fim da vida profissional. Cada vez mais pessoas acima dos 60 anos estão redirecionando suas carreiras, seja por questões financeiras, desejo de se manter ativas ou vontade de realizar um sonho. Os números confirmam esse movimento: segundo a Catho, de janeiro a julho, o total de currículos cadastrados por profissionais 60+ cresceu 42,7%, comparando o mesmo período em 2024 e 2025.Márcia Antunes, de 62 anos, é um exemplo desse movimento. Cursando o último período do curso de Nutrição, ela decidiu mudar de área após 35 anos na área de Tecnologia da Informação.— Quando me aposentei, pensei: ‘preciso fazer algo diferente da minha vida’. Trabalhar em ambiente organizacional não dá mais. Você cansa dessa vida louca — diz.Segundo o professor Hugo Cardozo, especialista em mercado de trabalho da Unisuam, diversos fatores explicam o retorno dos 60+ à ativa , de questões financeiras a realização pessoal:Leia também: Idosos em movimento: como a longevidade está transformando o turismo no Brasil?— A aposentadoria paga pelo INSS é no máximo de R$ 8 mil. Muitos se aposentam, mas não conseguem parar de trabalhar. E a expectativa e a qualidade de vida aumentaram: envelhecemos melhor hoje em dia. Ou seja, a vida não acaba ali. Tem gente que, mesmo sem precisar do dinheiro quer continuar ativa.Patrícia Suzuki, diretora de RH da Redarbor Brasil, controladora da Catho, diz que o etarismo ainda é um obstáculo para esses profissionais. Segundo uma pesquisa feita pela empresa em 2024, 61% das companhias não têm programas de inclusão para pessoas acima dos 50 anos, e 40% dos gestores têm resistência em contratá-las ou desenvolvê-las.— Apesar de avanços no debate sobre diversidade, muitas empresas ainda não estão preparadas para incluir profissionais com mais de 60 anos. A realidade reforça a necessidade de mudança cultural dentro das organizações. Muitas vezes, a resistência está ligada a estereótipos de que profissionais mais velhos não acompanham o ritmo das inovações ou não se adaptam a novas práticas de trabalho, mas superar essa visão é fundamental — avalia. Conheça algumas histórias‘Penso em seguir como pesquisadora’‘Nunca pensei em parar de trabalhar’‘Decidi mudar completamente de área’Informalidade ainda é uma preocupaçãoAbertura de novos negócios cresceSegmentosO que considerar ao recomeçar aos 60 anosDesafios‘Penso em seguir como pesquisadora’Depoimento da estudante de Ciências Sociais Sandra Lopes, de 64 anosTrabalhei por muito tempo no comércio, até que fiquei viúva. Na época, tinha acabado de me formar em Direito e havia assumido a responsabilidade de cuidar de cinco irmãos menores. Eu tinha um bom emprego, mas não cheguei a exercer a profissão nem tirei o registro da OAB. Com o tempo, acabei perdendo esse emprego e fui trabalhar como diarista. A gente acaba se acomodando. Além dos meus irmãos, também tive cinco filhos. Perdi muito tempo, não investi em concursos e também não tinha apoio. Em 2023, fiz o vestibular da Uerj, passei e estou cursando Ciências Sociais. Estou no quarto período e penso em seguir como pesquisadora. Não fui fazer graduação pensando em carreira no mercado, porque ele ainda é muito fechado, etarista. Por isso, vejo na pesquisa um caminho com mais acessibilidade para pessoas idosas.Leia também: Por que estamos vivendo mais, mas poupando menos para o futuro? Veja explicações‘Nunca pensei em parar de trabalhar’Depoimento do empreendedor Felipe Albuquerque, de 61 anos A minha vida inteira procurei trabalhar com coisas que fizessem sentido para mim. Nunca pensei, de fato, em me aposentar. Parar de trabalhar nunca passou pela minha cabeça, eu apenas mudei o foco. Percebi que aquele mercado de Educação Física já não fazia mais sentido para mim, então busquei outra opção que me trouxesse realização profissional e retorno financeiro. Atualmente, ainda não recebo aposentadoria, mas em algum momento isso vai acontecer. Mas só vou parar de trabalhar se, por acaso, eu não tiver mais condições de fazer nada. Eu penso: por que parar? É como ter uma Ferrari na garagem e deixá-la apenas parada, sem usar. Eu estou com 61 anos e com o mesmo pique que eu tinha aos 30, e isso tudo porque ainda tenho propósito na vida.Leia também: Como se aposentar com R$ 5 mil no INSS contribuindo só depois dos 45 anos?‘Decidi mudar completamente de área’Depois que me aposentei, tirei um ano sabático e, ao voltar, comecei a pensar no que queria fazer. Foi quando decidi mudar completamente (de área). Fiz uma pós-graduação em Ayurveda, que é uma medicina tradicional da Índia. No meio do curso, percebi que a base de tudo era a nutrição, e entendi que precisava olhar com mais cuidado para isso. Foi aí que resolvi entrar na faculdade de Nutrição. Acho que o mercado ainda não está preparado para absorver esse novo nicho. As pessoas te olham de forma diferente. No meu caso, minha vida já está construída, eu não dependo da Nutrição para sobreviver. Mas para quem precisa disso, é difícil, porque não é fácil mesmo. Eu não encontrei tanta dificuldade por conta da faculdade. Mas posso dizer que, a partir dos 60 anos, o mercado é ingrato. Ainda assim, acredito que a pessoa não pode desistir.Leia também: Do estoque na hiperinflação ao futuro incerto: os desafios financeiros dos 50+Informalidade ainda é uma preocupaçãoA participação de pessoas com 60 anos ou mais na força de trabalho tem crescido ao longo dos anos. No quarto trimestre de 2012, 22,9% dos idosos estavam na força de trabalho, mostra um estudo feito pelo FGV Ibre. No mesmo período de 2024, subiu para 25,2%.Entre 2012 e 2024, cerca de 3,7 milhões da chamada “geração prateada” ingressou no mercado. Desse total, cerca de 3,5 milhões estavam empregados, o que representa 95,6% dos que entraram no mercado de trabalho nesse período.Apesar disso, o estudo aponta que, no quarto trimestre de 2024, 53,8% dos trabalhadores 60+ estavam em ocupações informais, índice superior à média nacional, de 38,6%, e também maior do que o de faixas etárias próximas.— Do ponto de vista de longo prazo, considero positiva a inserção de pessoas idosas no mercado de trabalho, especialmente diante da redução da população jovem. O que me preocupa é a forma como essa inserção tem acontecido. Se esse idoso já está há muito tempo em um “bico”, isso indica que ele pode estar em funções mal remuneradas e sem nenhuma garantia. É fundamental que a legislação encontre uma forma de acolher essa realidade. Caso contrário, a tendência é vermos um aumento da informalidade entre os idosos — avalia Janaína Feijó, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV Ibre e autora do estudo.Leia também: Aposentadoria: da previdência privada às carteiras de investimento; veja estratégiasAbertura de novos negócios cresceEnquanto alguns buscam uma nova formação para retornar ao mercado de trabalho, outros optam por investir no próprio negócio. Um levantamento feito pelo Sebrae Rio mostra que o empreendedorismo entre pessoas com mais de 60 anos cresceu 6,6% no segundo trimestre de 2025, em relação ao primeiro. Foi a faixa etária com o maior percentual de crescimento. No Estado do Rio, os empreendedores 60+ já representam 16% do total de donos de negócios.Apesar da alta, 72% desses empreendedores ainda atuam na informalidade. Para Antonio Alvarenga, diretor-superintendente do Sebrae Rio, o principal motivo é a falta de informação ou o fato de o negócio ainda estar em fase inicial:— Pela falta de informação ou pelo negócio ser embrionário, muitos desconhecem quais são os direitos, os benefícios e as obrigações. A formalização de uma empresa em MEI é uma oportunidade para quem deseja sair da informalidade e garantir as vantagens do Seguro Social.Leia também: Como o conservador, o moderado e o arrojado investem para se aposentar?SegmentosO setor de serviços concentra a maior parte desses empreendedores, com 55% de participação. Em seguida, aparecem o comércio (19%), a construção (11%), a indústria (10%) e a agropecuária (4%).Quando se trata de rendimento, aqueles com mais de 60 anos têm a segunda maior média salarial entre todas as faixas, com R$ 4.028,97, atrás apenas da faixa dos 40 aos 59 anos.O que considerar ao recomeçar aos 60 anosOportunidadesExperiência valorizada: muitos setores demandam maturidade e histórico profissionalSatisfação pessoal: recomeçar em uma área com mais propósito ou afinidade pode aumentar o bem-estar e a motivação.Manutenção ativa no mercado: manter-se no mercado gera benefícios financeiros e pode contribuir para a saúde mental e emocional.Diversificação de renda: iniciar um negócio ou buscar um novo emprego pode ajudar a complementar aposentadorias, ou pensões.Rede de contatos consolidada: relacionamentos construídos ao longo da vida profissional podem facilitar a entrada em novos projetos ou setores.DesafiosInvestimento em capacitação: novos cursos, certificações ou materiais exigem tempo e dinheiro. Em alguns casos, a pessoa pode deixar de ganhar enquanto estuda.Incerteza financeira: pode levar tempo até alcançar estabilidade ou renda suficiente na nova ocupação.Barreiras no mercado formal: o processo de recolocação tende a ser mais demorado, e muitas vezes implica aceitar cargos com salários menores.Etarismo: preconceito no mercado de trabalho pode dificultar recolocação formal.Concorrência com gerações mais jovens: adaptação tecnológica e pressão por atualização constante podem ser maiores. The post Profissionais acima dos 60 se reinventam e retornam ao mercado com nova atuação appeared first on InfoMoney.