Os paleontólogos têm debatido há muito tempo como diferenciar dinossauros machos de fêmeas com base em seus fósseis. Mas uma nova pesquisa pode aproximar os cientistas da identificação do sexo de um grupo de dinossauros.Os hadrossauros, também conhecidos como dinossauros de bico de pato, eram comuns durante o período Cretáceo Superior (de 100,5 a 66 milhões de anos atrás), e ossos desses herbívoros foram encontrados em vários continentes. Ovo de dinossauro de 70 milhões de anos é achado intacto na Patagônia Dinossauros estavam prosperando em seus últimos dias, afirmam cientistas Cientistas criam método para detectar gravidez em restos mortais antigos Alguns fósseis de hadrossauros mostram evidências de cicatrização de lesões ósseas traumáticas, todas no mesmo local: nas vértebras após a base da cauda.Nenhum tecido mole que preserve evidências de órgãos reprodutivos de dinossauros foi encontrado no registro fóssil, e as diferenças observadas nos fósseis são frequentemente atribuídas à espécie ou à idade, e não ao sexo. Além disso, evidências de dinossauros com ovos fossilizados são raras.Os autores de um novo estudo publicado na terça-feira (3) na revista iScience acreditam que as lesões ocorreram durante o acasalamento — e que elas podem ser usadas para indicar quais fósseis pertencem a hadrossauros fêmeas.“Isso vai mudar tudo, pois permitirá responder a outras perguntas sobre as diferenças entre dinossauros machos e fêmeas”, disse o autor principal do estudo, Dr. Filippo Bertozzo, pesquisador da Diretoria Operacional de Terra e História da Vida do Instituto Real Belga de Ciências Naturais.Identificando um padrão em fósseisO paleontólogo canadense Darren H. Tanke notou pela primeira vez as lesões nas vértebras de hadrossauros em ossos que descobriu no Parque Provincial dos Dinossauros de Alberta ao longo da década de 1980.A hipótese original de Tanke era de que elas eram causadas por hadrossauros machos que montavam as fêmeas durante o processo de acasalamento, mas ele baseou suas afirmações principalmente em fósseis encontrados no Canadá.Bertozzo notou a mesma lesão enquanto estudava um fóssil pertencente à espécie de hadrossauro Olorotitan arharensis, durante uma viagem de pesquisa à Rússia em 2019. Ele estava trabalhando em seu doutorado sobre doenças em dinossauros bico-de-pato na Queen’s University Belfast. Bertozzo convidou Tanke para se juntar a ele na condução de novas pesquisas.“Para sustentar afirmações comportamentais, é necessário um conjunto de dados extenso, capaz de eliminar possíveis vieses decorrentes da fossilização, preservação e coleta”, disse Bertozzo. “Além disso, as simulações biomecânicas de dinossauros não eram tão desenvolvidas quanto as de hoje, e Darren não pôde testar sua hipótese.”Em conjunto, os pesquisadores e seus colaboradores analisaram quase 500 vértebras da cauda de diferentes espécies de hadrossauros mantidas em museus na América do Norte, Europa e Rússia.As lesões e deformidades que descobriram na parte central da cauda, em diferentes espécimes, eram surpreendentemente semelhantes.“Na base da cauda, entre o sacro e o ponto médio da cauda, os processos espinhosos (as barras alongadas no topo da vértebra, o que chamamos de “processo espinhoso” na anatomia humana) são quebrados na ponta, às vezes ao longo do corpo principal da coluna vertebral”, disse Bertozzo.As pontas estavam inclinadas, inchadas, tortas ou até mesmo ausentes — o que significa que a lesão fez com que a ponta se quebrasse e fosse reabsorvida pelo corpo, acrescentou ele.As lesões eram visíveis em várias vértebras de cada espécime, sugerindo que o dano se espalhou ao longo da linha principal da cauda, disse Bertozzo.A equipe realizou diversas simulações para verificar se as lesões poderiam ter sido causadas por outras atividades do cotidiano dos dinossauros, como pisar acidentalmente na cauda um do outro, esforço muscular durante o movimento, lutas, caça, alimentação ou caminhada. Mas, de acordo com o estudo, nenhum dos cenários teria produzido consistentemente as lesões observadas nos fósseis.Em vez disso, os autores acreditam que os machos podem ter montado as fêmeas, que estavam deitadas de lado, e pressionado as caudas das fêmeas durante o acasalamento, quebrando acidentalmente as espinhas neurais.“A hipótese do acasalamento é a que, no momento, melhor explica nossas observações e dados”, disse Bertozzo. “A melhor evidência é o fato de encontrarmos essa condição em muitas espécies diferentes, em diferentes localidades e épocas, sugerindo que não se trata de algo específico de cada espécie, mas sim de um evento que seria comum a todas elas, ocorrendo em todas: o acasalamento.”Os ferimentos também não pareciam ser fatais, pois havia sinais visíveis de cicatrização e até mesmo indícios de uma segunda lesão.“Perseguir agressivamente uma fêmea durante a reprodução pode parecer desvantajoso do ponto de vista evolutivo para a continuidade da espécie, mas já observamos ocorrências semelhantes em muitas espécies modernas, como leões-marinhos, tartarugas e algumas espécies de aves”, disse o coautor do estudo, Gareth Arnott, professor da Escola de Ciências Biológicas da Queen’s University Belfast, em um comunicado.“A competição reprodutiva é um dos temas mais complexos da biologia animal, especialmente para espécies extintas.”O Dr. Albert Prieto-Márquez, pesquisador do grupo de estudos de ecossistemas de dinossauros do Instituto Catalão de Paleontologia Miquel Crusafont da Universidade Autônoma de Barcelona, acredita que o padrão consistente de lesões em fraturas cicatrizadas na região média da cauda seja provavelmente um sinal genuíno, e não uma coincidência.Ele não participou do estudo e elogia a visão criativa dos pesquisadores, mas acredita que mais evidências são necessárias.“No momento, não conseguimos identificar dinossauros machos e fêmeas apenas observando lesões na cauda”, disse ele. “Para termos certeza, precisaríamos encontrar o mesmo padrão em espécimes que sabemos serem fêmeas, por exemplo, com ovos ou osso medular preservados.”O osso medular é um tecido temporário que se forma dentro de uma cavidade nos ossos longos de aves e dinossauros para fornecer cálcio para as cascas dos ovos, e foi usado anteriormente em pesquisas para identificar uma fêmea de Tyrannosaurus rex grávida em 2016.Por exemplo, em galinhas, o osso medular se forma uma a duas semanas antes da postura do primeiro ovo e é reabsorvido cerca de três semanas após a postura do último ovo, de acordo com o estudo.Se o mesmo padrão ocorresse em dinossauros, qualquer indivíduo que apresentasse essas evidências teria morrido em um período de aproximadamente cinco semanas durante o período reprodutivo, escreveram os autores.Como diferenciar um macho de uma fêmeaSe a hipótese puder ser comprovada, poderá abrir um novo caminho para a compreensão de fósseis completos de hadrossauros que apresentam tais lesões, disse Bertozzo.“Isso pode trazer uma série de implicações, como testar se as cristas cranianas variam entre os sexos ou identificar características anatômicas que foram anteriormente atribuídas a novas espécies”, acrescentou.Mas são necessários mais dados. Embora a equipe tenha compilado um grande conjunto de dados, eles estão ansiosos para estudar fósseis da China e da América do Sul para continuar suas comparações. Eles também querem usar simulações computacionais mais poderosas para incluir movimentos da cauda e volumes musculares em diferentes cenários de lesão, disse Bertozzo.Bertozzo também está curioso para saber se as lesões estão presentes em outros tipos de dinossauros, como os saurópodes de pescoço comprido. Ele ficou surpreso por não encontrar lesões semelhantes em iguanodontes, ancestrais dos hadrossauros e também muito comuns no registro fóssil.“A história está apenas começando, e espero que a nossa seja apenas um dos passos iniciais para melhor compreendermos esse aspecto da vida dos dinossauros”, disse Bertozzo.Determinar se um dinossauro é macho ou fêmea com base em ossos exige um alto nível de comprovação, algo que historicamente tem sido difícil, disse Steve Brusatte, professor de paleontologia e evolução da Universidade de Edimburgo, na Escócia, que não participou do estudo.“Os autores apresentaram seus argumentos e acredito que eles são convincentes, mas, como acontece com muitos aspectos do comportamento dos dinossauros, nós simplesmente não estávamos presentes há dezenas de milhões de anos para observá-los como animais reais, então sempre haverá algum grau de dúvida, algum grau de incerteza nessas interpretações”, disse ele. “Muitas vezes, simplesmente não conseguimos distinguir os machos das fêmeas.”O Dr. Yoshitsugu Kobayashi, professor de paleontologia de vertebrados no Museu da Universidade de Hokkaido, no Japão, considerou o estudo um dos mais criativos que já viu na paleobiologia de dinossauros e acredita que a modelagem utilizada descarta outras causas possíveis. Embora Kobayashi tenha descoberto novas espécies de hadrossauros , ele não participou da nova pesquisa.No entanto, embora Kobayashi considere a hipótese intrigante, ele a vê mais como um ponto de partida ousado do que como uma evidência conclusiva.“Este estudo abre uma janela fascinante para a vida privada dos dinossauros”, escreveu ele em um e-mail.“Mesmo que nem todas as conclusões se confirmem, ele mostra que os ossos podem preservar vestígios de comportamentos que jamais imaginaríamos presenciar. É empolgante pensar que até mesmo as cicatrizes dessas criaturas ancestrais podem revelar momentos de suas vidas mais íntimas, literalmente, a ‘vida amorosa’ dos dinossauros escrita em seus ossos.”Dinossauros estavam prosperando em seus últimos dias, dizem cientistas