Uma decisão expedida há alguns meses pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) está relacionada ao surgimento de uma cidade fantasma no interior do estado, com a expulsão de cerca de 2 mil moradores de suas casas por ordem de uma facção criminosa.Em setembro de 2024, a Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza do TJCE decidiu inocentar o traficante José Witals da Silva Nazário, o Playboy, das acusações de diversos crimes e determinou sua soltura. Meses depois, ele e seu bando expulsaram cerca de 2 mil moradores do distrito de Uiraponga, a 170 km de Fortaleza, transformando o local numa “cidade fantasma”.A expulsão dos moradores é parte da guerra de Playboy com outro chefe do tráfico local: seu antigo aliado Gilberto de Oliveira Cazuza, o Mingau. Para tentar derrotar o bando adversário, Playboy determinou a expulsão dos moradores do distrito de Uiraponga, na cidade de Morada Nova. Segundo investigadores do caso, o objetivo era desmantelar a rede de apoio que permitia ao bando de Mingau permanecer escondido na caatinga.Atualmente, apenas cinco famílias permanecem no distrito de Uiraponga, que pertence à cidade de Morada Nova (CE). Embora o governo do Estado insista que a região está pacificada, a maioria dos moradores não retornou ao distrito, e o vilarejo segue deserto.Para pressionar os moradores a saírem, o bando de Playboy executou a tiros, em julho deste ano, um homem chamado José Audivan Bezerra de Freitas, de 50 anos. O corpo dele, com a cabeça destroçada, ficou exposto na praça principal de Uiraponga para intimidar os demais moradores.4 imagensFechar modal.1 de 4José Audivan Bezerra de Freitas, 50, foi executado e teve o corpo exposto na praça de UirapongaReportagem Metropoles2 de 4José Witals da Silva Nazário, o Playboy, absolvido pelo Tribunal de Justiça do CearáPolicia Civil / Reprodução3 de 4Vista aérea do distrito de Uiraponga (CE)Google Maps / reprodução4 de 4Decisão do TJ do Ceará absolvendo José Witals da Silva Nazário, o PlayboyTJCE/ReproduçãoAcesse aqui a íntegra da decisão que absolveu Playboy e os outros réus.TJ do Ceará: não há provas de que “Playboy” integre organização criminosa Playboy foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por constituir organização criminosa, porte ilegal de arma de fogo, corrupção de menores, receptação e resistência.À época da denúncia, ele integrava o chamado “novo cangaço”, fazendo parte da organização criminosa conhecida como Guardiões do Estado (GDE), um grupo local do Ceará, segundo pessoas próximas ao caso.No entanto, para o juiz responsável, não existiam provas suficientes para a condenação de Playboy. O tribunal julgou improcedente a denúncia do Ministério Público e absolveu José Witals da Silva Nazário de todos os crimes imputados a ele. O alvará de soltura foi expedido em seguida.“O conjunto de provas não demonstra que os réus se associaram de forma estável para a prática de crimes. Conforme se observa, não há nos autos qualquer comprovação de uma série de crimes praticados pelos acusados, tampouco da existência de qualquer vinculação entre eles, de forma a configurar uma organização criminosa”, diz a decisão.“A narrativa apresentada na denúncia quanto à suposta organização criminosa ‘Novo Cangaço’, formada pelos acusados, foi um tanto vaga e genérica, sem suporte probatório apto a demonstrar, minimamente, o preenchimento dos requisitos”, completa o texto.Após a expulsão dos moradores, poucas pessoas permanecem em Uiraponga. O posto de saúde do local está fechado, assim como a igreja da praça e a escola da cidade. Hoje, uma viatura da PM do Ceará fica de plantão no prédio onde antes funcionava a escola de Uiraponga.No fim de julho deste ano, Playboy foi preso em São Paulo (SP), numa casa no bairro do Pari, na região central da capital paulista.A coluna procurou o TJCE para comentários e para saber qual dos magistrados da Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza foi responsável pela decisão. Em resposta, o tribunal apenas reiterou que não havia provas suficientes para condenar “Playboy”.“José Witals Nazário foi absolvido, em setembro de 2024, em processo criminal porque não ficou suficientemente comprovada sua participação nos crimes de promoção, constituição, financiamento ou integração de organização criminosa”, disse a Corte.Expulsões pelo tráfico registradas em várias cidades do CearáO Ceará enfrenta uma escalada de violência associada à disputa entre facções criminosas. Nos últimos anos, grupos como os Guardiões do Estado (GDE), o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) passaram a disputar território em Fortaleza e em municípios do interior, onde o Estado tem presença limitada. Essas facções controlam rotas de tráfico, extorquem comerciantes e impõem “leis” próprias aos moradores, obrigando muitos a deixar suas casas sob ameaças de morte.Além de Morada Nova, há casos de expulsão de moradores na capital e também nas cidades de Maranguape, Pacatuba, Sobral e Groaíras.A localização do estado, que conta com as áreas portuárias mais próximas da Europa, torna o Ceará estratégico para as facções que atuam na exportação de entorpecentes.A disputa por território se espalhou para regiões rurais, gerando fugas em massa, como em Uiraponga. Mesmo com o reforço policial e operações pontuais, a população local segue vivendo sob clima de medo e incerteza.