Na segunda-feira (10), Suharto, ditador da Indonésia apoiado pelos EUA, foi postumamente nomeado herói nacional.Suharto, cujo regime supervisionou massacres sangrentos durante a Guerra Fria, também foi acusado de desviar enormes quantias de dinheiro público para garantir luxo e poder político à sua família.Esta ação provocou protestos de grupos de direitos humanos e vítimas que denunciaram a homenagem como uma tentativa de apoiar um regime repressivo que, segundo historiadores, deixou milhares de mortos.Suharto recebeu o título em uma cerimônia conduzida pelo atual líder da Indonésia, Prabowo Subianto – ex-genro do antigo ditador e figura controversa: um ex-general que enfrentou as próprias acusações de violações de direitos humanos durante sua carreira militar.“Uma figura proeminente da província de Java Central, herói da luta pela independência, o General Suharto se destacou desde a era da independência”, disse um apresentador durante a cerimônia de premiação, segundo a agência de notícias Reuters.Quem foi Suharto?Suharto é fotografado saindo de um hospital em Jacarta, Indonésia, no dia 15 de junho de 2001 • Dita Alangkara/AP via CNN NewsourceNascido em 1921, quando a Indonésia ainda era uma colônia holandesa, Suharto alcançou o poder após o país conquistar a independência em 1949, subindo na hierarquia militar até se tornar um general cinco estrelas.Em 1950, após uma tentativa fracassada de golpe e assassinato de vários generais do exército, houve uma caçada aos responsáveis.Suharto culpou os comunistas pelo golpe, derrubou o então presidente Sukarno – primeiro líder do país após a independência.O que aconteceu depois foi um expurgo nacional de supostos comunistas supervisionada pelo poderoso exército de Suharto. Grupos de direitos humanos e historiadores estimam que entre 500 mil e um milhão de pessoas foram mortas.Os Estados Unidos apoiaram os massacres anticomunistas, fornecendo listas de altos funcionários do partido comunista, equipamentos e dinheiro para o exército indonésio, segundo documentos oficiais desclassificados em 2017.Em um documento do final de 1965, a embaixada dos EUA em Jacarta enviou um telegrama a Washington chamando a repressão de “fantástica mudança ocorrida em apenas 10 curtas semanas”.Uma estimativa de que 100 mil pessoas haviam sido massacradas também foi divulgada, segundo a Associated Press.Muitos afirmam que os alvos durante os expurgos não eram comunistas, mas sim chineses étnicos ou qualquer pessoa com visões de esquerda.Em 2016, um tribunal internacional em Haia considerou que os EUA, Reino Unido e Austrália foram cúmplices nos assassinatos em massa de 1965, que foram considerados crimes contra a humanidade. Cessar-fogo entre Israel e Hamas completa um mês; relembre Explosão deixa 55 feridos em mesquita em Jacarta, capital da Indonésia Modi promete levar responsáveis por explosão em Nova Délhi à justiça Suharto permaneceu no poder por 31 anos, período durante o qual reprimiu críticos e opositores políticos, e impôs o domínio de seu regime sobre territórios como Timor Leste, Aceh, Papua Ocidental e as ilhas Maluku.Alguns desses territórios foram invadidos com o apoio tácito de aliados ocidentais interessados em sustentar um líder anticomunista, em uma época em que conflitos apoiados pelos EUA e pela União Soviética se espalhavam pelo Sul Global.Ele é elogiado por alguns por políticas que impulsionaram o rápido crescimento econômico e relativa estabilidade política.Porém, ao mesmo tempo, ele desviou enormes somas de dinheiro dos cofres públicos, financiando o estilo de vida luxuoso de sua família e alimentando o ressentimento popular.Seu governo chegou ao fim em 1998, após a crise financeira asiática mergulhar o país em turbulência econômica.Isso provocou protestos generalizados e forçou Suharto a renunciar – um dos últimos movimentos populares a varrer o Sudeste Asiático e substituir um autocrata da era da Guerra Fria pela democracia.Nos anos seguintes, os filhos de Suharto foram processados, e o mais jovem foi condenado por corrupção. Em 2015, a Suprema Corte ordenou que a família Suharto devolvesse ao Estado milhões em fundos desviados.Mas o próprio Suharto nunca respondeu às suas vítimas. Devido a problemas de saúde em seus últimos anos, ele morreu em 2008 sem jamais ter ido a julgamento. Negou qualquer irregularidade até sua morte, chegando a chamar as alegações de desvio de dinheiro de “calúnia e difamação”.Por que Prabowo nomearia Suharto como herói nacional?Não passa despercebido que Suharto recebeu a honraria póstuma de Prabowo – um apoiador de longa data do regime do ex-ditador e que já fez parte da sua família.O atual presidente da Indonésia casou-se com a filha de Suharto em 1983, embora tenham se divorciado após o ex-ditador ser forçado a deixar o poder.Prabowo também foi comandante militar durante o regime de Suharto e serviu em campanhas controversas em Papua Ocidental e Timor Leste, levantando dúvidas sobre seu próprio histórico de direitos humanos.Ele é acusado de sequestrar ativistas durante os protestos em massa de 1998 que levaram à queda de Suharto.Prabowo sempre negou as acusações que levaram à sua demissão do exército em 1998, mesmo ano em que a Indonésia se libertou do governo autoritário de Suharto.Ele foi eleito presidente em 2024 – com o apoio do Golkar, antigo partido de SuhartoDurante seu discurso de vitória, Prabowo prestou homenagem a Suharto e agradeceu à sua ex-esposa.Na ocasião, alguns especialistas em direitos humanos expressaram preocupação de que o atual presidente pudesse representar um retrocesso nas conquistas democráticas obtidas desde o regime autoritário de Suharto.Desde então, Prabowo expandiu o papel dos militares para áreas consideradas civis. Estas medidas são fortemente criticadas por grupos da sociedade civil, que afirmam que isso levaria a Indonésia de volta ao militarismo e autoritarismo da era Suharto.Além do envolvimento de Prabowo, ainda existem vários partidários de Suharto na Indonésia. Seus herdeiros políticos também tentaram reabilitar sua imagem na última década, retratando-o como um líder forte que trouxe estabilidade ao país.Em lugares como Kemusuk, uma vila próxima a Yogyakarta onde ele nasceu, sua imagem está por toda parte – desde objetos de museu celebrando sua vida até camisetas com o rosto sorridente.A discussão sobre o governo de Suharto permanece largamente como um tabu na Indonésia, com opiniões divididas sobre seu legado.Qual tem sido a resposta?Antes da cerimônia na segunda-feira (10), ativistas se reuniram na semana passada em Jacarta para protestar contra o ato, segurando cartazes com os dizeres: “Violador de direitos humanos” e “Suharto não é herói.”Grupos de direitos humanos criticaram duramente a escolha, com a Anistia Internacional descrevendo-a como uma tentativa de reescrever a história e apontando os laços familiares de Prabowo com Suharto.Andreas Harsono, pesquisador da organização sem fins lucrativos Human Rights Watch para a Indonésia, também condenou a medida.“O fracasso em responsabilizar Suharto e seus generais abusivos facilita o branqueamento e a distorção da história que está ocorrendo agora sob Prabowo”, escreveu Harsono em um comunicado.“Isso tornará ainda mais difícil para as autoridades indonésias, agora e no futuro, acabar com a impunidade por graves violações dos direitos humanos e obter justiça para as vítimas e suas famílias.”O título é especialmente doloroso para os muitos sobreviventes da violência e perseguição durante o governo de Suharto – e para as famílias de suas vítimas.“Fiquei chocado, desapontado e irritado com esta decisão absurda do governo”, disse o assistente social Bedjo Untung à Associated Press.Untung foi preso sem julgamento por supostas ligações comunistas entre 1970 e 1979, período durante o qual foi torturado enquanto sua família enfrentava dificuldades e discriminação.“É profundamente injusto, continuamos vivendo com o sofrimento até hoje”, acrescentou Untung.Os defensores de Suharto têm uma visão diferente.“Não precisamos nos defender… nada está sendo escondido”, disse Siti Hardijanti Rukmana, filha de Suharto, a jornalistas após a cerimônia na segunda-feira (10).“Expressamos nossa gratidão ao presidente por nomear nosso pai como herói nacional e talvez, por ele também ser um militar, ele saiba o que meu pai fez”, acrescentou.