Se na primeira visita ao Brasil, o Massive Attack se viu ofuscado por uma lendária apresentação do Kraftwerk no Free Jazz Festival em 1998, não havia a menor condição de algo assim se repetir na última quinta-feira (13). Nem tanto pela empolgada abertura dos irmãos Cavalera. O espetáculo proporcionado pela banda de Bristol no Espaço Unimed, porém, está em uma outra dimensão sonora, visual, política e até espiritual.Os 30 minutos de atraso para o início do show de abertura se repetiram para o começo do Massive Attack. A diferença foi que, quando as luzes da casa se apagaram às 22h, em vez de a banda inglesa subir ao palco, começaram discursos de Dinamam Tuxá, Luana Kaingang, Alana Manchineri e Ângela Kaxuyana, representantes de diferentes etnias indígenas.Foto de celular: Thiago ZumaNada fora do esperado. Como a apresentação foi parte da campanha “A Resposta Somos Nós”, criada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o tom político da noite de um chamamento à ação era evidente. Dado o perfil do público presente, talvez seja questionável o quanto as apresentadas informações sobre a emergência climática e o histórico genocídio dos povos originários no país foram pregações para já convertidos.Foto de celular: Thiago ZumaO reforço da mensagem, porém, foi também a tônica da apresentação do Massive Attack. As imagens do telão ao fundo do palco tiveram quase sempre críticas sociais e políticas, escritas ou com legendas em português. Robert Del Naja, o “3D”, vocalista, tecladista e principal interlocutor com o público, disse se sentir privilegiado por compartilhar o palco com lideranças indígenas e com os irmãos Cavalera.Não dá para reduzir apenas à crítica política o espetáculo de luzes e imagens proporcionado pelo Massive Attack no Espaço Unimed. O som soturno e ritmado é totalmente produzido no palco, comandado por Del Naja e Grant Marshall, o “Daddy G”, nos teclados e vocais. A dupla, atualmente responsável pelo grupo, teve o suporte de um quinteto instrumental que incluiu gente do porte do baterista Damon Reece (Spiritualized e Echo & the Bunnymen) e do renomado guitarrista Alex Lee (Goldfrapp, Suede, Placebo, Strangelove, Florence and the Machine).Foto de celular: Thiago ZumaA coesão instrumental dos músicos conseguiu aliar um ritmo imersivo, quase sempre dançante, a momentos de peso e maior tensão. A sensação foi muitas vezes introspectiva — bastava fechar os olhos para entrar em transe. No entanto, os vídeos exibidos ao fundo do palco chamavam tanto a atenção quanto as canções. Durante quase todos os 90 minutos em que o Massive Attack esteve no Espaço Unimed, permaneceu a oposição da experiência sonora transcendente com as imagens brutais do mundo real.Del Naja e Marshall se revezam ao cantar parte do repertório — como o primeiro faz na versão para “In My Mind”, de Gigi D’Agostino, que inicia e é reprisada quase ao final do show. Daddy G teve seu destaque durante “Risingson”, primeira composição própria do Massive Atack da noite e uma das cinco faixas extraídas de seu principal disco, “Mezzanine” (1998).Durante a execução de “Take It There”, canção do EP “Ritual Spirit” (2016), após o telão mostrar as contradições entre o destino do dinheiro dos milionários das Big Techs e o local onde os minérios são extraídos no Congo, veio a inevitável menção sobre o genocídio na Faixa de Gaza. O público gritou pela liberdade palestina enquanto era exibido um discurso legendado de Marwan Barghouti, membro do Conselho Legislativo da Palestina preso em 2002 como terrorista e sentenciado à prisão perpétua em Israel, para depois compará-lo ao sul-africano Nelson Mandela.Foto de celular: Thiago ZumaFoto de celular: Thiago ZumaA cereja do bolo do show, no entanto, aconteceu com a participação dos demais cantores. O jamaicano Horace Andy foi o primeiro a ser chamado ao palco. O “colaborador-chefe”, como anunciado por Del Naja, também fez suas danças durante a seção instrumental de “Girl I Love You”, de “Heligoland” (2010), enquanto o telão exibiu dados de pessoas comuns capturadas pela polícia de imigração norte-americana (ICE).A lenda do reggae de 74 anos voltaria mais tarde para a clássica “Angel”, outra de “Mezzanine”, um dos momentos mais aclamados da noite. A tensa música, que recebeu versão do Sepultura já com os vocais de Derrick Green, foi dos raros momentos nos quais as imagens do telão e a iluminação propiciaram apenas a atmosfera perfeita para a imersão sonora. Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Igor Miranda (@igormirandasite)Quando Deborah Miller subiu ao palco, o Espaço Unimed já havia tido um momento no qual se transformara numa pista de dança. Sob os vocais do percussionista eletrônico Julien Brown (que já trabalhou com Lady Gaga e Kylie Minogue), “ROckWrok”, cover do Ultravox, foi acompanhado por um vídeo sobre teorias da conspiração, encerrado por uma mensagem explícita no telão: “Desconfiança é outra forma de controle”.Os tons altos da voz de Miller em “Safe from Harm”, uma das duas faixas do primeiro disco do Massive Attack, “Blue Lines” (1991), empolgaram de forma a ser impossível manter o corpo parado. Como mote da noite, o clima de festa foi contrastado por um peso crescente que a música recebeu ao longo de um instrumental estendido por quase dez minutos para encaixar com o telão exibindo dados sobre a economia do desmatamento. O clímax foi atingido quando a tensão rítmica se aliou à interminável contagem da projeção de emissão das toneladas de dióxido de carbono em caso de colapso do ecossistema amazônico.Foto de celular: Thiago ZumaPara amenizar o ambiente, logo na sequência, a iluminação transformou o Espaço Unimed numa discoteca para “Unfinished Sympathy”, a outra do álbum de estreia cantada por Miller, que até pegou um pandeiro. Foi Elizabeth Fraser, no entanto, quem despertou a resposta mais empolgada do público que encheu o Espaço Unimed. A voz angelical da cantora do Cocteau Twins se mostrou em forma em três momentos da noite. O primeiro veio na parte inicial da apresentação, quando a artista foi anunciada para “Black Milk”, outra faixa de “Mezzanine”.O retorno ocorreu para uma versão semiacústica de “Song to the Siren”, de Tim Buckley. Imagens de guerra da Ucrânia à parte, a música foi um respiro necessário de tranquilidade depois de o guitarrista Alex Lee tangenciar o peso do metal com seu solo ao final de “Future Proof”, do disco “100th Window” (2003). Depois, a escuridão soturna de “Inertia Creeps”, outro clássico de “Mezzanine”, viria embalada em manchetes sobre “clickbaits” no telão.Sem surpresas, o show terminou com Fraser no palco e duas músicas de “Mezzanine”. Primeiro, a tensa e longa “Group Four” ficou tão pesada que o instrumental chegou a cobrir sua voz. O adiantado da hora já fazia algumas pessoas deixarem o Espaço Unimed.Após um breve interlúdio para a citada repetição de “In My Mind”, veio a inevitável “Teardrop”. Com telões desligados, a música mais popular do Massive Attack encerrou sua apresentação sem distrações para sua atmosfera introspectiva aliada à doçura da voz de Fraser.Enquanto os músicos se despediam, uma parte do público encarava o som mecânico como se o Espaço Unimed fosse uma pista de dança, enquanto outra corria para a estação de metrô mais próxima em busca dos últimos trens do dia. Não deixa de ser curioso que o governo do Estado de São Paulo tenha patrocinado o evento com um vídeo, antes de os shows começarem, mostrando os benefícios do transporte público para a emergência climática.Repertório:In My Mind (cover de Gigi D’Agostino)RisingsonGirl I Love You (com Horace Andy)Black Milk (com Elizabeth Fraser)Take It ThereFuture ProofSong to the Siren (cover de Tim Buckley, com Elizabeth Fraser)Inertia CreepsROckwrok (cover de Ultravox)Angel (com Horace Andy)Safe From Harm (com Deborah Miller)Unfinished Sympathy (com Deborah Miller)Levels (cover de Avicii)Group Four (com Elizabeth Fraser)In My Mind – Reprise (cover de Gigi D’Agostino)Teardrop (Com Elizabeth Fraser)Quer receber novidades sobre música direto em seu WhatsApp? Clique aqui!Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.O post Massive Attack impressiona público em SP ao unir som imersivo e mensagem política direta apareceu primeiro em Igor Miranda.