As negociações da COP30 começam oficialmente nesta segunda-feira (10), mas um dos avanços se deu na semana anterior: lançado na cúpula de líderes que encerrou na última sexta-feira (7) em Belém, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, do inglês Tropical Forest Forever Facility) é um fundo global permanente que pretende mobilizar até US$ 125 bilhões (R$ 670 bilhões) para remunerar, com pagamentos anuais por hectare, países em desenvolvimento que conservam florestas tropicais. Veja, a seguir, tudo o que se sabe sobre o fundo e por que ele é elogiado por usar uma engenharia financeira inédita para iniciativas voltadas à preservação do meio ambiente.O que é o TFFF e qual o seu objetivoComo o fundo é capitalizado: blended finance e estrutura de dívidaQuem irá tomar conta do dinheiro?De onde vêm os pagamentos: retorno financeiro e preço por hectareQuanto já existe de financiamento para o TFFF?Quais países podem obter os recursos e como?Destino dos recursos: o que os países podem fazer com o dinheiroQuais os riscos envolvidos?Por que o TFFF é diferente?O que é o TFFF e qual o seu objetivoO TFFF é um mecanismo financeiro global e permanente voltado à conservação de florestas tropicais. A estrutura usa os rendimentos de um grande fundo de investimentos para pagar um valor fixo por hectare de floresta nativa mantida em pé, preservando o principal aplicado.A proposta é criar um “novo ativo” baseado nos serviços ecossistêmicos das florestas, oferecendo recursos previsíveis, de longo prazo, a países em desenvolvimento com grandes áreas de floresta tropical e subtropical. O desenho busca complementar iniciativas existentes de finanças para a natureza, como instrumentos ligados ao conceito REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal), sem gerar créditos de carbono nem financiar projetos individuais.Como o fundo é capitalizado: blended finance e estrutura de dívidaO TFFF é um grande mecanismo de “blended finance”, que combina capital público e privado em uma mesma estrutura. A arquitetura financeira tem dois blocos principais:Capital de patrocinadores (sponsors)Governos e eventuais filantropias aportam recursos na forma de empréstimos de longo prazo, garantias ou doações.A meta é reunir cerca de US$ 25 bilhões nessa camada inicial. Desses, US$ 5,5 bilhões foram anunciados até agora, sem contabilizar valores de Alemanha e França, que já se comprometeram a aportar, mas ainda não informaram quanto.Segundo o World Resources Institute (WRI), os empréstimos soberanos têm horizonte de cerca de 40 anos e custo semelhante ao de títulos do Tesouro dos EUA de longo prazo, com esses patrocinadores ocupando a posição “júnior” na estrutura de dívida, ou seja, absorvendo primeiro eventuais perdas.Dívida emitida no mercado (senior debt)A partir dessa base de capital “júnior”, o TFFF pretende emitir cerca de US$ 100 bilhões em títulos no mercado internacional, em condições próximas às de bancos multilaterais de desenvolvimento.Esses papéis seriam comprados por investidores institucionais, empresas e outros atores privados.Quem irá tomar conta do dinheiro?Somados, os dois blocos formam o alvo de US$ 125 bilhões em capital. Os recursos são reunidos em um veículo de investimento, o Tropical Forest Investment Fund (TFIF), que será gerido sob governança específica e tem o Banco Mundial já confirmado como agente fiduciário e administrador.O TFIF deve aplicar o dinheiro em um portfólio diversificado de títulos soberanos e corporativos, com exclusão de setores de alto impacto ambiental, como atividades ligadas a carvão, turfa, petróleo e gás. Parte relevante do desenho prevê critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) robustos na seleção dos ativos, com recomendação de transparência sobre esses critérios, segundo análise da WWF.De onde vêm os pagamentos: retorno financeiro e preço por hectareO modelo parte da diferença entre o rendimento da carteira de investimentos e o custo de captação do fundo.De acordo com o WRI e a WWF, a expectativa é que, com o fundo plenamente capitalizado, os retornos gerem algo em torno de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano, montante destinado a pagamentos a países com florestas tropicais que cumpram os critérios do TFFF.Os documentos técnicos mencionam um desenho inicial em que:o pagamento é baseado em desempenho, isto é, condicionado aos resultados de conservação;o valor de referência é de cerca de US$ 4 por hectare de floresta conservada por ano, com descontos se o desmatamento ou a degradação aumentarem;países com taxas de desmatamento muito altas não são elegíveis ao mecanismo.Organizações como a WWF calculam que, mantida essa estrutura, o TFFF poderia destinar até US$ 4 bilhões anuais em pagamentos, dos quais pelo menos 20% seriam obrigatoriamente direcionados a povos indígenas e comunidades locais. A WWF ressalta que isso poderia chegar a algo como US$ 800 milhões por ano para esses grupos, o que, segundo a entidade, triplicaria os fluxos atuais de recursos internacionais destinados a essas comunidades.Quanto já existe de financiamento para o TFFF?No lançamento durante a COP30, em Belém, o TFFF foi formalmente apoiado por 53 países em uma declaração específica, incluindo 34 países tropicais que concentram mais de 90% das florestas tropicais em nações em desenvolvimento. Compromissos financeiros anunciados até o evento somavam mais de US$ 5,5 bilhões, com aportes já declarados por Brasil, Indonésia, Noruega, Portugal, Países Baixos e sinalizações de França e Alemanha.Quais países podem obter os recursos e como?O TFFF estabelece um conjunto de requisitos para que um país possa receber pagamentos:Perfil do paísSer um país em desenvolvimento com florestas tropicais ou subtropicais de folha larga úmida.Taxa de desmatamentoManter uma taxa de desmatamento abaixo de 0,50%, calculada como média móvel de três anos na área elegível, no momento de adesão.Apresentar tendência de queda dessa taxa em relação ao ano anterior na data de entrada no mecanismo.Depois de aderir, manter a taxa igual ou menor a cada ano, com possibilidade de pequenas variações associadas a eventos de força maior sob discussão técnica.Sistema de monitoramentoTer, ou adotar, um sistema transparente e confiável de medição de cobertura de floresta nativa, com base em dados de sensoriamento remoto.Países que não dispõem de sistemas próprios compatíveis podem recorrer a plataformas de terceiros, desde que atendam aos padrões técnicos definidos.Regras nacionais de distribuiçãoAdotar regras claras e equitativas para a alocação dos pagamentos internamente, com priorização de atores que efetivamente conservam as florestas.Garantir que ao menos 20% dos recursos sejam destinados diretamente a povos indígenas e comunidades locais.Assegurar que os pagamentos do TFFF não substituam orçamentos nacionais já existentes para conservação, mas os complementem.O WRI destaca que, no desenho atual, 74 países em desenvolvimento listados pela ONU, somando mais de 1 bilhão de hectares de florestas tropicais e subtropicais, poderiam ser elegíveis ao mecanismo caso cumpram esses critérios.Destino dos recursos: o que os países podem fazer com o dinheiroAo contrário de muitos mecanismos baseados em projetos, o TFFF foi concebido para transferir recursos diretamente aos governos nacionais, que podem decidir como usar o dinheiro, desde que as políticas e programas apoiados contribuam, direta ou indiretamente, para conservar florestas.O desenho prevê que os países:tenham liberdade para financiar desde ações de comando e controle até programas de desenvolvimento sustentável e políticas sociais em áreas florestais;sejam obrigados a divulgar publicamente como usam os pagamentos, permitindo escrutínio e feedback internos;garantam que pelo menos 20% dos recursos cheguem a povos indígenas e comunidades locais, com a possibilidade de acesso direto a parte desses recursos, algo defendido em processos de consulta citados por WWF e WRI.A WWF destaca que o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil e representantes de comunidades tradicionais vêm conduzindo um processo de co-desenho de um mecanismo de financiamento direto para esses grupos, a fim de detalhar como a exigência dos 20% será cumprida na prática.Quais os riscos envolvidos?Por depender de uma grande carteira de títulos de dívida, o TFFF está exposto a oscilações de mercado. Essa é uma das principais críticas apontadas em análises de organizações da sociedade civil e em reportagem do jornal britânico The Guardian.Especialistas ouvidos pelo Guardian observam que:o fundo pretende investir em títulos de países em desenvolvimento, historicamente sujeitos a volatilidade;em cenários de choques fortes, como crises financeiras globais, pode haver anos em que os retornos não sejam suficientes para realizar pagamentos, algo reconhecido por autoridades do Ministério da Fazenda do Brasil na entrevista ao jornal;há preocupações com a transparência sobre riscos e modelagens.Por outro lado, o mesmo material relata que o desenho financeiro do TFFF foi submetido a avaliações do Banco Mundial, consultorias financeiras e uma agência de rating, e que a estrutura inclui:investimento apenas em títulos de renda fixa, não em ações;limites de concentração, com exposição máxima em torno de 4% por ativo;relação de alavancagem considerada moderada em comparação com outros arranjos internacionais.Por que o TFFF é diferente?Documentos oficiais do mecanismo e análises de WWF e WRI destacam alguns elementos considerados inovadores em relação a fundos tradicionais de conservação florestal:Escala e permanênciaA ambição de chegar a US$ 125 bilhões em capital, com um fluxo anual estimado de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões em pagamentos, é apresentada como a maior iniciativa financeira já dedicada a florestas.O fundo tem caráter permanente, com foco em manter o principal investido e usar apenas os rendimentos.Lógica de investimento, não de ajudaPatrocinadores soberanos entram com investimentos de longo prazo, e não com doações recorrentes, com expectativa de recuperar o capital acrescido de juros, segundo WWF e WRI.A soberania dos países tropicais é reforçada no desenho, que parte da premissa de que esses países “sabem melhor como conservar suas florestas” e devem participar em igualdade de condições na governança com os países patrocinadores, de acordo com declarações oficiais do Itamaraty.Pagamentos por floresta em pé, não apenas por redução de emissõesDiferentemente de mecanismos focados em créditos de carbono, o TFFF paga diretamente por área de floresta mantida, com descontos em caso de aumento de desmatamento ou degradação por fogo.Foco em povos indígenas e comunidades locaisA reserva mínima de 20% dos recursos para esses grupos, com possibilidade de acesso direto, é apontada por WWF e WRI como uma das características mais relevantes do desenho.The post TFFF: como é a engenharia financeira do fundo de florestas tropicais lançado na COP30 appeared first on InfoMoney.