A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) tem atraído olhares globais para o Brasil, não apenas como anfitrião, mas também para entender qual pode ser o papel efetivo do país como liderança climática.Tony Lent, investidor veterano em energia renovável e soluções climáticas, e cofundador da Capital For Climate — uma plataforma de inteligência que ajuda grandes investidores a identificar as oportunidades de maior impacto rumo ao zero líquido — vai além.Leia tambémLula cobra países ricos na COP-30: ‘Façam jus às suas responsabilidades’Na Cúpula dos Líderes, Lula defendeu o perdão da dívida para países pobres em troca de investimentos em projetos limposEle acredita que o Brasil pode se tornar, para as “soluções baseadas na natureza”, o que a China é para as tecnologias de transição energética: um modelo para outros países e um polo de atração para investidores globais. Em resumo, as soluções baseadas na natureza são abordagens que utilizam o poder dos ecossistemas naturais para capturar carbono, conservar a biodiversidade e promover o desenvolvimento sustentável, sendo parte essencial da transição ecológica global.“O mundo inteiro viria ao Brasil para aprender como implementar essa solução em seus países”, afirma. Mesmo reconhecendo o impacto do governo Trump na agenda climática global, o investidor considera que o ritmo de crescimento das indústrias de transição energética permanece impressionante.“O impacto do governo Trump foi criar muita incerteza, obviamente. Mas o que é interessante é observar o que está acontecendo nas indústrias que continuam crescendo em uma velocidade incrível”, diz.Lent observa que, mesmo diante de políticas menos favoráveis, a transição energética tornou-se inevitável, com setores como o solar mantendo taxas robustas de crescimento, apesar de uma leve estagnação recente nos Estados Unidos. Ele cita a China como exemplo de liderança, destacando seu domínio em tecnologias como veículos elétricos, armazenamento e transmissão de energia.Marina Cançado, fundadora da Converge Capital e cofundadora da ATO, afirma que, apesar das incertezas políticas globais, os investimentos em soluções para a crise climática continuam crescendo.Ela ressalta que, mesmo com a instabilidade provocada por figuras políticas como o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o setor privado tem assumido papel fundamental nesse processo. Segundo Marina, cerca de dois terços do capital destinado à transição para uma economia de baixo carbono provêm de investidores privados, demonstrando uma mudança significativa na dinâmica dos financiamentos climáticos, antes dominada por recursos públicos.Mudança de narrativaMarina cita o “Climate Implementation Summit”, que acontece neste sábado (8) e que, em sua visão, marca o início da chamada “década de implementação” na agenda climática global. O encontro reunirá lideranças políticas, empresariais e da sociedade civil para discutir estratégias concretas e ações práticas que acelerem a transição para uma economia sustentável. Para ela, a presença crescente do setor privado nas discussões confere uma nova faceta à agenda climática.“A próxima década é a década de fazer as coisas acontecerem. E, junto com a implementação, vêm outros desafios. É justamente nesses desafios que o setor privado pode contribuir muito: pragmatismo, pé no chão, capacidade de implementação e escala”, afirma.Outro ponto importante levantado por Marina é a mudança de narrativa global sobre a agenda climática. Enquanto no passado o discurso predominante focava nos sacrifícios e limitações para enfrentar a crise ambiental, hoje a conversa se volta para prosperidade, inovação e melhoria da qualidade de vida.Segundo Lent, países que optam por não participar da transição energética estão, na prática, prejudicando seus próprios interesses econômicos e estratégicos. “Qualquer país que decidiu não participar dessa transição está, na verdade, atirando em si mesmo”, pontua.Ele compartilha o exemplo da Etiópia, que decidiu não importar mais motores de combustão interna, apostando em veículos elétricos para reduzir a dependência do petróleo. Para Lent, a transição energética está profundamente ligada à geopolítica e à segurança nacional, pois representa maior controle sobre recursos energéticos e menor vulnerabilidade a choques externos.Liderança do Brasil Ao abordar as soluções baseadas na natureza, Lent faz uma analogia direta com as tecnologias de energia renovável, explicando que a restauração de pastagens degradadas, agroflorestas em larga escala, reconstrução de florestas e agricultura regenerativa são equivalentes, em termos de inovação, ao vento e ao solar.“O Brasil tem potencial para ser líder mundial em todas as soluções baseadas na natureza e, o mais importante, para ajudar a reduzir a curva de custos dessas soluções”, afirma.Ele destaca a capacidade única do Brasil de operar projetos agrícolas em escala de milhares de hectares, algo que nenhum outro país consegue replicar, e aponta que essa infraestrutura e mentalidade de grande escala são vantagens competitivas decisivas.O investidor ressalta que, nos últimos quatro anos, o Brasil desenvolveu um ambiente político e regulatório favorável à bioeconomia e à transição ecológica, citando iniciativas como o Plano de Transição Ecológica, a arquitetura de uma regulação nacional de carbono e o desenvolvimento de veículos financeiros inovadores, como o EcoInvest.“Você adiciona a isso o talento empreendedor atraído para o setor e o grande número de plataformas de desenvolvimento, e tem uma população de desenvolvedores que já operam em mais de um milhão de hectares e estarão operando em muitos milhões de hectares em 2030”, explica. Para Lent, nenhum outro mercado tem potencial para escalar soluções baseadas na natureza tão rapidamente quanto o Brasil.Sobre o dilema da dependência do petróleo para financiar a transição energética, Lent reconhece a complexidade da questão. “É muito difícil para um país abrir mão de uma grande fonte de renda para seus objetivos estratégicos”, admite, citando o exemplo do Texas, que se tornou simultaneamente o maior produtor de energia renovável e de petróleo nos Estados Unidos.Ele observa que, durante a transição, coexistem duas narrativas: a extração máxima de renda do petróleo e o avanço acelerado dos ativos de baixo carbono. Lent acredita que, com o avanço dos veículos elétricos e a eletrificação da matriz brasileira, a demanda por petróleo tende a diminuir, tornando a transição inevitável, mesmo com interesses aparentemente contraditórios.O que virá da COP30?Para a COP30, Lent espera que o Brasil apresente um inventário robusto de mecanismos financeiros e projetos escaláveis, especialmente em soluções baseadas na natureza. Ele revela que será anunciado que o Brasil já opera soluções desse tipo em mais de um milhão de hectares, com crescimento de dois dígitos e atração crescente de capital institucional.“Desenvolvemos um programa chamado Capital Mobilization for NBS no Brasil, com 26 gestores de ativos e instituições financeiras comprometidos em investir múltiplos bilhões até 2027”, diz. Lent vê esse movimento como um sinal claro de profissionalização e amadurecimento do setor, com negócios que já atingem valores médios de 30 a 40 milhões de dólares.O investidor ressalta que a profissionalização dos empreendedores e a qualidade dos projetos têm sido fatores determinantes para o aumento dos investimentos. “As pessoas estão juntando produtos que mostram que isso gera muito dinheiro. As pessoas sempre chegam atrasadas às coisas que fazem muito dinheiro”, comenta.Ele também destaca a convergência das agendas de clima e biodiversidade desde Glasgow, que impulsionou a formação de fundos especializados em natureza e atraiu capital global para o Brasil. Lent calcula que soluções baseadas na natureza podem fornecer cerca de 35% das reduções de emissões necessárias até 2050, a um custo significativamente menor do que outras alternativas, tornando esse tipo de investimento cinco vezes mais eficiente.Por fim, Lent lembra que, em 2004, a energia solar era a fonte mais cara do mundo, mas hoje representa dois terços dos investimentos em energia, graças à inovação e à escala. “Vamos ver algo parecido acontecer nas soluções baseadas na natureza. Espero que em um tempo muito mais rápido”, conclui.The post Brasil poderia ser a “China” das soluções baseadas na natureza, diz Tony Lent appeared first on InfoMoney.