Diversos estudos provam que as Terras Indígenas são as mais bem protegidas quando o assunto é preservação e equilíbrio ecológico. A presença dos povos originários em seus territórios é fundamental para o combate à emergência climática e traz benefícios que vão muito além das áreas demarcadas. Mas, em plena COP30, Conferência das Nações Unidas que reúne lideranças mundiais para encontrar caminhos para frear as mudanças climáticas, os povos indígenas seguem enfrentando ameaças aos seus direitos, como a retomada do debate sobre a mineração em terras indígenas.No Congresso Nacional, um grupo especial foi criado para elaborar, em até 180 dias, propostas que podem redefinir as regras da mineração em terras indígenas, um tema que reacende o debate entre soberania nacional, preservação ambiental e os direitos dos povos originários. A iniciativa deve mobilizar interesses econômicos e políticos de diferentes setores, além de gerar pressão sobre a agenda climática e os compromissos internacionais do Brasil. O avanço dessa discussão promete colocar frente a frente grandes mineradoras, lideranças indígenas e o próprio governo federal.Além disso, um relatório inédito divulgado no dia 5 de novembro de 2025 por outras organizações indígenas e comunidades locais, revela uma pressão industrial sem precedentes sobre os territórios indígenas e comunidades locais na Amazônia. O estudo mostra que 31 milhões de hectares (12%) desses territórios estão sobrepostos por blocos de petróleo e gás, 9,8 milhões de hectares por concessões de mineração e 2,4 milhões de hectares por concessões de exploração madeireira industrial.Fonte: “Territórios de Povos Indígenas e Comunidades Locais na Linha de Frente: Mapeando Ameaças e Soluções nas Maiores Florestas Tropicais do Mundo”O relatório busca chamar a atenção para a urgência de priorizar as pautas e soluções apresentadas pelos Povos Indígenas e pelas comunidades locais. O objetivo é influenciar a agenda climática global e mostrar que garantir os direitos territoriais é essencial para alcançar as metas internacionais de clima e biodiversidade.As florestas amazônicas produzem cerca de 20 bilhões de toneladas de água por dia, formando um “rio voador” ainda maior que o próprio Rio Amazonas. No entanto, o desmatamento já reduziu a quantidade de chuvas em até 74%, comprometendo o ciclo da água que sustenta a vida em toda a América do Sul e em outras regiões do planeta.“Pedimos que o mundo reconheça e apoie nossa liderança porque não somos uma barreira de resistência final, somos a raiz viva de um futuro possível”, alerta Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Leia também: 1.Demarcar Terras Indígenas melhora saúde da população 2.Proteger terras indígenas é chave para alcançar metas climáticas Vozes indígenas na COP30Para tentar frear as ameaças aos direitos dos povos originários, uma delegação com cerca de 1,6 mil indígenas dos nove países da Bacia Amazônica vai participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30. Entre as demandas dos povos indígenas estão o reconhecimento e proteção dos territórios indígenas como ação e política de clima, acesso direto a financiamento climático e representação e participação efetiva nos espaços de decisão oficiais.Criança na aldeia Pé de Mutum. Foto: Mariana BassaniOs territórios indígenas têm as florestas mais preservadas da Amazônia e atuam como importantes sumidouros de carbono, essenciais para o equilíbrio climático no planeta. Ao mesmo tempo, essas mesmas terras estão sob grande pressão, ameaçadas pelo avanço predatório da mineração, agricultura e pecuária, além de serem as primeiras a serem impactadas pelos efeitos da crise climática, como cheias severas, queimadas e seca prolongada.“Sem território, não há vida, clima e nem futuro. Os direitos territoriais indígenas devem ser reconhecidos como política climática, pois são as nossas terras preservadas e protegidas, com a floresta em pé, que garantem a conservação da biodiversidade e o equilíbrio climático do planeta”, ressalta Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), anfitriã indígena da COP30.Esta e outras reivindicações estão presentes na NDC indígena da Bacia Amazônica, documento elaborado por 28 organizações indígenas do Brasil e dos oito países que compõem o ‘G9 da Amazônia Indígena’.As prioridades climáticas elencadas são:Reconhecimento e proteção de todos os territórios indígenas, especialmente aqueles com presença de povos indígenas isolados e de recente contato;Financiamento direto e autonomia financeira;Representação e participação efetiva;Proteção dos defensores(as) indígenas;Inclusão dos sistemas de conhecimento indígenas;Zonas livres de exploração em territórios indígenas.Foto: Kathleen Lamayo | 350org“Nós acreditamos que a COP30 é uma oportunidade única para os países assumirem compromissos sérios e ambiciosos em relação à redução da emissão de gases de efeito estufa e para estratégias concretas de mitigação e adaptação climática. Mas é importante ressaltar que a nossa incidência não é somente na COP30, e sim um processo que deve se estender para as próximas conferências e outros espaços de decisão global – sempre ouvindo a nossa voz, a voz dos povos indígenas”, acrescenta Toya.O chamado indígena por justiça climática está sintetizado na campanha ‘A Resposta Somos Nós’, mobilização pelo clima e pela vida criada pela Coiab e abraçada por movimentos indígenas e sociais do Brasil e do mundo.“Mas, se seguirmos a liderança de quem protege esses ecossistemas há gerações, o mundo tem nas mãos um caminho real rumo à regeneração”, garante Juan Carlos Jintiach, secretário-executivo da Aliança Global das Comunidades Territoriais. Leia também: 1.Príncipe William e Coiab firmam parceria histórica em prol dos indígenas 2.Constituição Brasileira ganha versões em línguas indígenas ProgramaçãoA rede Coiab terá programação nas Zonas Azul e Verde da conferência, além da Cúpula dos Povos, na Aldeia COP e em outras mobilizações que ocorrerão no período da COP30. Os destaques incluem:13 de novembro: Painel “Experiência de formação do Cafi Parentinho com o objetivo de melhorar a qualidade da educação nas aldeias indígenas da Amazônia Brasileira” – Aldeia COP14 de novembro: Lançamento da chamada “Guardiãs da Amazônia: mulheres indígenas em defesa das vidas e da justiça climática” do Fundo Podáali – Cúpula dos Povos (UFPA)14 de novembro: Panorama da seca extrema: monitoramento territorial, mitigação e adaptação na Amazônia + Lançamento do boletim inédito da Coiab sobre a estiagem – Embaixada dos Povos14 de novembro: Painel “Guardiões da Amazônia e do Pacífico: povos indígenas pela transição justa” – Cúpula dos Povos15 de novembro: Marcha pelo Clima – saindo do Mercado São Brás17 de novembro: Marcha dos Povos Indígenas – Avenida Perimetral, 1000A programação completa da Coiab na COP30 pode ser acessada no site coiab.org.br.Acampamento Terra Livre 2024, em Brasília (DF). Foto: Hellen Loures | CimiAmeaças aos Povos Indígenas e Comunidades Locais O relatório divulgado nessa quarta-feira, 5 de novembro, foi elaborado pela Aliança Global das Comunidades Territoriais (GATC), pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), pela Earth Insight e por outras organizações lideradas por Povos Indígenas e comunidades locais.Intitulado Territórios de Povos Indígenas e Comunidades Locais na Linha de Frente: Mapeando Ameaças e Soluções nas Maiores Florestas Tropicais do Mundo, o documento apresenta um panorama detalhado das ameaças causadas pelas indústrias extrativas que atingem os Povos Indígenas e as comunidades locais responsáveis por preservar as maiores florestas tropicais do planeta.O estudo também propõe caminhos e soluções para enfrentar esses desafios. O relatório faz parte de uma avaliação global que analisa as pressões sobre as florestas da Amazônia, da Região do Congo, da Indonésia e da Mesoamérica. Juntas, essas regiões reúnem 958 milhões de hectares de florestas tropicais, administrados por cerca de 35 milhões de pessoas.Foto: Mariana BassaniOs resultados referentes à Amazônia mostram como as atividades de petróleo e gás, mineração e exploração madeireira industrial podem afetar 250 milhões de hectares em áreas fundamentais para a proteção da biodiversidade e para a manutenção do equilíbrio climático do planeta. Leia também: 1.Documentário mostra efeitos do mercúrio para povos indígenas 2.Cimi lança relatório sobre violência contra povos indígenas “Convocamos governos, aliados e todos os povos da Terra a se mobilizarem e assumirem sua responsabilidade. Isso não é um ato de solidariedade, é uma questão de sobrevivência, pois se a Amazônia desaparecer, leva com ela o nosso futuro comum”, afirmou Fany Kuiru, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica.Conclusões apontam para crise generalizada na AmazôniaTerritórios indígenas sob ameaça: 31 milhões de hectares (12%) dos territórios de Povos Indígenas e de comunidades locais estão sobrepostos por blocos de exploração de petróleo e gás, 9,8 milhões de hectares por concessões de mineração e 2,4 milhões de hectares por concessões de exploração madeireira industrial em toda a Bacia Amazônica.Corredor Yavarí-Tapiche em risco: A proposta de criação de um corredor de 16 milhões de hectares (uma área duas vezes maior que o Panamá) para Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e de Contato Inicial (PIACI) ainda preserva 99% de sua floresta intacta. No entanto, enfrenta a sobreposição de projetos de petróleo, gás, mineração, extração de madeira e construção de estradas. Além disso, o Peru ainda não reconheceu oficialmente as reservas fundamentais nessa região.Crise no território Waorani (Equador): Cerca de 64% dos 800 mil hectares reconhecidos do território Waorani estão sobrepostos por blocos de exploração de petróleo, o que expõe as comunidades indígenas a graves problemas de saúde e à perda de biodiversidade. Resíduos tóxicos deixados pela indústria petrolífera continuam afetando as comunidades na Amazônia equatoriana. Das mais de 3.500 áreas identificadas que foram contaminadas pelo setor de petróleo e gás no país, apenas metade passou por algum processo de recuperação ambiental.Expansão agrícola no Brasil: Aproximadamente 30% dos territórios de Povos Indígenas e comunidades locais no Mato Grosso do Sul já foram ocupados por áreas agrícolas. Essa expansão tem sido acompanhada por um histórico de violência sistemática contra o povo Guarani-Kaiowá, resultando no assassinato de 608 lideranças e ativistas entre 2003 e 2021- um padrão que especialistas em genocídio chamam de “kaiowicídio”“A Amazônia brasileira é o coração verde do nosso país e uma das maiores reservas de biodiversidade e água doce do planeta. Nossos sistemas de governança, nossos conhecimentos ancestrais e nossos modos de vida mantêm esses ecossistemas em equilíbrio. Mas esse equilíbrio está sendo quebrado pelo avanço da mineração, do agronegócio, da exploração de petróleo, da extração ilegal de madeira, das invasões de terra e de políticas que enfraquecem nossos direitos”, ressalta Kleber Karipuna, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).Cúpula Internacional pelo Yasuní. Foto: @mocicperu | COICAA avaliação é divulgada em um momento em que a Amazônia enfrenta uma pressão cada vez maior não apenas das indústrias extrativas tradicionais, mas também de projetos que se apresentam como parte de planos nacionais de desenvolvimento.Povos Indígenas e comunidades locais que vivem próximos a áreas de exploração de petróleo têm apresentado altos níveis de mercúrio, cádmio e chumbo no organismo. Além disso, mais de 70% das mulheres indígenas da Amazônia equatoriana relatam problemas de saúde causados pela contaminação da água com resíduos de petróleo.Caminhos melhoresAlém de registrar as ameaças, o relatório também destaca soluções transformadoras que estão sendo conduzidas por Povos Indígenas e comunidades locais em diferentes partes da Amazônia, entre elas:Na Colômbia, 25 Entidades Territoriais Indígenas (ETIs) aguardam reconhecimento oficial. Juntas, elas representam 36% da Amazônia colombiana e mantêm 99,5% de suas florestas preservadas.No Brasil, o Fundo Podáali, criado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), é o primeiro fundo totalmente idealizado e gerido por Povos Indígenas a abranger toda a Amazônia brasileira, canalizando recursos diretamente para iniciativas locais.Também no Brasil, os Povos Indígenas lançaram a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) Indígena, que propõe uma estratégia climática de base comunitária, integrando direitos territoriais, proteção das florestas, ação climática e uma transição justa.O relatório se baseia na Declaração de Brazzaville e nas Cinco Demandas da GATC: garantir os direitos territoriais dos Povos Indígenas e comunidades locais; assegurar o consentimento livre, prévio e informado; garantir que os recursos cheguem diretamente às comunidades; proteger a vida dos defensores e defensoras dos territórios e; integrar o conhecimento tradicional nas políticas globais.Essas demandas traçam um caminho claro para que governos, financiadores e instituições passem de um modelo de exploração para um modelo de regeneração, centrado na justiça climática e na valorização dos saberes ancestrais.Dzoodzo Baniwa: educador, pesquisador e liderança indígena do povo Baniwa. Foto: Moises Baniwa“As evidências são claras: sem o reconhecimento urgente dos direitos sobre os territórios, o respeito ao consentimento livre, prévio e informado, e a proteção dos ecossistemas que sustentam a vida, as metas globais de clima e biodiversidade não serão atingidas”, afirmou M. Florencia Librizzi, vice-diretora da Earth Insight. “Precisamos reconhecer e fortalecer os modelos comunitários de gestão e governança que já mostram o caminho para um futuro mais justo e regenerativo.”Quer saber mais? Acesse o relatório aqui.Avanço da indústria do petróleo e gás Com a aprovação do IBAMA para a perfuração exploratória na Foz do Amazonas pela Petrobras, a presença da indústria de petróleo e gás se torna uma ameaça cada vez mais presente aos territórios indígenas – e a todo o ecossistema amazônico. A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo lançou uma pesquisa inédita que denuncia os impactos da exploração de petróleo e gás sobre Terras Indígenas em sua área de abrangência.Ato na baía do Guajará, em Belém, contra exploração de petróleo na Amazônia. Foto: Eliseu PereiraO estudo, baseado em dados oficiais e relatos colhidos junto a lideranças indígenas, identifica 84 Terras Indígenas potencialmente afetadas por empreendimentos do setor energético — tanto marítimos quanto terrestres, sendo que 44 delas encontram-se sem providência, ou seja, sequer iniciou o processo de reconhecimento e demarcação de seus territórios.A pesquisa mostra que grande parte desses empreendimentos avança sobre áreas próximas a comunidades indígenas sem que haja processos adequados de consulta ou avaliação ambiental, em violação à Convenção 169 da OIT e à Constituição Federal. Dos 423 empreendimentos analisados, 22 estão com licenças vencidas, e em mais de 200 casos não há informações públicas disponíveis sobre o licenciamento ambiental.“Esses projetos chegam às nossas terras sem consulta, sem diálogo, sem transparência. Muitos gasodutos e poços foram instalados antes mesmo de existirem regras claras de licenciamento, e os impactos continuam sendo sentidos até hoje”, denuncia Paulo Henrique (Tupinikin), coordenador político da APOINME. Leia também: 1.Caciques do Oiapoque repudiam exploração de petróleo 2.Fundo de US$ 20 bi pode ser alternativa ao petróleo na Amazônia O levantamento também documenta impactos diretos nas comunidades, como contaminação de áreas de pesca, restrição de uso do território e degradação ambiental causada por vazamentos e obras de gasodutos e reforça a necessidade urgente de frear a expansão da fronteira fóssil e garantir o direito à consulta prévia, livre e informada. “O petróleo não pode continuar sendo tratado como sinônimo de desenvolvimento. O que está em jogo são vidas, territórios e o futuro do planeta”, afirma a organização.Depoimentos de lideranças dos povos Tupiniquim, Potiguara, Tapuia Paiacu, Tremembé e Pataxó expõem uma realidade de insegurança e violação de direitos: “O gasoduto passa entre as casas, e ninguém explica o que está acontecendo. A gente vive com medo”, relata uma liderança Potiguara do Rio Grande do Norte.A cartilha “Terras Indígenas impactadas por empreendimentos de Petróleo e Gás” está disponível em formato digital AQUI.Foto: GreenpeaceThe post Com direitos ameaçados, indígenas estão presentes na COP30 appeared first on CicloVivo.