Cerca de 15,6 milhões de chilenos vão às urnas neste domingo (16) para eleger o sucessor do presidente Gabriel Boric, num processo político polarizado que lembra muito o observado em vários países da América do Sul nos últimos anos. No total, oito candidatos disputam a presidência do Chile e os eleitores também vão escolher os 155 deputados da Câmara e 23 dos 50 senadores do país.De acordo com as pesquisas, candidata governista Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho na gestão Boric e militante do Partido Comunista, deve ter a maioria de votos no primeiro turno, seguida por José Antonio Kast, um ultraconservador que nunca escondeu a admiração pelo ex-ditador Augusto Pinochet.Leia também: Eleições na América Latina e sucessão no Fed mexem com os mercadosComo aparentemente nenhum dos adversários conseguirá a maioria absoluta dos votos, se não houver surpresas esses dois candidatos devem se enfrentar num segundo turno em 14 de dezembro, desta vez com favoritismo para Kast, que conseguiria agregar mais votos na centro-direita – que, acredita-se, poderia passar dos 50% na disputa.Parte dessa limitação da esquerda está na baixa popularidade de Boric, abaixo dos 30% há meses.Isso pode indicar uma guinada econômica no Chile a partir do ano que vem, uma vez que a agenda da direita e centro-direita tem prometido medidas de redução do Estados e corte de impostos, o que pode implicar em cortes de gastos sociais.Leia também: BBI corta exposição em Argentina e eleva no Chile com foco em câmbio e eleiçõesUm ponto importante que tem sido destacado por especialistas é o voto só voltou a ser obrigatório no Chile em 2022. Por conta disso, algo entre 5 e 6 milhões de chilenos irão votar pela primeira vez em uma eleição presidencial neste domingo, o que pode gerar surpresas não captadas pelas pesquisas.Uma pesquisa da Universidade Diego Portales (UDP) divulgada nesta semana mostrou que 74% do eleitores vai comparecer às urnas por vontade própria e 26% vão fazer isso por obrigação – haverá aplicação de multa por ausência sem motivo justo que varia entre o equivalente a R$ 186 e R$ 584.SegurançaO mesmo levantamento mostrou que os eleitores querem um/a líder que passe uma identidade de honestidade (44% das respostas), rapidez na tomada de decisões (43%) e autoridade com mão dura (38%). A empatia e o diálogo, características tradicionalmente valorizadas em democracias consolidadas, são importantes para apenas 31% dos eleitores.Parte dessas respostas explicam o motivo do tema da segurança ter sido o mote principal da campanha. Reportagem recente da BBC citou pesquisa da Ipsos que revelou que 63% dos chilenos consideram o crime e a violência como os principais problemas do país, um nível de preocupação maior do que no México (59%) ou na Colômbia (45%), apesar de ambos terem taxas de homicídio quatro vezes maiores.A taxa de homicídios no Chile é de apenas 6 para cada grupo de 100 mil pessoas, mas é o dobro hoje do que na última década.No último debate presidencial transmitido na TV, o candidato Kast foi criticado por realizar atos de campanha protegido por um vidro à prova de balas.EconomiaSobre o momento econômico do país, o Goldman Sachs diz que a eleição ocorre em um contexto de baixa aprovação do presidente Boric e uma economia chilena que se mantém em um patamar neutro.“Após um índice benigno de inflação em outubro, a inflação caiu para 3,4%, o nível mais baixo até o momento sob o governo do presidente Boric. A atividade econômica, por sua vez, está próxima do potencial, o hiato do produto foi fechado, e esperamos um crescimento de 2,4% para 2025”, escreveu em relatório o economista do banco Sergio Armella.Outro ponto importante é que o mercado de trabalho permanece um pouco fraco, com a taxa de desemprego em 8,5%, acima da média histórica — e a criação de empregos apresentando baixo dinamismo. “Mesmo assim, a maioria das preocupações dos chilenos parece ir além da macroeconomia. Insegurança, crime, tráfico de drogas, corrupção, migração, estado de direito e impunidade, juntamente com a deterioração do equilíbrio fiscal, têm moldado significativamente a agenda pública durante a campanha”, escreveu Armella.CongressoO Goldman Sachs destaca em sua análise que a atenção dos investidores também está voltada para as eleições parlamentares e para a possibilidade de o Congresso se deslocar para a direita. Um atenção especial será dada à eleição da Câmara dos Deputados, que tradicionalmente tem uma inclinação à esquerda desde o retorno da democracia no país, em 1990.Durante a administração do presidente Boric, a composição do Congresso resultou em uma agenda legislativa paralisada. Os parlamentares aprovaram apenas uma reforma estrutural — a reforma da previdência — e somente após longos debates, apesar do amplo consenso no espectro político sobre a necessidade de aumentar as contribuições para a aposentadoria.Atualmente, a coalizão de esquerda Unidad por Chile controla cerca de 46% da Câmara dos Deputados (72 dos 155 assentos), e a coalizão de esquerda Verde e Humanista detém mais dois assentos. A direita, por sua vez, controla cerca de 44% da Câmara, com a coalizão de centro-direita Chile Grande y Unido ocupando 53 assentos, e a atual aliança de direita Cambio por Chile, 15.No Senado, onde os mandatos duram oito anos, os eleitores renovarão 23 cadeiras. A esquerda detém 11 dos 23 assentos em disputa, e a direita, 12. Na composição atual, a direita controla metade do Senado, com 24 senadores da Chile Grande y Unido e um dos Republicanos. A aliança governista de esquerda, em contraste, detém 21 assentos, e a aliança Verde e Humanista, mais dois.“Embora a composição do Congresso pós-eleição possa se inclinar para a direita, conquistar a maioria de 4/7 necessária em ambas as casas para aprovar reformas constitucionais parece ambicioso. Em geral, caso haja uma mudança para a direita, esperaríamos que o próximo governo continuasse com a agenda de facilitar os requisitos para licenças que atrasam investimentos e iniciasse um caminho gradual de consolidação fiscal”, escreveu o economista do banco de investimentos.A magnitude e a composição desse ajuste, no entanto, podem variar dependendo de quem for eleito no segundo turno – José Antonio Kast ou Evelyn Matthei, segundo as pesquisas. Por exemplo, enquanto Matthei pode priorizar cortes nos gastos, levando a um ajuste fiscal de cerca de 1% do PIB durante seu mandato, a preferência de Kast por impostos mais baixos pode fazer esse papel de limitar o tamanho do Estado, mas deixar a base fiscal sem grandes melhorias. “Do contrário, se a esquerda permanecer no governo, as pressões fiscais podem se intensificar”, alertou.Veja abaixo um perfil dos principais candidatos à presidência do Chile.Jeannete JaraCom 51 anos de idade, a advogada Jeannete Jara foi ministra do Trabalho na gestão de Gabriel Boric, estando à frente da última reforma da Previdência aprovada no país, além de ter conseguido aprovar uma redução de jornada de trabalho e o aumento do salário-mínimo para mais de 500 mil pesos chilenos (cerca de US$ 530).Filha de uma dona de casa e de um técnico mecânico, é formada em Administração Pública e Direito. Jara se juntou à Juventude Comunista aos 14 anos, participando de movimentos estudantis e sociais.Sua experiência administrativa é anterior à gestão de Boric: durante o primeiro governo de Michelle Bachelet, ela atuou como subsecretária de Bem-Estar Social.As propostas na campanha giraram em torno da continuidade de programas da gestão Boric e de atualizações na reforma da Previdência que ela mesma capitaneou. Como novidade, sugeriu a criação de uma hipotecapara jovens de até 40 anos, para que possam comprar uma primeira casa com dividendos a um preço acessível.Em segurança, sua proposta é de quebra sigilo bancário de pessoas ligadas a organizações criminosas, mas também promete um controle de armas.José Antonio KastTambém advogado, José Antonio Kast, de 59 anos, é um representante de movimentos da nova direita que floresceram na última década em todo o mundo. Embora tenha sido deputado por 16 anos, é um forte crítico da inoperância do Poder Legislativo e já chegou a definir o Congresso como uma instituição “não tão importante quanto muitos acreditam”. Foi candidato presidencial na última eleição, mas foi derrotado por Boric.Nas outras duas vezes que concorreu ao cargo de presidente, os adversários bateram forte em suas origens. Seu pai, Michael Kast, foi um alemão que emigrou para o país sul-americano no final dos anos 1940, e era militante da Wehrmacht, uma das forças de segurança da Alemanha nazista criada para a repressão interna nas fronteiras alemãs.Além disso, Miguel Kast, irmão mais velho de José Antonio, foi ministro na ditadura de Pinochet em duas oportunidade entre 1978 e 1982. No famoso plebiscito chileno de 1988 no qual a população decidiu se o ditador deveria continuar ou não à frente do país, Kast foi um fervoroso defensor do “sim” – o “não” ganhou, com 55% dos votos.Atualmente, ele tem se esquivado de perguntas sobre as violações de direitos humanos durante a ditadura, preferindo destacar em entrevistas o progresso econômico do país no período.Evelyn MattheiA economista de 71 anos Evelyn Matthei é a representante da tradicional coligação de centro-direita UDI nesta eleição. Ela exerceu o cargo de ministra do Trabalho na gestão do falecido Sebastián Piñera entre 2011 e 2013, também foi senadora e prefeita de Providencia até 2024.Suas propostas na campanha foram centradas na economia e na segurança. Ela destacou sua experiência e também a qualidade da equipe que pretende profissional da equipe que a acompanha para um eventual governo.Matthei prometeu um ajuste nas contas públicas de US$ 8 bilhões em quatro anos em , cortando despesas, compras públicas e eliminado burocracia estatal. Sobre tributos, prevê reduzir o imposto corporativo para 23%, com planos de atingir 18% em 10 anos.Na segurança, disse que aumentará a presença policial nas ruas com 10 mil novos policiais e que usará mais tecnologia contra o crime, com câmeras inteligentes e uso de drones. Essa pauta está ligada a outra, de repressão contra a imigração ilegal: ela propôs a expulsão de 3.000 presos estrangeiros e de 10.000 imigrantes irregulares. Outros candidatosOs candidatos que aparecem com menos chances no primeiro turno nas pesquisas são Johannes Kaiser, fundador do Partido Nacional Libertário e que tenta se ligar à figura do argentino Javier Milei; Franco Parisi, com um discurso antiestablishment e que prometeu acabar com o conflito armado na área indígena mapuche de La Araucanía; Harold Mayne-Nicholls, um independente cuja experiência mais conhecida é como dirigente esportivo; o ex-deputado Marco Enríquez-Ominami, um filósofo e cineasta com uma pauta mais humanista; e Eduardo Artes, dirigente sindical que faz ataques ao projeto neoliberal e que disse ser contra quaisquer tratados de livre mercado.The post Chile vota para presidente: favoritos são uma comunista e um admirador de Pinochet appeared first on InfoMoney.