Uma tecnologia desenvolvida por uma equipe de pesquisadores brasileiros e chineses permitiu que pacientes paraplégicos na China recuperassem parte dos movimentos das pernas, voltassem a andar autonomamente e apresentassem sinais de reversão da atrofia cerebral. O estudo foi conduzido no Hospital Xuanwu, da Capital Medical University em Pequim, em colaboração com o Projeto Andar de Novo.O trabalho foi liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e é denominado Walk Again Neurorehabilitation Protocol (WANR). O protocolo combina captura de sinais cerebrais por sensores externos não invasivos, simulações em realidade virtual e marcha robótica assistida. Leia Mais Chip em estudo restaura a visão de pessoas com degeneração por idade Exercitar a criatividade pode atrasar o envelhecimento cerebral, diz estudo Implantes cerebrais melhoram 50% dos casos resistentes de depressão O estudo clínico avaliou 19 pessoas com paraplegia completa (classificação ASIA A), todas com lesões medulares. Elas foram divididas em dois grupos: um recebeu apenas fisioterapia convencional (grupo controle) e o outro participou do treinamento completo com o protocolo WANR (grupo experimental) por nove meses.Durante o treinamento, os pacientes controlam um avatar em ambientes virtuais enquanto seus corpos são conduzidos por exoesqueletos ou dispositivos robóticos, recebendo estímulos sensoriais que ajudam o cérebro a reconstruir a sensação de movimento.“Essa abordagem funciona como um despertador neural. Ela reativa circuitos que ficaram adormecidos por muitos anos e dá ao cérebro um novo contexto para reaprender funções motoras que haviam sido interrompidas pela lesão”, afirma Nicolelis.Aos cinco meses de treinamento, os pesquisadores observaram os primeiros sinais de recuperação no grupo experimental, e ao final do estudo 50% dos participantes haviam migrado de um estado de paraplegia completa (ASIA A) para um de paraplegia parcial (ou ASIA C), recuperando movimentos voluntários das pernas e, em alguns casos, a capacidade de caminhar por seus próprios meios. Já no grupo que fez apenas terapia convencional, nenhuma melhora significativa foi registrada.Além disso, exames de ressonância magnética revelaram um achado surpreendente em relação ao cérebro dos pacientes estudados. Sabe-se na literatura que pacientes com lesão medular crônica costumam apresentar perda de 15% a 22% da espessura cortical, um processo de atrofia que afeta praticamente todos os lobos corticais e está associado à ocorrência de déficits cognitivos nestes pacientes.Outro ponto observado foi que, após o treinamento com o protocolo WANR, o grupo experimental exibiu um aumento significativo da espessura cortical, que antes estava atrofiada, e maior conectividade funcional entre regiões do cérebro. Isso indica que a neuroreabilitação induziu um processo de reorganização neural profunda. Os pacientes do grupo controle exibiram pouco ou nenhum aumento da espessura cortical.“Por muito tempo, acreditou-se que o cérebro perderia progressivamente sua capacidade de reorganização após uma lesão grave. O que estamos vendo agora é justamente o contrário: sob os estímulos certos, o cérebro humano é capaz de se recuperar funcionalmente, usando circuitos neurais alternativos, ou mesmo recuperando alguns dos que foram afetados pela lesão medular original”, explica Nicolelis.Para os pesquisadores, os resultados do estudo abrem novas perspectivas para o tratamento de pessoas com lesões medulares crônicas e sugerem que as interfaces cérebro-máquina, combinadas com ambientes virtuais imersivos e robótica, podem também ser aplicadas no futuro aos pacientes portadores de doenças neurodegenerativas ou, até mesmo, para retardar o envelhecimento natural do cérebro.“Estamos entrando em uma nova era em que as interfaces cérebro-máquina não invasivas podem oferecer aos pacientes, acometidos de uma grande variedade de doenças neurológicas, as condições terapêuticas necessárias para recuperar funções cerebrais perdidas devido às lesões do sistema nervoso, mesmo muitos anos depois do início do quadro clínico”, observa Nicolelis.“Estes avanços vão mudar não somente a prática clínica de manejo terapêutico de doenças neurológicas, mas também oferecer esperança de uma melhora significativa da qualidade de vida de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que sofrem com distúrbios do sistema nervoso central”, finaliza.Implante cerebral para tratar epilepsia reduz convulsões em 80%