A empresa Life Tecnologia Educacional, alvo da Operação Coffee Break, deflagrada pela Polícia Federal (PF) nessa quarta-feira (12/11), superfaturava livros vendidos a prefeituras do interior em até 35 vezes o valor pelo qual adquiria os materiais.De acordo com a investigação, a empresa arrecadou R$ 111 milhões para fornecer material escolar a quatro prefeituras paulistas por meio de contratos suspeitos de corrupção. O líder do esquema, segundo a PF, é o empresário André Gonçalves Mariano, dono da empresa e um dos presos na operação.“Da análise das movimentações financeiras atípicas relacionada à Life Tecnologia, a autoridade policial afirma que o sobrepreço praticado pela empresa é evidente, alcançando até 35 vezes o preço de aquisição da mercadoria. Em alguns casos, além do superfaturamento, a Life teria adquirido livros somente após tê-los vendido à prefeitura”, afirma a PF.O esquema de propina, segundo a investigação, envolvia autoridades municipais, empresários, doleiros e lobistas. Ao todo, cinco pessoas foram presas, entre elas, o vice-prefeito de Hortolândia, Cafu César (PSB), e o secretário de Educação da cidade, Fernando Gomes de Moraes. Mandados também foram cumpridos em Morungaba, Sumaré e Limeira, todas na região de Campinas. Leia também São Paulo PF cita ex-nora de Lula e ex-sócio de Lulinha em operação contra corrupção São Paulo Ex-procurador-geral do INSS e esposa estão entre os presos pela PF São Paulo De falso leilão a spoofing: operação mira golpes digitais em 5 estados São Paulo Justiça condena 8 pessoas por sequestro de modelo internacional em SP A investigação aponta que o esquema funcionava pelo menos desde 2021. O ciclo criminoso envolvia três núcleos principais: a Life Tecnologia, na figura de Mariano, agentes públicos e doleiros.Segundo os autos, Mariano obtinha acesso privilegiado a secretários de Educação dos municípios e “criava a demanda” pelos seus produtos, notadamente livros, kits de robótica e materiais pedagógicos. Com isso, o processo licitatório era fraudado para que a Life vencesse os certames, em troca do pagamento de propina aos agentes públicos responsáveis.Em Hortolândia, por exemplo, Mariano participava da estruturação do processo licitatório em “parceria” com servidores públicos e acertava até mesmo o produto a ser vendido. Em Sumaré, ele recebia o Termo de Referência, documento essencial do edital, para aprovação antes mesmo da publicação oficial.“Café”Ao mesmo tempo, agentes públicos como Cafu César e Fernando Gomes de Moraes atuavam para direcionar a vitória da Life, assinar atas de registro de preços e agilizar a liberação e o empenho dos pagamentos dos contratos superfaturados.Os servidores recebiam a propina em espécie, chamada de “café”, obtido por meio de doleiros ou por meio de transferências bancárias diretas ou para contas de terceiros e familiares.“Afirma que referido investigado utiliza o termo ‘café’ para se referir ao pagamento de vantagem indevida a servidores públicos e que é possível concluir que, no período de 2021 a 2024, tenha pago vantagens indevidas, em dezenas de ocasiões, a servidores públicos e lobistas vinculados aos mais variados entes públicos”, diz a juíza em sua decisão.Lavagem de dinheiroA investigação da PF também aponta que, após receber os pagamentos públicos, a Life utilizava um complexo sistema de lavagem de capitais para ocultar a origem e o destino do dinheiro. Para isso, os recursos eram remetidos para empresas de fachada controladas por doleiros.Esses operadores eram responsáveis por converter as transferências bancárias em dinheiro em espécie. Para ocultar as movimentações, o grupo se utilizava de estratégias como o pagamento fracionado de boletos em vez de uma única transação grande.O dinheiro em espécie, descontadas as taxas cobradas pelos doleiros, retornava para André Mariano, que o utilizava para o pagamento de propinas e para seu próprio enriquecimento.MECA investigação da Polícia Federal (PF) também aponta o envolvimento de uma ex-nora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-sócio de um dos filhos do petista no suposto esquema de propina.Carla Ariane Trindade foi casada com Marcos Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do presidente. Segundo a investigação, Carla prometia acessos privilegiados em Brasília e “defendia os interesses privados de Mariano junto a órgãos públicos, principalmente na busca por recursos e contratos”.Mariano, inclusive, pagou passagens para que a ex-nora de Lula viajasse com ele à capital federal.“Ao menos duas vezes, Carla teria ido a Brasília com passagens custeadas por André Mariano e que a dinâmica dos agendamentos, muitas vezes corroborados por outros arquivos, demonstra que Carla defende os interesses privados de Mariano junto a órgãos públicos, principalmente na busca por recursos e contratos”, afirma a juíza Raquel Coelho Dal Rio Silveira, da 1ª Vara Federal de Campinas, na decisão que autorizou a Operação Coffe Break.“Carla parece ter, ou alega ter, influência em decisões do Governo Federal, notadamente no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação], bem como nos municípios de Mauá/SP, Diadema/SP, Campinas/SP, entre outros”, acrescenta a magistrada, com base na representação da PF.As conversas indicam que o contato de Carla estava salvo no celular de Mariano como “Amiga de Paulínea” e “Nora”. São vários apontamentos na agenda de ANDRÉ MARIANO indicando “CARLA” e “café”. A autoridade policial afirma que, como contrapartida, restariam “poucas dúvidas de que CARLA receberia pagamentos em espécie.”Da família BittarAlém dela, a investigação cita Kalil Bittar, ex-sócio do filho mais velho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, como figura ligada ao empresário André Mariano.A Polícia Federal afirma que Kalil teve “grande importância e participação no sucesso empresarial” da Life Educacional, “atuando em prol dos interesses de André Mariano na ‘prospecção de negócios'”. Ele teria ajudado o empresário a “fortalecer seu lobby em Brasília”, bem como seria provável “que essa atuação junto ao governo central tenha viabilizado os diversos pagamentos feitos à LIFE pelo município de Hortolândia”.Kalil é irmão de Fernando Bittar, ex-proprietário do sítio de Atibaia atríbuído pela força-tarefa da Operação Lava Jato ao presidente Lula. Fernando e Lula foram condenados pela juíza Gabriela Hardt da 13ª Vara de Curitiba nesse processo. Embora o sítio não fosse do ex-presidente, a magistrada argumentava que era usado por ele e foi reformado para ele, tudo com base na delação premiada do ex-presidente da OAS Leo Pinheiro.Kalil e Fernando são filhos de Jacó Bittar, que faleceu em maio de 2022. Jacó era amigo de Lula, um dos fundadores do PT e ex-prefeito de Campinas (SP).O que dizem os envolvidosEm nota, a Prefeitura de Hortolândia afirmou que foi surpreendida com a ação da Polícia Federal, mas que se coloca à disposição das autoridades para possíveis esclarecimentos.“O município ressalta que todas as licitações seguem processos rigorosos, de acordo com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), especialmente em relação ao cumprimento de normas legais e regulamentares para a contratação das empresas, entre elas: publicidade do processo licitatório, transparência nas etapas de contratação, conferência da entrega dos itens e serviços contratados. No caso de pregões eletrônicos, os interessados inclusive podem participar independente de sua localidade, o que amplia o acesso à todas as etapas”, disse o município.O Metrópoles procurou as defesas dos citados, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.