Aos 21 anos, juntar-se ao Deep Purple foi uma oferta à qual Glenn Hughes não podia recusar. Mas, sobretudo em declarações recentes, o músico de 74 anos — com o benefício do olhar em retrospectiva — expressa certo arrependimento por ter deixado o Trapeze, grupo que o revelou e que, mesmo com três álbuns de estúdio lançados, nunca ultrapassou o status de promessa, para assumir o baixo e a segunda voz em uma das três potências do triunvirato do hard rock setentista.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosNas entrevistas, Hughes vem passando a limpo sua trajetória e as decisões certas ou erradas que tomou ao longo de mais de 50 anos de carreira. Já no repertório da presente turnê — cuja etapa nacional foi anunciada como sua “despedida do Brasil” — ele oferece um recorte, senão abrangente, ao menos justo, de sua obra. Contempla carreira solo, Trapeze, Black Country Communion e parcerias com Pat Thrall e Tony Iommi — aqui sem incluir “Seventh Star” (1986), o disco do Black Sabbath cujo período pré e pós Glenn ele define em sua autobiografia como “o fundo do poço”. Ah, e Purple, é lógico, embora em menor quantidade, haja vista a longa duração do giro denominado “Classic Deep Purple Live”, no qual o set consistia apenas de músicas da banda. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Como está de disco novo — o ótimo “Chosen” — e as gravações ocorreram em trio, Hughes trouxe para a estrada os parceiros Søren Andersen, guitarrista dinamarquês que o acompanha há 17 anos, e o baterista Ash Sheehan. O formato enxuto beneficia todos os envolvidos. Sem teclados para competir — e às vezes até amenizar as coisas — o baixo de Hughes soa cavalar, enquanto Sheehan guia o estouro espancando o kit mínimo e eficaz de maneira impiedosa. Andersen, por sua vez, traduz sua ética profissional em versatilidade e fidelidade aos riffs de Iommi, Thrall, Joe Bonamassa e do saudoso Mel Galley.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosVerdade seja dita: o clima no Circo Voador, Rio de Janeiro, na última sexta-feira (14), era de incerteza após o ocorrido na véspera em Belo Horizonte, quando, desidratado, Hughes precisou interromper a apresentação para receber atendimento médico e, sem condições de voltar ao palco, deu o show por encerrado após a sexta música. Com a pontualidade mais britânica possível, Glenn e seus asseclas subiram ao palco e o que se viu foi um dinossauro em nova pele. Econômico nos movimentos, entornou todo o pote de mana nas palhetadas e nos diversos floreios vocais que nos fazem crer que Deus tem, sim, seus eleitos. Impressiona — na mesma proporção em que arrepia — vê-lo estender notas agudíssimas com a mesma facilidade que tinha na década de 1970. É de fazer cantores aspirantes optarem por empregos CLT.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosHouve momentos de puro storytelling. Hughes contou as origens de músicas que se orgulha de ter escrito aos 18 anos na cozinha da casa da avó, como “Medusa”, faixa-título do segundo e mais clássico trabalho do Trapeze; de outras resultantes de um trabalho a quatro mãos com “um guitarrista muito talentoso de São Francisco” (Pat Thrall, não citado nominalmente); e de um par (“Grace” e “Dopamine”) que atesta a longeva amizade com o cara de fala mansa que cria os riffs de metal mais f#das de todos os tempos.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosTodas essas canções, segundo Glenn, têm um significado especial para ele, e ele se alegra ao ver que mesmo as letras de “Way Back to the Bone” (“Escrevi essa aos 17 anos, após o Trapeze se apresentar no Whisky a Go Go, em Los Angeles…”) e “Stay Free” estavam na ponta da língua do povo. Lógico que não dá para comparar à recepção dada a “Mistreated” ou “Burn”, esta última encurtada de modo a suprimir o solo de teclado da gravação original. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Mas a maior aula da noite se deu quando, no bis, Glenn adiantou-se ao centro do palco, um violão em punho, e ofereceu “Coast to Coast” em pegada visceral, de marejar os olhos. Deixou claro que as melhores músicas do universo podem surgir e funcionar no formato mais enxuto possível. No final, a promessa: foi tanto o amor na atmosfera da noite que “Rio, é fato, eu voltarei”, contradizendo o próprio anúncio de despedida do Brasil.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosElectric GypsyNa abertura, a rapaziada do Electric Gypsy levou não mais que três músicas para cativar o público — em sua maioria 50+ — com seu hard rock de contornos losangelinos e letras de facílima assimilação. Em comparação ao quarteto que se viu abrindo para Paul Di’Anno quase três anos atrás, a evolução é nítida, tanto em performance individual — o vocalista Guzz e o guitarrista Nolas, sobretudo, parecem mais soltos no palco, conscientes de que o estilo que tocam é música que se ouve também com os olhos — quanto no quesito conjunto, obtendo nota 10 deste jurado às vezes meio implicante.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosDos cortes autorais, destacou-se para a setentista “Ride On”, de clima à Bad Company, conclamando o canto em uníssono com refrães que pegam de primeira. Mas foi no cover de “Hot for Teacher”, do Van Halen, que os presentes tiveram a certeza de estar diante não de uma promessa, mas de uma realidade do novo hard BR cujo céu é o limite — e que as gravadoras especializadas lá de fora precisam ficar de olho.Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosGlenn Hughes — ao vivo no Rio de JaneiroLocal: Circo VoadorData: 14 de novembro de 2025Turnê: The Chosen YearsProdução: Dark DimensionsRepertório:Soul MoverMuscle and Blood (Hughes/Thrall)Voice in My HeadOne Last Soul (Black Country Communion)Can’t Stop the FloodFirst Step of Love (Hughes/Thrall)Way Back to the Bone (Trapeze)Medusa (Trapeze)Grace / Dopamine (Iommi)ChosenMistreated (Deep Purple)Stay Free (Black Country Communion)Bis:Coast to Coast (Trapeze)Black Country (Black Country Communion)Burn (Deep Purple)Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotosQuer receber novidades sobre música direto em seu WhatsApp? Clique aqui!Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.O post Glenn Hughes se recupera e entrega show visceral no Rio apareceu primeiro em Igor Miranda.