Entre as montanhas da Cordilheira dos Andes, no Peru, está Machu Picchu, a “cidade perdida dos incas”. Construída a 2.430 metros de altitude, em meio a florestas tropicais e picos rochosos, ela se tornou um dos maiores legados da civilização pré-colombiana. Hoje, é reconhecida como uma das grandes maravilhas arqueológicas do mundo e um símbolo da engenhosidade e da harmonia dos povos antigos com a natureza.Em resumo:Machu Picchu, a “cidade perdida dos incas”, fica no alto das montanhas peruanas;Construída no século XV, reflete a engenhosidade e espiritualidade pré-colombiana;Abandonada após a invasão espanhola, permaneceu escondida por quase 400 anos;Redescoberta em 1911 por Hiram Bingham, ganhou reconhecimento mundial imediato;A arquitetura local revela domínio técnico, conhecimento astronômico e planejamento exemplar;Sob proteção da Unesco, enfrenta desafios para equilibrar turismo e preservação.Machu Picchu, a “cidade perdida dos incas”, fica no alto das montanhas peruanas. Crédito: saiko3p – ShutterstockO que significa Machu Picchu?O nome Machu Picchu significa “velha montanha” em quíchua, língua ancestral dos incas. A cidade foi construída no século XV, provavelmente durante o governo do imperador Pachacútec, que liderou o império em sua fase de maior expansão. Com cerca de 200 construções de pedra, o local reunia funções religiosas, cerimoniais, agrícolas e astronômicas – um reflexo do alto nível de conhecimento técnico e espiritual alcançado por aquela civilização.Machu Picchu é chamada de “cidade perdida” porque permaneceu escondida do mundo por quase 400 anos. Quando os espanhóis invadiram o Império Inca no século XVI, os habitantes abandonaram o local, possivelmente para evitar que os conquistadores o descobrissem. A floresta tomou conta das ruínas, e a cidade acabou esquecida, envolta por névoas e vegetação densa, inacessível e misteriosa.“Embora não haja evidências de que os espanhóis tenham chegado diretamente a Machu Picchu, o avanço das tropas coloniais e a queda de Cusco, capital do império, geraram deslocamentos populacionais e mudanças estratégicas que podem ter levado ao esvaziamento da cidade”, explica o professor doutor Ângelo Alves Corrêa, do curso de Arqueologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI). “Além disso, a guerra civil entre os irmãos Huáscar e Atahualpa, que disputavam o trono inca, contribuiu para a instabilidade interna e o abandono de centros urbanos. Outro fator relevante foi a disseminação de doenças trazidas pelos europeus, como a varíola, que dizimaram grande parte da população indígena, enfraquecendo ainda mais as estruturas sociais e econômicas da região. Com a redução populacional e a reorganização territorial, Machu Picchu perdeu sua função original e deixou de ser habitada”.Corrêa ressalta ainda que, “embora tenha sido considerada ‘perdida’ por séculos, Machu Picchu nunca foi totalmente esquecida pelas populações locais, que conheciam sua existência e utilizavam a área para cultivo e outras atividades”. Para chegar a Machu Picchu, o trem é o principal meio de transporte, passando por vales e montanhas, com serviços panorâmicos e de alto padrão. Crédito: Beto Santillan – Shutterstock“Esquecimento” ajudou na preservação da cidade antigaO isolamento natural da região ajudou a preservar as construções. Durante séculos, apenas os camponeses locais sabiam da existência das antigas estruturas no alto das montanhas. Mas o conhecimento ficou restrito às pessoas da região de Cusco, sem meios de divulgação. Assim, Machu Picchu permaneceu praticamente intacta até o início do século XX.A redescoberta aconteceu em 1911, quando o explorador estadunidense Hiram Bingham chegou ao Peru em busca da última capital inca, Vilcabamba. Guiado por camponeses, ele subiu as montanhas e encontrou as ruínas cobertas por vegetação. Ao perceber a grandiosidade do sítio arqueológico, registrou e divulgou sua descoberta ao mundo, em um artigo publicado dois anos depois com apoio da Universidade Yale e da National Geographic Society. As expedições de Bingham documentaram templos, praças, terraços e moradias. As imagens publicadas em revistas internacionais despertaram o fascínio global por Machu Picchu, que passou a ser vista como um enigma histórico e um símbolo da genialidade inca.Santuário Histórico de Machu Picchu – Mausoléu do Templo do Sol. Crédito: Ministério de Cultura do PeruOs arqueólogos acreditam que Machu Picchu foi um centro cerimonial e residência de elite. Sua arquitetura revela domínio impressionante de engenharia: as pedras foram cortadas e encaixadas com tanta precisão que dispensam argamassa. A cidade foi planejada em duas zonas – uma agrícola, com terraços, e outra urbana, com templos, praças e casas.Entre os pontos mais conhecidos estão o Templo do Sol, o Intihuatana (observatório solar) e a Praça Sagrada. A orientação das construções mostra o conhecimento astronômico dos incas, que usavam o Sol e as estrelas para medir o tempo e organizar o calendário agrícola. Até hoje, estudiosos tentam entender totalmente o significado espiritual e científico do local.Leia mais:DNA revela diversidade genética surpreendente em Machu PicchuMistério sobre a construção de Machu Picchu: a Ciência tem uma hipóteseCivilização Inca: pesquisadores desvendam mistério sobre registros antigosPatrimônio Cultural e Natural da HumanidadeDepois da redescoberta, Machu Picchu passou por décadas de pesquisas e restaurações. O turismo começou a crescer nos anos de 1940, quando o Peru investiu em transporte até a região. A ferrovia entre Cusco e Aguas Calientes facilitou a chegada de visitantes, e a fama do local só aumentou.A partir da década de 1980, o fluxo turístico se intensificou. Pessoas do mundo inteiro passaram a visitar a “cidade perdida dos incas” para admirar sua beleza e mistério. Muitos buscam uma experiência espiritual ou de contato com a natureza, enquanto outros se interessam pela história e pela arquitetura. Hoje, Machu Picchu recebe milhões de visitantes por ano, o que exige controle rigoroso para evitar danos.Em 1983, a cidade foi declarada Patrimônio Mundial pela Unesco por seu valor cultural e natural. O reconhecimento destacou a harmonia entre a obra humana e o ambiente montanhoso, o testemunho único da civilização inca e a preservação de um ecossistema de grande biodiversidade. O título reforçou a importância do local para a história e para a conservação do planeta.Com a proteção oficial, o governo peruano criou o Santuário Histórico de Machu Picchu, uma área de mais de 32 mil hectares que engloba as ruínas, florestas e vales ao redor. A região abriga espécies raras de plantas e animais e serve como exemplo de equilíbrio entre cultura e natureza. O santuário é administrado por instituições que trabalham para garantir sua preservação.Turista tira foto com uma lhama, um dos exemplos de animais que vivem em Machu Picchu. Crédito: Pav-Pro Photography Ltd – ShutterstockTurismo e risco de deslizamento ameaçam Machu Picchu Apesar da proteção, Machu Picchu enfrenta desafios constantes. O aumento do turismo, a expansão urbana e o risco de deslizamentos ameaçam o sítio. A Unesco e o governo peruano mantêm planos de gestão para controlar o número de visitantes e minimizar impactos ambientais.Mesmo assim, a cidade continua despertando fascínio e curiosidade. Para muitos, visitá-la é como voltar no tempo e sentir a presença dos incas entre as montanhas. O cenário cercado de neblina e silêncio reforça a sensação de mistério que lhe rendeu a alcunha de “cidade perdida”.Mais de 500 anos após sua construção, Machu Picchu permanece como um dos maiores testemunhos da capacidade humana de adaptação e engenhosidade. Sua preservação continua sendo fundamental para compreender a história e a cultura dos povos andinos.O que são cidades perdidasDe acordo com Ângelo Corrêa, “o termo ‘cidade perdida’ costuma designar locais com um número significativo de construções feitas com materiais não perecíveis, cuja localização permaneceu desconhecida por longos períodos para os pesquisadores”. O abandono dessas cidades resultou tanto de fatores climáticos, como secas, quanto sociais, como conflitos, migrações e reorganizações territoriais. Em alguns casos, mudanças ideológicas também influenciaram, com populações questionando a autoridade de nobres ou reis e buscando formas de vida mais autônomas. Esses processos graduais levaram ao esquecimento de antigas cidades, muitas vezes cobertas pela vegetação ou soterradas.Corrêa explica que a ideia de “cidade perdida” ganhou força nos séculos XIX e XX, em meio ao avanço do colonialismo europeu, do imperialismo e do surgimento da arqueologia como disciplina científica. Esse imaginário foi alimentado por narrativas de exploração e descoberta, muitas vezes romantizadas, que ignoravam o fato de que esses locais nunca estiveram realmente perdidos. “As populações locais sempre souberam de sua existência, utilizando-os como áreas de cultivo, pastagem ou como fonte de materiais para construção”.Hoje, Machu Picchu é um dos destinos turísticos mais procurados do mundo, mas, por muito tempo, permaneceu escondida, com sua existência sendo conhecida apenas pela população peruana no entorno. Crédito: Robs Studio – ShutterstockO historiador completa que, portanto, “mais do que descobertos, esses sítios foram revelados ou divulgados ao mundo por exploradores e pesquisadores europeus e norte-americanos, dentro de um contexto histórico marcado por interesses geopolíticos, científicos e simbólicos”.Segundo ele, novas tecnologias estão transformando a arqueologia ao facilitar a descoberta e o estudo destes locais. Drones capturam imagens aéreas detalhadas em áreas remotas, enquanto o LIDAR “utiliza pulsos de laser para penetrar a vegetação e mapear o relevo do solo, revelando estruturas ocultas como estradas e edifícios enterrados”. Além disso, o sensoriamento remoto com satélites identifica anomalias geográficas e monitora riscos ambientais, e a Inteligência Artificial (IA) analisa grandes volumes de dados, reconhece padrões, indica locais para escavação e reconstrói digitalmente artefatos e paisagens antigas, ampliando a compreensão de sítios arqueológicos.Juntas, essas ferramentas reduzem custos, aceleram descobertas, preservam o patrimônio e ampliam significativamente o conhecimento sobre essas localidades e as histórias que elas guardam.Em poucas palavras:Cidade perdida é um antigo assentamento humano esquecido pelo tempo;Geralmente fica escondida em florestas, desertos ou montanhas remotas;Essas cidades foram abandonadas por guerras, catástrofes ou migrações;Suas ruínas são redescobertas séculos depois por exploradores ou arqueólogos;Representam mistérios históricos e culturais sobre antigas civilizações desaparecidas;Além de Machu Picchu, cerca de 10 mil cidades perdidas já foram descobertas em todo o mundo, sendo 20% delas no Sul da Ásia, segundo levantamento do Maps Of India.O post Como o mundo redescobriu Machu Picchu – a cidade inca perdida por quatro séculos apareceu primeiro em Olhar Digital.