Depois do maior shutdown da história: o que vem agora para os EUA

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O Senado dos Estados Unidos encerrou neste domingo (10) o maior shutdown da história americana, após 40 dias de paralisação e um custo estimado entre US$ 24 e US$ 28 bilhões à economia, segundo o Congressional Budget Office (CBO).Mas se o impasse terminou no papel, a crise política que o provocou apenas muda de forma. Agora, Washington enfrenta uma nova corrida contra o relógio: reconstruir a confiança do país em suas instituições e evitar um novo bloqueio em janeiro de 2026.Um acordo que resolve pouco e adia tudoO texto aprovado no Senado por 60 votos a 40, o mínimo necessário para superar o filibuster, reabre o governo federal até 30 de janeiro de 2026, oferecendo apenas um alívio temporário.A proposta inclui três minibus bills (mini-orçamentos) que liberam recursos para:Defesa e veteranos de guerra, incluindo verbas para modernização de bases militares e atendimento médico da Veterans Affairs;Agricultura e segurança alimentar, com repasses emergenciais para o Food and Drug Administration (FDA);Ramo legislativo, para restabelecer salários e custeio do próprio Congresso.Ficaram de fora, contudo, os subsídios de saúde do Affordable Care Act (Obamacare), epicentro da disputa entre democratas e republicanos.O impasse deve voltar à pauta em dezembro, quando a Câmara tentará incluir o tema em um projeto separado — o que pode reacender a crise antes mesmo do novo ano fiscal começar.“Este é um acordo de contenção, não de solução”, resumiu a senadora democrata Jeanne Shaheen (D-NH), uma das nove dissidentes do partido que votaram a favor da proposta republicana.Fraturas nos dois partidos e um novo equilíbrio no SenadoO acordo expôs divisões internas profundas tanto entre democratas quanto entre republicanos.No campo democrata, o líder Chuck Schumer (D-NY) se manteve firme na oposição, chamando o texto de “vitória de curto prazo para a austeridade e derrota para os trabalhadores federais”.Mas uma ala moderada — incluindo Tim Kaine (VA), Jon Tester (MT), Sherrod Brown (OH), Jacky Rosen (NV) e o independente Angus King (ME) — preferiu romper com a liderança e apoiar o acordo “para libertar o país do impasse”.Do outro lado, o líder republicano Mitch McConnell capitalizou o desfecho. “O povo americano não pode continuar sendo refém de paralisias políticas. Esta trégua é um passo para restaurar a governabilidade”, disse, em pronunciamento.Internamente, o movimento também redesenha a correlação de forças na base republicana. A ala trumpista da Câmara, liderada por Marjorie Taylor Greene e Matt Gaetz, criticou duramente o acordo, classificando-o de “rendição ao pântano de Washington”.Analistas do Politico apontam que McConnell emerge momentaneamente fortalecido, enquanto o presidente tenta preservar o capital político às vésperas da campanha de reeleição.Pesquisas da Morning Consult indicam que 61% dos americanos culparam os republicanos pelo shutdown — o que pode pressionar a oposição a adotar um tom mais pragmático nos próximos meses.Economia: feridas abertas e fôlego curtoO impacto econômico foi imediato e profundo. Segundo o CBO, o shutdown provocou uma redução de 0,3% no PIB do quarto trimestre de 2025, e o custo total (direto e indireto) superou US$ 25 bilhões.Foram 850 mil funcionários federais afastados sem remuneração e 1,3 milhão de trabalhadores considerados “essenciais” – como agentes de segurança e controladores de voo – obrigados a trabalhar sem salário temporariamente.Mais de 3.500 projetos científicos federais foram suspensos, afetando a NASA, o Departamento de Energia e o Instituto Nacional de Saúde (NIH).Além disso:O Departamento de Estado registrou atraso de até seis semanas na emissão de passaportes;O IRS (equivalente à Receita Federal) acumulou 1,2 milhão de pedidos de reembolso fiscal parados;O programa SNAP (alimentação de famílias de baixa renda) teve distribuição reduzida em 28 estados.O acordo atual prevê pagamento retroativo integral aos servidores e reposição orçamentária para os programas sociais afetados. Ainda assim, economistas alertam: a confiança dos consumidores caiu 9 pontos no índice da Universidade de Michigan entre setembro e novembro, e o dano político pode perdurar mais que o financeiro.Três meses para evitar o replayA nova data-limite, 30 de janeiro de 2026, é o próximo campo de batalha.Até lá, o Congresso precisará aprovar 12 leis orçamentárias setoriais – tarefa que não cumpre integralmente desde 1997.A Casa Branca tenta articular uma “mesa bipartidária permanente de negociação fiscal”, envolvendo representantes do Tesouro, do Escritório de Orçamento (OMB) e das comissões de finanças da Câmara e do Senado.A prioridade é evitar que os EUA enfrentem dois shutdowns no mesmo mandato presidencial, algo inédito na história moderna.Em tradução prática: o acordo de novembro apenas empurrou o impasse três meses à frente.O historiador político Julian Zelizer da Universidade de Princeton resume o dilema: “Os shutdowns modernos não são sobre dinheiro, mas sobre poder. E poder, em Washington, se mede pela capacidade de fazer o país funcionar.”O país reabre, mas a confiança ainda não. Em suma, o maior shutdown da história americana acabou, mas a paz institucional ainda está suspensa.O acordo aprovado no Senado reabre o governo, restabelece pagamentos e compra tempo, mas não cura as feridas políticas que dividiram o Congresso.Com o relógio novamente em contagem regressiva até janeiro, os EUA vivem uma trégua tensa – um intervalo entre crises que testará a maturidade do sistema político e o limite da paciência do eleitor.Como se diz nos corredores do Capitólio:Shutdowns terminam, mas as guerras orçamentárias nunca acabam.