Diferença salarial entre homens e mulheres reflete modelo social, dizem especialistas

Wait 5 sec.

Nem mesmo as leis que garantem remuneração igual para um trabalho de igual valor vem  conseguindo reduzir a desigualdade estrutural entre homens e mulheres no mercado brasileiro. As mulheres brasileiras continuam sentindo no bolso a diferença, ganhando, em média, 21,2% menos que os homens, uma diferença que chega a representar R$ 1.049,67 nas empresas com mais de 100 funcionários, como mostrou o 4º Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, divulgado na última segunda-feira (3) pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério das Mulheres.Leia também: Mulheres recebem 21,2% menos do que homens no setor privado, mostra relatórioA pesquisa, que analisou 19,4 milhões de vínculos trabalhistas, indica que a remuneração média feminina é de R$ 3.908,76, contra R$ 4.958,43 recebidos pelos homens. Apesar de um leve avanço na presença feminina no mercado, que passou de 40% em 2023 para 41,1% em 2025, a diferença persiste e tem impacto direto sobre a economia. Se a massa salarial das mulheres acompanhasse sua participação no mercado, R$ 92,7 bilhões a mais circulariam na economia brasileira.“A desigualdade salarial não é só uma questão de planilha, é reflexo de um modelo social que ainda associa liderança e mérito à figura masculina”, avalia  advogada trabalhista Vanessa Maria Sapiencia, diretora de Compliance do Pellegrina e Monteiro Advogados. Segundo a especialista, do ponto de vista legal, o Brasil já dispõe de um arcabouço legal sólido para assegurar o princípio da isonomia salarial. “A lei existe, mas só vai virar cultura quando o jurídico, compliance e RH trabalharem juntos para fazer da equidade um valor, e não uma obrigação”, diz taxativa a advogada, acrescentando que, nesta nova fase, é importante que o Estado também tenha assumido a corresponsabilidade junto com a iniciativa privada.Fatores culturaisAs empresas justificam as diferenças de remuneração com base em tempo de experiência (78,7%), metas de produtividade (64,9%) e planos de cargos e salários (56,4%). No entanto, ao cruzar os dados com recortes de gênero e raça, o retrato se agrava: mulheres negras recebem 53,3% menos que homens não negros, evidenciando que o problema vai além de métricas de desempenho, segundo o Ministério.Estados como Paraná e Rio de Janeiro concentram as maiores diferenças salariais (28,5%), enquanto Piauí (7,2%) e Amapá (8,9%) apresentam as menores disparidades. De acordo com o MTE, a aplicação da Lei de Igualdade Salarial (Lei 14.611/2023) ainda enfrenta resistência cultural e desafios práticos de fiscalização.“É um problema histórico, cultural e econômico. A lei é importante, mas o avanço depende de práticas como processos seletivos cegos, programas de mentoria e metas internas de equidade”, destaca Fernando Zarif, do Zarif Advogados.Impactos da desigualdadeO efeito dessa disparidade ultrapassa o universo corporativo. De acordo com economistas, a desigualdade salarial limita o crescimento da renda nacional, reduz a arrecadação tributária e amplia a diferença social de gênero. Um estudo do Fórum Econômico Mundial estima que o Brasil levará 132 anos para alcançar igualdade plena no mercado de trabalho se o ritmo atual for mantido.“A igualdade salarial é política econômica, não só de direitos”, reforça Rafaela Sionek, sócia do BBL Advogados. “Empresas com maior equidade de gênero apresentam ganhos de produtividade, inovação e reputação. É um ativo estratégico, e não um custo.”Avanços lentosApesar do cenário desigual, o relatório aponta avanços graduais. O número de empresas com diferença salarial de até 5% entre homens e mulheres cresceu 6,4%, e aquelas com pelo menos 10% de mulheres negras aumentaram 21%. Algumas das grandes companhias já alcançaram equilíbrio de gênero em cargos de liderança.O governo diz que intensificou as ações de fiscalização, com 787 inspeções e 154 autos de infração emitidos até outubro. Para o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, a prioridade é consolidar a aplicação da lei e enfrentar a “pejotização”, que mascara vínculos formais e distorce comparações salariais.“Não é falta de lei, é falta de prática. A equidade precisa deixar de ser meta e virar regra”, disse a ministra das Mulheres, Márcia Lopes.Leia Mais: Empresas ampliam ações para proteger e empoderar mulheres no ambiente de trabalhoEquidade como estratégiaNa avaliação da advogada Roberta Dantas Ribeiro, do Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, as empresas que integram equidade à sua governança fortalecem não apenas a imagem institucional, mas também o valor de mercado.“Em um contexto de ESG e compliance, ignorar desigualdades é risco reputacional e jurídico. As organizações que se antecipam a essa agenda se tornam mais competitivas e sustentáveis”, afirma.Para os especialistas, enquanto o país avança em transparência e legislação, o desafio continua sendo o mesmo transformar igualdade em prática cotidiana, não por imposição legal, mas por consciência de que crescimento econômico e justiça social são faces da mesma moeda.The post Diferença salarial entre homens e mulheres reflete modelo social, dizem especialistas appeared first on InfoMoney.