Tim Davie e Deborah Turness, diretor-geral e chefe de jornalismo da BBC, respectivamente, renunciaram aos cargos no domingo (9), após acusações de parcialidade editorial na emissora britânica, incluindo um caso de edição de um discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.O escândalo começou após o jornal Daily Telegraph publicar detalhes sobre um memorando interno da empresa, que foi redigido por uma pessoa contratada para assessorar a emissora em padrões e diretrizes editoriais.O relatório destacou deficiências na cobertura da BBC sobre o conflito entre Israel e Hamas, sobre questões transgênero e a forma como a companhia lidou com declarações de Trump.Veja abaixo os principais pontos do memorando, que foi escrito por Michael Prescott para o Conselho de Diretrizes e Padrões Editoriais da BBC. Leia Mais: Análise: Muitos fatores, não apenas Trump, levaram às demissões na BBC Ex-CEO da BBC diz que jornalistas “não são corruptos”, após renúncia Líderes da BBC renunciam por escândalo sobre edição de discurso de Trump Programa sobre TrumpUm dos principais pontos desse escândalo diz respeito a uma edição do principal programa da BBC, o Panorama, que foi exibida uma semana antes da eleição nos Estados Unidos, intitulada “Trump: Uma Segunda Chance?”.Segundo Prescott, o programa “parecia adotar uma postura claramente anti-Trump”, observando que o número de críticos do presidente superavam em muito a quantidade de apoiadores.O programa misturou dois trechos distintos de um dos discursos de Trump, criando a impressão de que ele estava incitando o a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021.Donald Trump discursa a apoiadores antes de ataque ao Capitólio em Washington • Foto: Jim Bourg/Reuters (6.jan.2021)A edição mostrou o presidente dizendo a seus apoiadores “vamos caminhar até o Capitólio” e destacando que eles “lutariam com todas as forças” — esse segundo comentário, porém, ele fez em outra parte do discurso.Na verdade, ele havia dito: “Vamos caminhar até o Capitólio e vamos aplaudir nossos bravos senadores e congressistas”.Após a renúncia dos executivos, Donald Trump comemorou e agradeceu ao Telegraph por “expor esses jornalistas corruptos”, chamando a situação foi “algo terrível para a democracia”.“Essas são pessoas muito desonestas que tentaram interferir em uma eleição presidencial”, escreveu ele em sua plataforma Truth Social.Os advogados de Trump afirmaram que a BBC deve retirar o documentário até 14 de novembro ou enfrentará um processo judicial no valor de “no mínimo” US$ 1 bilhão (equivalente a cerca de R$ 5,3 milhões), de acordo com uma carta enviada no domingo.Cobertura da guerra entre Israel e HamasO relatório apontou que vários o serviço árabe da BBC acabou selecionando mais matérias críticas a Israel, desbalanceando a cobertura da guerra na Faixa de Gaza.Em uma ocasião, o principal site de notícias em inglês da BBC publicou 19 artigos diferentes sobre os reféns que o Hamas fez no dia do ataque de 7 de outubro de 2023, enquanto a BBC Arabic não publicou nenhum.Em contrapartida, todos os artigos críticos a Israel publicados no site da BBC News também foram veiculados na BBC Arabic.Fumaça sobe em Khan Younis no sul da Faixa de Gaza • 30/10/2025 REUTERS/Ramadan AbedO memorando também destacou que, embora a BBC Arabic frequentemente publicasse as mesmas notícias que o site da BBC em inglês, havia diferenças significativas no tom, nas manchetes e na ênfase, sendo que a cobertura geralmente foi mais crítica em relação a Israel.Prescott também criticou a BBC por supostamente divulgar informações incorretas sobre a proporção de mulheres e crianças palestinas mortas por ações militares israelenses, bem como por retratar de forma imprecisa a probabilidade de crianças enfrentarem a fome sob o bloqueio de ajuda humanitária imposto por Israel.Cobertura sobre pessoas transgêneroO ex-consultou também disse no relatório que reportagens que levantavam “questões difíceis” sobre assuntos relacionados às pessoas transgênero eram frequentemente ignoradas, mesmo quando já haviam sido amplamente divulgadas e debatidas por outros veículos de comunicação.Ele também observou que algumas reportagens apresentavam questões transgênero de maneira excessivamente unilateral, carecendo de equilíbrio e objetividade suficientes.O memorando também observou que a BBC deixou de cobrir certas histórias, incluindo um caso em que um grupo de enfermeiras processou seu empregador por permitir que pessoas do sexo biológico masculino usassem o vestiário delas.Questões de imigraçãoPrescott pontuou que a BBC enviou poucas notificações de matérias sobre imigrantes irregulares ou requerentes de asilo aos usuários de seu aplicativo de notícias, mesmo quando histórias que seriam menos relevantes receberam ampla cobertura.O memorando também afirmou que os produtores de quatro programas da BBC com conteúdo histórico privilegiaram acadêmicos não especializados que ofereciam declarações impactantes sobre racismo e preconceito, produzindo narrativas simplistas e distorcidas sobre o colonialismo britânico, a escravidão e seu legado.Matéria sobre racismoMichael Prescott também escreveu no documento que a BBC “caiu na armadilha de divulgar material mal pesquisado que sugeria problemas de racismo onde não havia nenhum”.Ele citou uma reportagem que alegava que pessoas que viviam em áreas com alta proporção de residentes de minorias étnicas pagavam mais pelo seguro de carro, mesmo que as taxas de acidentes de trânsito e criminalidade fossem semelhantes.O memorando pontuou que a reportagem e os comentários ignoraram outros fatores que podem influenciar os custos do seguro, além de terem se baseado em dados desatualizados e inadequados. Além disso, contaram com apenas um convidado que apoiou a alegação.Ainda de acordo com o relatório, trechos da declaração da Associação de Seguradoras Britânicas, que fornecia um contexto crucial, foram escolhidos seletivamente.A matéria foi retirada do ar posteriormente.O que disseram os ex-diretores e a BBC?Em um comunicado aos funcionários na tarde de domingo, o então diretor-geral Tim Davie afirmou que sua renúncia foi “inteiramente minha decisão”. Ele acrescentou que assumia a “responsabilidade final” pelos erros cometidos pela BBC.Já Deborah Turness disse que a controvérsia em torno do documentário produzido pelo “Panorama” chegou “a um ponto em que está causando danos à BBC – uma instituição que amo”.“A responsabilidade final é minha”, comentou.Tim Davies, chefe da BBC, renuncia ao cargo após controvérsia com edição de discurso de Trump • ReutersSamir Shah, presidente da BBC, pediu desculpas nesta segunda-feira pelo que chamou de “erro de julgamento” na edição do discurso de Trump.Em uma carta aos parlamentares britânicos, Shah admitiu que “a forma como o discurso foi editado deu a impressão de um apelo direto à violência”, pelo qual a BBC se desculpou.Ele enfatizou que “é absolutamente claro que a BBC deve defender a imparcialidade”, acrescentando que a emissora tomará medidas para garantir que “mantenha a confiança do público que serve”.Deborah Turness, ex-chefe da BBC News, fala com a imprensa em frente à Broadcasting House em 10 de novembro de 2025, em Londres, Reino Unido • Leon Neal/Getty ImagesLisa Nandy, secretária de Estado britânica para a Cultura, Mídia e Esporte, agradeceu a Tim Davie por seu trabalho na BBC e fez um apelo por “notícias confiáveis e programação de alta qualidade”.“Ele liderou a BBC durante um período de mudanças significativas e ajudou a organização a lidar com os desafios que enfrentou nos últimos anos”, disse Nandy em uma publicação no X.“Agora, mais do que nunca, a necessidade de notícias confiáveis e programação de alta qualidade é essencial para nossa vida democrática e cultural, e para o nosso lugar no mundo”, concluiu.*com informações da Reuters e da CNN